Quem o afirma é o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, numa longa entrevista ao VER centrada no cumprimento dos 17 ODS e no Roteiro Nacional para o Desenvolvimento Sustentável. André Moz Caldas esclarece que os indicadores disponíveis para Portugal assumem uma cobertura de 69%, relativamente ao total dos 248 indicadores da ONU, com o país a acompanhar a evolução estatística em 124 metas, o que representa uma cobertura de 73%. Explicando a estratégia do Governo no que respeita à Agenda 2030, André Moz Caldas alerta ainda que fora do contexto das grandes empresas, a importância da sustentabilidade e da Agenda 2030 ainda não está incorporada nas estratégias do sector empresarial, o que constitui um desafio importante para o país e para o difícil cumprimento dos ODS
POR HELENA OLIVEIRA

Portugal vai apresentar, em Julho próximo, no Fórum Político de Alto Nível das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, o seu segundo Relatório Voluntário Nacional sobre a implementação da Agenda 2030 e dos 17 Objectivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). O que significa esta apresentação “voluntária” e que passos se lhe devem seguir?

Portugal anunciou em julho de 2022 que apresentaria o seu segundo Relatório Voluntário Nacional, em julho de 2023. Esta voluntariedade reside essencialmente em dois pontos: por um lado, Portugal mantém o total compromisso com a implementação da Agenda 2030, adotada em 2015, permanecendo empenhado designadamente na erradicação da pobreza, na luta contra as desigualdades, na promoção de um desenvolvimento sustentável global, justo, equitativo e inclusivo, com base no respeito pela dignidade da pessoa humana e no princípio «não deixar ninguém para trás»; por outro, tendo a Agenda o horizonte 2030, o ano de 2023, precisamente a meio da sua implementação, é indubitavelmente o momento adequado para se proceder a este exercício, no sentido de avaliarmos onde estamos, monitorizando os progressos e desafios nacionais na implementação da Agenda 2030 desde 2017, quando apresentámos o primeiro Relatório Voluntário Nacional. 

Esse compromisso é patente nas prioridades estratégicas assumidas e nas políticas públicas adotadas, nomeadamente a Estratégia Portugal 2030, as Grandes Opções para 2022-2026, o Programa Nacional de Reformas (PNR), a programação dos instrumentos de financiamento nacionais e europeus, incluindo o Plano de Recuperação e Resiliência, além de muitos outros instrumentos setoriais.

Após a apresentação do Relatório, será definido e lançado um Roteiro Nacional para o Desenvolvimento Sustentável 2030, o qual constituirá um mapa das estradas que apontará caminhos concretos de atuação no sentido de aceleração do cumprimento da Agenda e que ajudarão a construir as metas intermédias com que o país se comprometerá na Cimeira da Sustentabilidade, em setembro, à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas.

A elaboração do Relatório favoreceu um quadro muito denso e amplo de lições aprendidas que serão o ponto de partida para a definição desse Roteiro. Em primeira análise, este terá de atender às diferentes dimensões do processo de implementação da Agenda 2030, em Portugal, através de uma análise relativamente ao estado atual e definindo as ações para um desenvolvimento faseado até 2030, tendo como principais objetivos a definição e mapeamento da articulação dos instrumentos estratégicos nacionais com a Agenda 2030, assim como dos compromissos assumidos ao nível europeu, assegurando a coerência global das políticas públicas.

Prevê-se, também, a definição dos eixos de ação que, numa perspetiva whole of society (toda a sociedade), deverão ser concretizados e mobilizados, garantindo um regular e permanente diálogo com todos os atores da sociedade.

No plano externo e de cooperação, Portugal manterá o compromisso nos vários fora internacionais, com iniciativas que contribuem para a implementação da Agenda 2030, nomeadamente a «Nossa Agenda Comum» – e em particular a Cimeira dos ODS em 2023, a Cimeira do Futuro em 2024 e a Cimeira Social Mundial em 2025.

O documento esteve em consulta pública para integrar todos os actores, desde públicos a privados, sociedade civil, academia, ONGs, etc. A seu ver, o que é mais importante realçar neste Relatório e quais os progressos que sublinha a nível nacional no que respeita aos ODS?

