Para compreender o que as próximas cinco décadas podem reservar aos trabalhadores, o Boston Consuting Group entrevistou, através de painéis de discussão e inquéritos de opinião, 150 “futuristas”. Ao contrário dos receios populares de que o futuro oferecerá menos oportunidades de trabalho às pessoas, a maioria dos especialistas prevê que as opções de trabalho gratificantes serão abundantes e que indivíduos, organizações e comunidades que desenvolvam novas competências irão florescer. Isto no melhor dos cenários, é claro
POR HELENA OLIVEIRA
Setores económicos como as indústrias regenerativas e áreas que exigem uma forte criatividade oferecerão novos caminhos para a sustentabilidade e a satisfação pessoal. Esta é uma das conclusões da análise do Boston Consulting Group às respostas de 150 futuristas que antevêem um futuro bem menos problemático do que as visões catastróficas a que estamos a começar a ficar habituados.
Se tudo correr bem, as organizações do sector público e os seus parceiros do sector privado estarão idealmente posicionados para maximizar a eficácia das contribuições humanas para a prosperidade ao longo dos próximos 50 anos.
Todavia, para que os líderes possam criar políticas de emprego e estratégias empresariais para apoiar a criação de emprego a longo prazo devem respeitar vários limites – um termo frequentemente utilizado em discussões sobre o futuro – que enquadram uma economia futura bem-sucedida. Permanecer dentro destes limites, abaixo descritos, manterá as comunidades num ambiente de criação de emprego próspero:
Limite Planetário
Esta fronteira define a saúde ambiental que sustenta a humanidade e que a permite prosperar. A economia actual viola esta fronteira com elevadas emissões de carbono e processos de fabrico insustentáveis, e a situação poderá piorar. O cenário em que nós, seres humanos, ultrapassamos esta fronteira com demasiada frequência — ou a ultrapassamos a tal ponto que chegamos a um ponto sem retorno — poderá, como sabemos, causar danos críticos ao planeta.
Fronteira Tecnológica
Com a IA a evoluir a um ritmo frenético, poderá ser difícil definir a linha em constante mudança entre a utilização segura ou perigosa da tecnologia. Se a humanidade perder o controlo dos seus activos tecnológicos – incluindo a robótica, a geoengenharia e as biotecnologias – ou os utilizar indevidamente, corre o risco de avançar para um cenário onde os danos causados poderão tornar-se irreversíveis.
Pilar Social. O mundo do futuro deverá fornecer recursos e condições vitais suficientes – água, alimentos, abrigo e paz – para satisfazer as necessidades básicas da humanidade. Se o fornecimento inadequado destes elementos enfraquecer a base económica e infraestrutural da sociedade, a estabilidade mundial também enfraquecerá.
Limite Sociocognitivo. Quando a verdade, a confiança, a expressão criativa e outros elementos essenciais sustentam a nossa saúde mental colectiva, podemos tomar decisões bem informadas sobre o nosso futuro colectivo. Notícias falsas, desinformação e tendências semelhantes empurram a humanidade para além desta fronteira, destruindo a coesão social e impedindo a colaboração em grande escala.
Como afirma o relatório da BCG, o futuro poderá sustentar modelos económicos promissores que prosperem dentro destas fronteiras, mas os líderes deverão abordar os principais componentes de tais modelos. A consultora identifica igualmente cinco elementos cruciais para a sua compreensão.
As economias precisam de se tornar circulares e amigas da natureza para cumprirem os limites planetários
A transição energética é um exemplo de grande visibilidade de um esforço global válido, ainda que incipiente, para alcançar um impacto climático positivo, equilibrando simultaneamente a sustentabilidade e a fiabilidade. A mudança para processos amigos da natureza também é importante. De acordo com uma investigação publicada pela ONU em 2021, investir 1% do PIB global em soluções baseadas na natureza permitiria à humanidade enfrentar melhor as crises relacionadas com o clima, a biodiversidade e a degradação dos solos.
A sociedade pode reduzir os riscos associados à adopção generalizada de uma tecnologia específica, escolhendo modelos de produção e distribuição mais pequenos e seguros
Há uma resposta surpreendente para os problemas atuais da cadeia de abastecimento e para as pegadas de carbono excessivamente grandes: um modelo de produção do tipo “faça você mesmo” (DIY, na sigla em inglês). Nesse modelo, uma empresa pode vender projetos digitais para impressão 3D e montagem de produtos DIY, mas deixar que os próprios utilizadores finais construam o produto – em vez de fornecer máquinas, componentes electrónicos, móveis e roupas totalmente produzidos. Os resultados apontam para a diminuição do impacto ambiental e para cadeias de abastecimento mais flexíveis.
