Pessoas que estão a “navegar o desafio” de uma liderança mais participativa. Este foi o principal critério utilizado pela revista Fortune para eleger aqueles que fazem parte da sua World’s Greatest Leaders List de 2018. Novos modelos de poder, novas formas de gerar influência e um novo tipo de “comando” possibilitado pela era digital são algumas das conclusões que se retiram do ranking dos 50 eleitos este ano
POR
HELENA OLIVEIRA

A Fortune’s World’s Greatest Leaders List tem vindo a alterar, e desde a sua primeira edição em 2014, os critérios que utiliza para percepcionar a liderança e, por inerência, o próprio poder. Na sua 5ª edição, publicada em finais de Abril, foram as competências excepcionais – entre outras novidades – de quem luta pela justiça social que mais se destacaram num ranking que elege líderes eficazes e influentes.

E, ao contrário do que estamos habituados a associar quando se fala em liderança, os CEOs e os políticos estão, crescentemente, sub-representados. Pelo menos os “do costume”, relativamente às grandes figuras do mundo dos negócios e que geralmente têm um lugar cativo nestas listas, apesar de vários continuarem a nela constar e, em particular, os líderes políticos, cuja presença é diminuta este ano. Mas, e antes de passarmos à principal novidade do ranking de 2018, umas linhas para os líderes empresariais e políticos que conseguiram ocupar um lugar entre os 50 mais influentes eleitos pela Fortune.

Falando dos executivos de topo, destaque para o 5º lugar ocupado por Keneth Frazier, o CEO da Merck, que não só foi o primeiro conselheiro de Donald Trump a ter coragem para abandonar o seu cargo devido à débil resposta do presidente face a uma manifestação nacionalista branca, como a liderar progressos significativos contra vários tipos de cancro na farmacêutica que lidera. Ainda no top 10, só mais um CEO marcou presença, sendo Larry Fink a ocupar 8ª posição. Líder da maior firma de gestão de activos do mundo, a BlackRock, que cada vez mais é fiel à filosofia que define a sua estratégia – a de que os accionistas perderão a longo prazo caso ignorem as grandes preocupações sociais do presente – e que, entre várias boas causas, está a lutar activamente contra o poderoso lobby das armas nos Estados Unidos, desde o tiroteio que provocou 17 mortos e 14 feridos na escola de Parkland, na Florida. De sublinhar em ambos os casos que estes dois CEOs foram escolhidos, em particular, pelo poder que exercem para além das paredes das suas empresas, e com um estilo de liderança muito mais participativo e centrado também em grandes questões sociais.

Mary Barra, da General Motors (11) e Tim Cook, da Apple (14), são os CEOs que se seguem na lista em termos de destaque, sendo que os demais líderes empresariais de topo que constam no ranking e apesar de terem obtido posições mais modestas, foram também considerados como substancialmente influentes pelos editores da Fortune, seguindo a linha dos critérios mais habituais que se atribui à liderança empresarial.

Já no campo da política, a presença no top 10 de Moon Jae-in, o presidente da Coreia do Sul (4º), – que muito rapidamente implementou reformas para criar uma economia mais justa, aumentando significativamente o salário mínimo, bem como a cobertura dos serviços de saúde do seu país; de Margarethe Vestager -,a temida comissária da Concorrência da União Europeia (7º), conhecida por enfrentar a Apple, a Google e a Amazon e que luta ferozmente para que as actividades empresariais digitais sejam tributadas de uma forma justa e favorável ao crescimento na EU e ainda Liu He, vice-primeiro-ministro da China (10º), que se move muito bem nos círculos internacionais financeiros e é homem de confiança do presidente Xi Jinping

Ainda no que respeita aos políticos, o único líder americano que consta na lista é o Mayor de New Orleans, Mitch Landrieu (28º), escolhido em particular pelo seu empenho em derrubar monumentos que celebravam a Guerra Civil Americana. O que significa que nem um dos eleitos pertence ao círculo político de Washington ou é proveniente do gabinete de Trump. E só esta ausência diz muito sobre o estado e liderança actual dos Estados Unidos.

Adicionalmente e entre novas celebridades como Emmanuel Macron que aparece na 13ª posição – numa espécie de rivalidade com Angela Merkel – está também a pouco conhecida e jovem primeira-ministra da Nova Zelândia Jacinta Ardern (29º) – apostada em avaliar o progresso social, cultural e ambiental do seu país para além do PIB – ou ainda a corajosa Leila de Lima (39), senadora nas Filipinas, que tem vindo a arriscar a vida por ser responsável por um comité que está a investigar centenas de mortes extrajudiciais a mando do psicótico presidente Duterte.