Efetivamente, o relatório que apresentaremos visou o envolvimento de todas as partes interessadas. A metodologia adotada traduziu-se, assim, numa dupla abordagem, alinhando todas as camadas do governo nacional, regional e local e de toda a sociedade. 

Nesse sentido, criámos um modelo institucional que permite, de forma permanente, chamar a um órgão de alto de nível de monitorização e de acompanhamento, a Comissão de Acompanhamento, os representantes destes atores, incluindo o Governo da República, dos Governos das Regiões Autónomas, os municípios e as freguesias, o Conselho Económico e Social e três personalidades de reconhecido mérito na área do desenvolvimento sustentável: os Professores Filipe Duarte Santos e João Ferrão e a Arquiteta Helena Roseta. 

Para além da realização de uma consulta pública, o processo de elaboração do Relatório de 2023 compreendeu um Périplo de Assembleias Participativas em todas as regiões do território nacional, constituídas como fórum de participação onde se pretendia uma discussão inovadora sobre diferentes temas, designadamente sobre os ODS que a sociedade civil considera de implementação prioritária e o papel de todas as partes interessadas na implementação da Agenda 2030.

Isto permitiu lançar uma metodologia que trouxe para o processo todos os intervenientes relevantes e, portanto, este não será um relatório do Governo português, mas antes um relatório nacional que expressa o empenho de todos os atores públicos e privados no caminho da Agenda 2030. 

Podemos constatar que 62% das metas estão a evoluir no sentido desejado, não obstante os impactos quer da pandemia, quer da invasão da Ucrânia pela Rússia. Os indicadores disponíveis para Portugal assumem uma cobertura de 69%, relativamente ao total dos 248 indicadores da ONU, tendo aumentado 17 p.p. desde 2018. No que se refere a metas, tendo em conta o número dos indicadores monitorizados e a sua alocação nos ODS, Portugal acompanha a evolução estatística em 124 metas, o que representa uma cobertura de 73%.

Destacam-se os ODS 1, 6, 7 e 8 pelo facto de serem os que apresentam a maior percentagem de metas com uma evolução positiva, face a 2015, sendo que no caso do ODS 7 é ainda de salientar que dois dos indicadores atingiram os valores de referência: assegurar o acesso universal a serviços de energia modernos, fiáveis e a preços acessíveis e Participação de energias renováveis na matriz energética global), o mesmo acontecendo no ODS 3 (redução da mortalidade materna; mortalidade de nados-vivos e crianças menores de cinco anos; mortalidade neonatal). 

Desde 2017, regista-se uma gradual apropriação e integração da Agenda 2030 e dos ODS no planeamento das políticas públicas. Em 2022, foram dados passos decisivos através do alinhamento dos instrumentos de planeamento de alto nível, como a Estratégia Portugal 2030, o PNR 2022, as Grandes Opções para 2023-2026 e a Estratégia da Cooperação Portuguesa 2030, com os ODS e suas metas. Em 2023, o PNR 2023.

Partindo do mesmo relatório, quais as áreas que não estão a ser contempladas adequadamente e/ou quais as maiores falhas que impedem de se ir ao encontro da aspiração de “Não deixar ninguém para trás”?

Apesar de 54% dos indicadores que medem o progresso dos ODS prioritários, definidos no RVN 2017 (ODS 4, 5, 9, 10, 13 e 14), registarem uma evolução positiva, 14% apresentam uma evolução negativa. O ODS 9 é o que apresenta um pior desempenho com 38% das metas com uma evolução em sentido contrário ao desejável, registando os ODS 5, 12 e 14 uma escassez de dados para a generalidade das metas estabelecidas.

Existe, ainda, um caminho a percorrer na utilização da Agenda 2030, como referencial principal para a coerência e convergência das políticas públicas com o desenvolvimento sustentável. Acresce que a maioria dos instrumentos de política pública atuais continua sem referir de forma expressa os ODS e a Agenda 2030.

Não obstante, conseguimos um levantamento de informação muito mais alargado, face a 2017, uma vez que o Instituto Nacional de Estatística está a monitorizar muitos mais indicadores para esta edição do relatório, tendo já uma cobertura em torno dos 70% de indicadores e de metas. Portanto, representa uma realidade muito mais sólida, sem prejuízo de termos aprendido que alguns dos indicadores precisam de algum trabalho para melhor expressar verdadeiramente aquilo que é a situação do país.