A sociedade deve assentar numa base social positiva que dê prioridade à prosperidade colectiva
A inovação é fundamental para garantir o tratamento adequado de necessidades simples, como alimentos e água. Uma forma de alcançar a segurança alimentar é eliminar as perdas alimentares evitáveis que, segundo a ONU, equivalem a 30% de todos os alimentos produzidos. Projetos como o ZeroW, uma iniciativa europeia dedicada a alcançar a sustentabilidade com desperdício zero, incentivam as empresas a adoptar conceitos como estufas sem resíduos e embalagens inteligentes para produzir alimentos de forma rentável, permitindo ao mesmo tempo o florescimento de populações inteiras.
Uma base social forte também requer conexões humanas, amor e apoio
O Grant Study, um estudo de longa data da Universidade de Harvard que acompanha crianças até à idade adulta, descobriu que as boas relações pessoais exercem uma influência crítica na felicidade humana e na saúde física. A falta de harmonia é prejudicial para o indivíduo e, à escala, tem custos gigantescos. O relatório do Índice de Paz Global 2023 publicado pelo Institute for Peace & Economics sugere que o impacto da violência na economia global em 2022 ascendeu a 17,5 biliões de dólares, ou 13% do PIB global. Lutar pela paz é fundamental. A pacificação liderada pelas empresas – como os recentes compromissos empresariais para reduzir a corrupção – pode servir como uma forma extremamente eficiente de impulsionar o florescimento colectivo.
A saúde mental – e a sua componente principal, a criatividade – deve ser uma prioridade sociocognitiva
Eliminar a desinformação é uma missão urgente em todo o mundo. Mas vários estudos de agências como os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA sugerem que a expressão artística e o artesanato também podem ter um impacto favorável significativo na saúde mental. Um sector económico criativo oferecerá às pessoas formas de se expressarem, comunicarem sentimentos e se conectarem umas com as outras. Por exemplo, os moradores das cidades podem passar as tardes de sábado a criar música ou arte em ambientes comunitários, em vez de fazer compras. Quando dimensionados, os benefícios de um tal sector, incluindo uma maior interconectividade e comunicação, estendem-se a toda a economia urbana e para além dela.
Os sectores mais promissores da economia futura
A BCG afirma que se os líderes construírem modelos económicos baseados nestas prioridades, poderá surgir no futuro a longo prazo uma série de sectores com um potencial significativo de criação de emprego. Vejamos alguns deles.
Economia Baseada no Cuidado
As ligações entre humanos tornar-se-ão uma das mais importantes prioridades de criação de valor de uma economia construída sobre a prosperidade colectiva. Esta incluirá cuidados tradicionais para idosos, crianças e jovens e vários grupos sociais desfavorecidos, juntamente com novas formas de cuidar como a gestão holística da saúde comunitária e o apoio à saúde mental. A investigação do BCG concluiu que uma economia baseada no cuidado tem um dos maiores potenciais de criação de emprego entre os vários sectores emergentes.
Indústrias regenerativas e infraestrutura
A implantação de materiais baseados na natureza e processos circulares na construção e no fabrico pode substituir os não renováveis e lineares. As áreas promissoras para abordagens regenerativas incluem infraestruturas urbanas circulares, que utilizam soluções baseadas na natureza e materiais reutilizados na construção. Os trabalhadores podem aderir às indústrias regenerativas – incluindo às que são dedicadas à energia alternativa – para substituir os processos industriais por métodos sustentáveis.
Segurança Holística
Em vez de se concentrar num risco de cada vez, uma abordagem holística à segurança aborda um conjunto de riscos de forma sistemática e antecipada. Por exemplo, uma estratégia de segurança holística para uma empresa da cadeia de abastecimento global pode responder simultaneamente às preocupações de segurança cibernética (especialmente as relacionadas com a Internet das Coisas), à segurança cognitiva (proteger os trabalhadores da desinformação sobre eventos políticos) e à segurança climática. Dado que a gama de ameaças à segurança está em constante mudança, a segurança holística tornar-se-á um dos principais sectores de criação de emprego, oferecendo muitas oportunidades para trabalhadores empenhados que compreendam um ambiente de risco complexo e desenvolvam as competências necessárias para gerir esses mesmos riscos.
Agricultura Regenerativa, Pesca e Silvicultura
Estes sectores utilizam formas de produção de alimentos e materiais naturais que melhoram a natureza. A agricultura regenerativa exige mais mão-de-obra do que a agricultura industrial, exigindo maior atenção e cuidado humano. Os empregos serão abundantes na agricultura orgânica rural e urbana, nas explorações aquáticas regenerativas e na requalificação da infraestrutura urbana.