© DR

Os novos líderes sem rosto

A manifestação que juntou mais de 800 mil pessoas só em Washington D.C. e que contagiou largas centenas de outras cidades não só nos Estados Unidos, como no resto do mundo, é provavelmente a maior desde a guerra do Vietname, a qual teve lugar há 40 anos. E isso parece motivo claro para terem sido os Estudantes que, mais do que merecidamente, marcharam para o primeiro lugar do ranking de melhores líderes da edição de 2018 da Fortune, depois de terem marchado pelas suas vidas a 24 de Março último. Tendo como gatilho o tiroteio na escola secundária Marjory Stoneman Douglas (e depois de inúmeras mortes causadas por armas de fogo nas escolas dos Estados Unidos), o movimento anti-armas March for Our Lives é o exemplo de como é possível, com poucos recursos e sem ligação a qualquer organização, mobilizar o mundo inteiro para uma causa e, caso seja bem-sucedido, subverter e derrubar até velhas estruturas de poder tradicional.

Mas este grupo alargado de estudantes anónimos não é o único a ser eleito no ranking da Fortune. O movimento#MeToo que já tinha sido eleito como “Personagem do Ano” de 2017 pela revista Time – ocupa o terceiro lugarda lista e recorda-nos como uma hashtag  se tornou viral e tem ajudado milhares de mulheres (e de homens também) a denunciar casos de assédio sexual e violação, demonstrando que este é um problema universal, não só nos bastidores de Hollywood, como em todos os locais de trabalho. Outro “grupo” a ocupar o 22º lugar da lista e também devido a abusos sexuais, é o denominado As Ginastas e os seus aliados, referindo-se às 156 atletas olímpicas abusadas pelo médico da federação de ginástica dos Estados Unidos Larry Nassar, entretanto condenado a 175 anos de prisão. O mesmo acontece com os Professores de West Virginia que, no final do ano passado se mobilizaram no Facebook em prol de um salário melhor, fazendo greve contra a vontade do seu sindicato e que, ao fim de nove dias, conseguiram dobrar a legislatura do estado que lhes garantiu o primeiro aumento em quatro anos. Estes milhares de professores anónimos ficaram no 31º lugar do ranking da Fortune e são agora os precursores de um movimento de luta a nível nacional.

Citado pelo WashingtonPost e num artigo a propósito do mesmo ranking, o editor da Fortune Alan Murray afirmou que estes grupos de anónimos dizem muito sobre a natureza da liderança moderna. “Vivemos numa era em que os capitães dos negócios e os governos estão a ser tomados por correntes crescentes de sentimentos alimentados pelas redes sociais”. E dá como exemplo – e como boa explicação para os escolhidos deste ano – um livro recentemente publicado e intitulado New Power: How Power Works in Our Hyperconnected World. De acordo com o mesmo, as hierarquias do topo para as bases onde o poder é centralizado nas mãos de uns poucos está a ceder terreno a um “novo poder” que é “das bases para o topo, participativo e conduzido por pares”. Assim, e como defendem os autores do livro, “os líderes que forem melhores a canalizar a energia participativa daqueles que os rodeiam – para o bem, para o mal e para o trivial – são aqueles que serão bem-sucedidos no futuro”. O VER foi espreitar o livro e dá uma ideia das principais roupagens que vestem este denominado “novo poder”.

Novos modelos de influência e a subversão das estruturas de poder tradicionais

© DR

O livro New Power foi escrito em co-autoria por Jeremy Heimans e Henry Timms e resultou de um extenso artigo publicado em Dezembro de 2014 na Harvard Business Review. Heimans é o co-fundador e CEO da Purpose, uma organização sem fins lucrativos especializada em implementar e apoiar movimentos sociais, e Timms é presidente e CEO do também popular 92nd Street Y, um centro comunitário e cultural que cria programas e movimentos que promovem a aprendizagem e o envolvimento cívico.

O conceito de “novo poder” descrito pelos autores assenta no modelo participativo e entre pares daqueles que partilham o controlo para gerar influência, sendo caracterizado por uma transparência radical, uma predisposição que permite às comunidades reinventarem ou co-criarem conteúdo, bem como accionar ideias que as pessoas tomam como suas, não se limitando a consumi-las. O que e de acordo também com os editores e especialistas responsáveis por este ranking e particular, traduz em grande parte a “nova liderança”.

Os “heróis” anónimos que fazem parte da lista deste ano e que lideraram movimentos massivos e poderosos “praticam” este tipo de “novo poder”que se está a estender a diferentes empresas, instituições e geografias. Mas também a face da liderança – e do poder – pode ser substituída por uma só figura, representativa de um determinado grupo: no ranking, o talvez melhor exemplo desta também nova tendência é a escolha, para o 18º lugar, de Ryan Coogler, realizador afro-americano do primeiro filme (desde sempre) que ultrapassou os mil milhões de dólares em bilheteira com um cast predominantemente negro. O filme Black Panther, do universo Marvel, prova também que os habituais heróis (líderes) de Hollywood “já podem” não corresponder às visões e fórmulas tradicionais que regeram o cinema ao longo de tantas décadas.

Mas e por outro lado, e como se escreve num artigo da Stanford Social Innovation Review, a ironia reside no facto de este “novo poder” não ser novo, pois os seus princípios estiveram, por exemplo, na origem do sucesso das sufragistas ou do movimento para os direitos civis. Em cada uma destas causas, comunidades sem dinheiro, posição ou mandatos públicos lideraram mudanças sociais radicais contagiando outros com as suas ideias e convidando-as a utilizar as suas próprias abordagens para ganhar o seu próprio poder e influência.