Adicionalmente, permanecem desafios sistémicos na análise de cedências e compromissos entre ODS (trade-offs), efeitos colaterais ou externalizações positivas e negativas (spillovers) e benefícios recíprocos (co-benefits), dificultando uma perspetiva transversal e holística ao longo do ciclo das políticas públicas.

Que tipo de mecanismos tem o governo pensados para integrar e implementar os ODS nas suas políticas públicas, bem como em termos de parcerias com o sector privado?

Tendo em vista o reforço do compromisso de implementação da Agenda 2030, o Governo português adotou um novo mecanismo de coordenação interinstitucional. Com efeito, foi reposicionada no centro do Governo, na Presidência do Conselho de Ministros, sem prejuízo da coordenação necessária, no plano externo, pela área governativa dos negócios estrangeiros.

Acresce, como referido, a criação da Comissão de Acompanhamento, responsável por monitorizar e avaliar a implementação dos ODS, como plataforma permanente de diálogo, de consulta e de validação de processos e iniciativas, assim como o também mencionado Roteiro Nacional para o Desenvolvimento Sustentável 2030, que terá de atender às diferentes dimensões do processo de implementação da Agenda 2030, em Portugal, através de uma análise relativamente ao estado atual e definindo as ações para um desenvolvimento faseado até 2030.

Prevê-se, ainda, monitorizar e avaliar o progresso de Portugal face aos ODS considerando os pressupostos metodológicos a montante e respeitando o caráter multinível da implementação e aumentar os níveis de apropriação e conhecimento público da Agenda 2030. Daqui resulta a importância de assegurar a coerência entre políticas, para a qual é fundamental a cooperação e coordenação entre áreas governativas, sendo um exemplo de resposta nacional a recente criação do entro de Competências de Planeamento, de Políticas e de Prospetiva da Administração Pública (PlanAPP); o alinhamento dos principais instrumentos de planeamento e políticas públicas, designadamente a Estratégia Portugal 2030, as Grandes Opções, o PNR ou o Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), com os ODS; e a avaliação de impacto legislativo com novos módulos dedicados ao impacto social e ambiental.

Ainda de acordo com o relatório acima mencionado, Portugal tem-se saído bem no que respeita ao Objectivo 7 – Energias Renováveis e Acessíveis, com um dos pilares do PRR a assentar exactamente na transição energética. Que políticas de intersecção existem para ir ao encontro deste Objectivo e os fundos europeus destinados a este pilar em concreto?

A transição energética está no centro das políticas públicas nacionais, tendo o atual contexto de crise energética, a nível global, acentuado a pertinência de algumas metas previstas neste ODS. A avaliação dos indicadores do ODS 7 é positiva, sendo de destacar as metas alcançadas em matéria energética, como são os 100% da população com acesso a eletricidade e os 95% com acesso primário a combustíveis e tecnologias limpas. Igualmente positiva, é a evolução da proporção de energia renovável no consumo final de energia que tem vindo sistematicamente a melhorar desde 2015. Portugal está também mais eficiente a nível energético, refletindo-se na diminuição da intensidade energética da economia.

Um elemento importante da estratégia de Portugal para assegurar uma política energética inclusiva baseia-se em incentivos para a eficiência energética e conforto térmico do setor residencial e dos edifícios públicos, com políticas dedicadas aos mais vulneráveis, designadamente a Estratégia de Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios, o Programa de Eficiência de Recursos na Administração Pública para o período até 2030 e a Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética 2023-2050.

Adicionalmente, a criação e adoção da nova Lei de Bases do Clima, em 2021, reflete a visão e as intenções no que se refere aos objetivos de promoção do aproveitamento das energias de fonte renovável e a sua integração no sistema energético nacional, o melhoramento da eficiência energética e dos recursos, bem como o combate à pobreza energética.

Importa destacar também o Roteiro para a Neutralidade Carbónica (RNC) 2050 (2019) que estabelece de forma sustentada o desígnio de concretização da transição energética o objetivo de atingir a neutralidade carbónica até 2050, tendo em vista o aumento significativo da eficiência energética em todos os setores da economia, apostando na incorporação de fontes de energia renováveis endógenas nos consumos finais de energia, promovendo a eletrificação e ajustando o papel do gás natural no sistema energético nacional e o Plano Nacional de Energia e Clima 2012-2030 (PNEC), o principal instrumento de política energética e climática para a década. 