Trocas de conhecimento localizadas
Trabalhadores de diferentes organizações formarão equipas e colaborarão nos esforços para dar sentido ao ambiente que os rodeia, partilhando objectivos e práticas, participando em ecossistemas de aprendizagem locais e comprometendo-se com a aprendizagem ao longo da vida. Embora a concorrência continue a ser um aspecto fundamental da economia mundial, já está em curso um movimento no sentido da partilha localizada de conhecimento. Por exemplo, redes de comunidades agrícolas regenerativas, como a Herenboeren, dos Países Baixos, e o empreendimento americano-canadiano Regenerate Cascadia, criaram centros comunitários para coordenar atividades empresariais e trocar informações sobre as melhores práticas. A criação de conhecimento localizado exigirá a introdução de muitas novas funções para complementar os canais tradicionais de partilha de conhecimento, como os meios de comunicação social, a I&D industrial e a educação.
Prosumerismo
A produção e o consumo estarão ligados em muitas comunidades sob a forma de consumidores que produzem bens que utilizarão ou venderão. Em algumas cidades do futuro, os sistemas de produção de menor escala, operados e supervisionados pelos residentes, responderão às necessidades específicas de outros residentes locais. Esses sistemas de produção menores fornecerão produtos personalizados, incluindo componentes electrónicos, telemóveis, equipamentos médicos, móveis, vestuário e bicicletas elétricas. Os trabalhadores versados em tecnologias como a IA e impressão 3D encontrarão muitas oportunidades para contribuir.
Entretenimento Participativo e Arte
Vários sectores lúdicos que combinam entretenimento, aprendizagem, cuidados e arte serão cada vez mais importantes para as comunidades futuras. O resultado mais benéfico destas atividades será o tempo que as pessoas passarão juntas partilhando novas experiências, mas também surgirão muitos novos empregos. Muitas formas de entretenimento, incluindo desportos eletrónicos, decorrerão no metaverso, o que proporcionará um cenário quase ilimitado para funções emergentes à medida que a tecnologia evolui.
E que competências serão mais importantes?
Para aproveitar ao máximo as oportunidades que se tornam disponíveis nestes setores e em indústrias transformadas, como os transportes, a energia e os cuidados de saúde, os líderes devem cultivar um conjunto de competências e mentalidades favoráveis ao futuro nas suas organizações. De acordo com o BCG, estas serão as capacidades mais procuradas:
À medida que a economia global avança no século XXI, as pessoas irão aperfeiçoar algumas competências que já possuem e desenvolver outras inteiramente novas. A gama de competências relevantes é ampla, mas inclui várias de especial importância:
- Competências “existenciais”, mentalidades e hábitos.
Lidar com as mudanças mais amplas do mundo exigirá atenção plena, autorregulação física e emocional, adaptabilidade e crescimento, determinação e optimismo. Estas competências são universalmente aplicáveis a vários contextos da vida, incluindo aos ambientes profissionais.
- Competências biónicas
Um elevado nível de conforto no comando de tecnologias como a IA e a robótica será fundamental. As pessoas irão desejar desenvolver a sua literacia tecnológica, a tomada de decisões baseada em dados, a criatividade melhorada pela IA e a colaboração homem-máquina. Os trabalhadores também precisarão de se sentir confortáveis ao se movimentarem pelo metaverso e em outras configurações de realidade virtual.
- Criatividade
Embora a IA represente hoje um desafio para alguns empregos criativos, a criatividade humana será crucial à medida que as pessoas abordarem problemas futuros e contribuírem positivamente para as suas comunidades e organizações. Uma série de competências tornar-se-á mais valiosa nos próximos 50 anos. Estas incluem a curiosidade, a imaginação, a capacidade de resolver problemas de forma não convencional, o talento para contar histórias e competências no que respeita a diversas formas de expressão, como artes, vídeo e texto.
- Competências de humano para humano, focadas na equipa e na comunidade
O sucesso de um indivíduo depende não apenas da interacção eficaz com as outras pessoas, mas também da capacidade de participar produtivamente em equipas, comunidades e organizações. As organizações desejarão aproveitar a inteligência e a sabedoria institucional dos seus funcionários para a resolução colectiva de problemas. As competências mais relevantes incluem a comunicação, a inteligência emocional, a empatia, a capacidade de trabalhar com outras pessoas que trazem perspectivas e origens culturais diversificadas para o local de trabalho, a par de competências em facilitação e cocriação.
De acordo com a investigação do BCG, as competências biónicas e a criatividade serão muito procuradas nos próximos 50 anos. Mas para complementar estas competências, os trabalhadores devem também cultivar a adaptabilidade e a capacidade de tomar iniciativa.
Por seu turno, uma mentalidade empreendedora será extremamente importante para reconstruir as economias e criar novas oportunidades de emprego. Embora nem todos estejam preparados para uma carreira de empreendedorismo avançado, muitas pessoas poderão estabelecer-se em empregos independentes remunerados e organizar negócios de pequena escala.
FONTE: The next 50 years of work
Imagem: ©Drew Beamer/Unsplash
Editora Executiva