Claro que para as gerações mais velhas, que cresceram com o poder nas mãos de alguns e inacessível para a vasta maioria dos outros, habituadas a estruturas hierárquicas, discretas e cuidadosamente guardadas – o autores referem-se a elas como “castelos e onde o poder é o seu tesouro – experimentar estas novas formas de liderança apresenta-se como aterrador e arriscado. Todavia e a para as novas gerações que cresceram com as estruturas do novo poder, esta experiência oferece uma forma única de utilizar as plataformas que estão habituados a usar para comunicar com os seus amigos como ferramentas estratégicas que os poderão ajudar a atingir os seus objectivos e a massificar as suas causas.


© Fortune

“Desagregação” é, para a Fortune, um novo imperativo que os líderes devem seguir

O artigo de introdução ao ranking The World’s 50 Greatest Leaders (WGL) começa por afirmar que os bons líderes têm de seguir um novo ditame: saber potenciar o poder do unbundling, (em tradução livre, desagregação/dissociação/divisão). E não é fácil, à primeira vista, descortinar o que significa este termo em termos de liderança.

Dando como exemplo o que, supostamente, Tim Cook (14) e Indira Jaising (20), dois dos líderes identificados no ranking da Fortune, NÃO têm em comum, os editores da revista acabam por explicar o que afinal os une. Tim Cook é, como sabemos, o CEO da Apple, a empresa cotada mais valiosa do mundo e Jaising é uma advogada indiana que co-fundou uma organização não-governamental, a Lawyers Collective, que promove e luta pelos direitos humanos. O traço que os une é o facto de “ambos terem multiplicado a eficácia das suas organizações aproveitando o poder do unbundling.

O significado de “unbundling”, explicam, “é a desagregação de empreendimentos de todos os tipos, desde as mais pequenas startups a nações inteiras”. “Nos negócios pode significar tornar uma empresa mais valiosa ’dividindo-a’”, como a Hewlett-Packard e outras estão a fazer ou “pode traduzir-se em aumentar o seu valor através da delegação de funções outrora consideradas como partes necessárias do todo”. Neste caso, “a decisão da Apple em colocar a sua produção complexa de alta-tecnologia em regime de outsourcing, em conjunto com as gigantescas necessidades de capital que a acompanham, é um excelente exemplo. E tudo graças “às novas tecnologias que torna o unbundling possível e, por vezes, inevitável”, acrescentam ainda.

O que os editores querem também transmitir numa espécie de argumentação para muitos do que fazem parte da lista deste ano está relacionado com a ideia de que, e como escrevem, “ao longo de séculos, a grande dimensão era obrigatória para tornar as empresas, as nações e outros empreendimentos eficazes e eficientes”. O que, na sua visão, já não acontece. O outsourcing e a coordenação do fabrico, da distribuição, da pesquisa e de trabalhadores “não-empregados” tornou-se muito mais fácil e barata na era digital.

Para a Fortune, o exemplo mais extremo desta valiosa peculiaridade do mundo virtual é a chinesa Haier, fabricante de electrodomésticos, que não é propriamente uma empresa, mas mais uma plataforma que convida os empreendedores a tornarem-se um dos milhares de microempresas no interior do seu ecossistema. Se esta ideia parece de loucos, escrevem os editores da Fortune, não é, de todo. Ao utilizar este modelo radicalmente “desagregado”, a Haier tornou-se na maior marca de electrodomésticos do mundo.

Mas e assim, por que motivo não são mais os líderes de negócios a seguir este exemplo? A Fortune questionou o arquitecto deste modelo da Haier, o presidente do conselho de administração Zhang Ruimin (e presente neste ranking em 2014 e 2017), que respondeu: “Porque têm medo de desistir do poder”. E também porque todos os incentivos encorajam, ao invés, a construção de impérios, acrescenta ainda.

“As empresas grandes pagam mais, muito mais”, afirma também à Fortune Kevin Hallock, director do Instituto de Estudos de Compensações da Universidade de Cornell, garantindo que o mesmo acontece com as organizações sem fins lucrativos ou com os sindicatos laborais. Assim, a pergunta passa a ser: por que razão haveria algum líder que quisesse “unbundle”?

Este texto introdutório ao ranking serve, por último, para explicar que a lista deste ano colocou a ênfase nos líderes que estão a experimentar este desafio de uma forma hábil.

E termina da seguinte forma: “Nas empresas, uma solução é avaliar os líderes de acordo com a criação de riqueza e não por causa da dimensão que, de forma convencional, é a medida de avaliação utilizada. Os líderes de organizações movidos por uma missão podem enfrentar menos desincentivos. E é por isso que a pequena ONG de indira Jaising vai muito mais além do que a sua dimensão, na medida em que o seu staff é contratado em regime de outsourcing, tal como as suas infra-estruturas. A internet permite-lhe comunicar de forma alargada, a baixo custo e possibilita o contributo de voluntários em qualquer parte do mundo”.

Para a Fortune, adoptar este mindset poderá ser o que ditará o sucesso ou o fracasso da liderança nos tempos que se avizinham.


Editora Executiva