O PRR, enquadrado pelo Mecanismo de Recuperação e Resiliência, visa responder aos desafios provocados pela pandemia, integrado em três dimensões (Resiliência, Transição Climática e Transição Digital), que se materializam num conjunto de reformas (37) e investimentos (83) organizadas em componentes (20). O valor total dos fundos previstos no PRR, até 2026, é 16,6 mil milhões EUR (subvenções e empréstimos).

Um dos pilares do PRR é precisamente relativo à transição e o PNEC, em parte concretizado por via do PRR (Componente11 – Descarbonização da Indústria, com especial enfoque para a iniciativa “Roteiros para a Descarbonização”), contou com um incentivo total de quase 9,8 milhões de euros aplicados e concorre para a promoção da descarbonização da indústria através da eletrificação, da incorporação de energia de fonte renovável e de combustíveis alternativos e para a promoção da eficiência energética e de recursos através de tecnologias eficientes.

Já o PNR procede à identificação das reformas e investimentos do PRR mais relevantes para os ODS, apresentando-se, em anexo ao referido Programa, a tabela completa desse alinhamento, discriminando-se por componente, as reformas (num total de 13) e os investimentos (num total de 30).

Para além do PRR e do MRR, os instrumentos de financiamento com maior impacto na Agenda 2030, têm como principal fonte os Fundos Europeus Estruturais e de Investimento e o Fundo Ambiental, encontrando-se o Portugal 2030 e o PRR alinhados com os 17 ODS. Contudo, existem ainda lacunas no que respeita à quantificação dos recursos financeiros alocados aos ODS.

Com as tentativas consecutivas e fracassadas no que respeita ao Objectivo 13 – Acção Climática – e sendo Portugal um país vulnerável aos efeitos adversos das alterações climáticas, o que tem feito o Governo – e que planos tem para o futuro próximo –  para minimizar os seus danos?

Portugal encontra-se particularmente exposto a fenómenos relacionados com as alterações climáticas, como a subida do nível do mar, significativas ondas de calor ou fenómenos de seca severa, o que explica ter este sido indicado, em 2017, como um dos ODS prioritários para Portugal.

Para 2020, o Programa Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC) definiu uma trajetória de redução das emissões nacionais de gases do efeito de estufa (GEE) de forma a alcançar uma meta de redução de -18% a -23% em 2020 em relação a 2005, garantindo o cumprimento dos compromissos nacionais de mitigação e colocando Portugal em linha com os objetivos europeus e internacionais.. O ano de 2021 constitui o primeiro ano de um novo ciclo de reporte associado a novos compromissos de redução das emissões a nível da União Europeia e dos Estados-Membros para o período 2021-2030.

As emissões de GEE relativas ao ano de 2021, sem contabilização das emissões decorrentes de uso do solo, alteração do uso do solo e florestas (Land Use, Land-Use Change and Forestry – LULUCF), foram estimadas em cerca de 56,5 Mt CO2e, representando um decréscimo de 5,1% face a 1990, e de 34,8% e 2,8% relativamente a 2005 e 2020, respetivamente.

Considerando o setor LULUCF, o total de emissões relativas a 2021 foi estimado em 50,5 Mt CO2e, correspondendo a uma diminuição de 24,3% em relação a 1990, uma redução de 44,0% e de 5,5% face a 2005 e 2020, respetivamente.

Após a forte desaceleração económica verificada em 2020 devido à pandemia, o PIB registou em 2021 uma variação positiva de 5,5%. Este crescimento foi acompanhado por um decréscimo das emissões, acentuando a dissociação entre riqueza produzida e o nível de emissões.

Por fim, importa notar que no âmbito deste ODS os indicadores utilizados para o monitorizar não apresentarem uma desagregação geográfica superior ao âmbito nacional (sem dados para as NUTS II), o que impossibilita uma apreciação global da realidade destes indicadores nas regiões autónomas.

Para a boa prossecução dos objetivos deste ODS deve ser garantido que todas as partes interessadas assegurem a implementação dos compromissos na redução das emissões de GEE, o aumento das energias renováveis, a melhoria da eficiência energética e o reforço da capacidade das interligações energéticas. Portugal é signatário de diversos instrumentos internacionais que têm especial enfoque no combate às alterações climáticas e aos seus efeitos adversos, onde conjuntamente com outros Estados se comprometeu a adotar políticas e a tomar as medidas necessárias para a mitigação dessas alterações. Uma das medidas mais emblemáticas e impactantes decorreu do Acordo de Paris, onde a UE se comprometeu a reduzir as emissões de GEE em 55% até 2030, face aos níveis de 1990, e a atingir a neutralidade carbónica até 2050. 

A Lei de Bases do Clima, aprovada em 2021, reflete a visão e as intenções no que se refere aos objetivos de transição climática em Portugal. A este nível, o RNC 2050 e o PNEC 2030 são os principais documentos estratégicos e enquadradores da política do país neste domínio, sendo este último o principal instrumento de política energética e climática para a década 2021-2030

Não obstante ter assumido como objetivo a neutralidade carbónica até 2050, tem sido ponderada e estudada em Portugal a antecipação desta meta para 2045, o que manifesta uma boa tendência do país neste indicador.

Primeiro foi a pandemia da COVID, depois a guerra na Ucrânia, a subida da inflação, a crise económica, o aumento dos eventos climáticos extremos. Ao longo dos três últimos anos e pese embora o facto de os ODS já estarem anteriormente muito aquém do que seria desejável para atingir pelo menos alguns dos seus objectivos, é possível afirmar que o mundo esteve e está demasiado preocupado com questões de curto prazo, esquecendo porém que faltam menos de sete anos para o término destes objectivos. Considera, honestamente, ser ainda possível recuperar o tempo perdido, havendo para isso alguma estratégia em particular ou 2030 chegará e, tal como aconteceu com os ODM, os progressos serão mínimos, com alguns dos Objectivos a sofrerem até retrocessos, como o da erradicação da pobreza e da fome, por exemplo?

Face aos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, que haviam guiado a agenda do desenvolvimento internacional entre 2000 e 2015, a Agenda 2030 das Nações Unidas constitui um plano de ação universal centrado nas Pessoas, no Planeta, na Prosperidade, na Paz e nas Parcerias. Os 17 ODS e as respetivas metas, a ser implementados por todos os países – e não apenas os países em desenvolvimento – apresentam um caráter integrado, abrangente e indivisível, conjugando as dimensões económica, social e ambiental do desenvolvimento sustentável. É este o poder da Agenda 2030, diversamente dos Objetivos do Milénio.

Com efeito, em 2023, os desafios para garantir o cumprimento integral da Agenda 2030 e dos 17 ODS são variados e exigentes. O relatório nessa medida, aponta alguns caminhos e centra-se naquilo que são os nossos planos para a segunda metade deste ano. Estamos a preparar um documento de estratégia e de aceleração da Agenda e até de revisão e adaptação também de alguns indicadores a uma monitorização mais adequada, mais fina e mais permanente da evolução, da implementação de políticas públicas, mas também do impacto daquilo que são as estratégias do setor privado no sentido de acelerar a Agenda.

Vamos continuar a fazê-lo anualmente no quadro da Cimeira do Futuro, no quadro depois da Cimeira Social Mundial, respetivamente em 2024 e em 2025, o que constituirá um caminho plurianual de atuação e momentos próprios de apresentação no quadro das Nações Unidas, dos nossos progressos. Não obstante, a centralidade não estará no relatório, pelo contrário, será o Roteiro Nacional para a Sustentabilidade 2030 que preparemos mais no fim do ano e sobre o qual poderemos avançar mais detalhes no Dia Nacional da Sustentabilidade, aprovado recentemente através de Resolução do Conselho de Ministros, o dia 25 de setembro, que foi o dia em que a Agenda 2030 foi adotada nas Nações Unidas.

Estou, também, convencido de que os setores mais dinâmicos da sociedade civil perceberam a importância da agenda bem antes do setor público. Essa é, aliás, uma das forças do relatório que Portugal vai apresentar: o trabalho dos municípios e das freguesias, em particular dos municípios que com a plataforma ODSlocal e com outras iniciativas de grande fôlego, como a criação de uma secção de ODS na Associação Nacional de Municípios Portugueses, com a qual tivemos uma colaboração estreita na elaboração do relatório. 

Esta análise colocou em evidência a forma como a sociedade civil aborda a sua participação e o seu dever de contribuir para a implementação da Agenda que é ainda relativamente assimétrica. Nas empresas constatámos que os setores mais dinâmicos continuam a acompanhar aquilo que foi a dinâmica inicial, mas que fora do contexto das grandes empresas, e muito em particular das multinacionais, a importância da sustentabilidade e da Agenda 2030 ainda não está incorporada nas estratégias do setor empresarial, muito em particular, nas pequenas e médias empresas. O que no tecido económico como o português, particularmente caracterizado por pequenas e médias empresas, significa ainda um desafio importante para a segunda metade do ciclo.

Verificámos que existem vários ritmos na sociedade civil de implementação, incluindo o setor das organizações não governamentais, incentivando o Governo a fazer mais e eu considero que um dos desafios, uma das lições aprendidas, prende-se com o modo como construímos ferramentas permanentes de envolvimento das partes interessadas relevantes, de modo a gerar maior capacitação e apropriação da Agenda 2030 sobre todos os agentes públicos e privados que têm responsabilidade na sua implementação. 

Considero também que no setor público a dinâmica é crescente e que esse elã não se vai perder, muito pelo contrário, este novo modelo de governação até o potencia.

Não temos, todavia, ilusões. Apesar de fazermos a nossa parte, a nível nacional, a prossecução da Agenda 2030 carece do cumprimento de todos os países. Nesse sentido, no plano externo e de cooperação, Portugal manterá o apoio à Agenda 2030 e ao seu caráter universal e inclusivo tem sido uma constante da política externa portuguesa, em particular, na participação em fora internacionais que contribuem para as diferentes dimensões do desenvolvimento sustentável (social, económica e ambiental). Os compromissos ambiciosos assumidos por Portugal nas várias Conferências das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, o papel ativo enquanto «País Campeão» do Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e Regular e o empenho político na realização da II Conferência dos Oceanos das Nações Unidas são exemplos do compromisso nacional com a implementação da Agenda 2030 e dos ODS.

A Estratégia da Cooperação Portuguesa 2030 (ECP 2030), adotada em dezembro de 2022, contribui para a prossecução de três compromissos-chave a nível internacional: a Agenda 2030, e, para além desta, a Agenda de Ação de Adis Abeba sobre o financiamento para o desenvolvimento e o Acordo de Paris. Para tal, a ECP 2030 define como prioritárias (i) a Cooperação para o Desenvolvimento, (ii) a Educação para o Desenvolvimento e (iii) a Ação Humanitária e de Emergência. 

A Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) portuguesa tem vindo a assinalar uma tendência crescente desde 2018. O ano de 2022 registou uma subida de 17,5%, em termos reais, face a 2021, o que constitui o maior aumento desde 2010. Em 2022, o volume global da APD atingiu o valor mais elevado desde 2010 em referência, o que permitiu também contribuir para as necessidades da Ucrânia em termos de ajuda humanitária, no quadro da conjugação de esforços no âmbito multilateral, com enfoque na UE, sem afetar negativamente os fluxos com os tradicionais países parceiros da Cooperação Portuguesa, bem patente com o reforço que igualmente se registou nos números da cooperação bilateral com os nossos parceiros africanos. Portugal tem vindo a aumentar gradualmente a percentagem da sua APD bilateral desligada pela redução progressiva das linhas de crédito ligadas e aumento do peso da componente de subvenções.

A Cooperação Portuguesa traduz, no plano externo, os princípios e dimensões transversais, com destaque para o princípio de «não deixar ninguém para trás», refletido na centralidade atribuída aos Países Menos Avançados, Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, países em situação de fragilidade e países em processo de graduação. 

Portugal permanece, como em 2015, pronto para colaborar ativamente, com todos os atores nacionais e internacionais, para atingir os objetivos ambiciosos a que nos predispusemos e que hoje, face às recentes crises, se demonstram mais atuais do que nunca. Temos de agir depressa. Só não deixando ninguém para trás, através do nosso exemplo, poderemos prosseguir a Agenda 2030 nos sete anos que temos à frente.

Editora Executiva