Século passado: “o que não pode ser medido não pode ser gerido”, defendia William Edwards Deming, estatístico e professor universitário reconhecido; “o que pode ser medido pode ser melhorado”, afirmava o pai da Gestão Peter Drucker. E hoje? Na era do trabalho digital e, cada vez mais, da inteligência artificial, as capacidades dos trabalhadores cresceram exponencialmente no universo laboral, com muitos deles a gozarem de uma flexibilidade jamais vista. Desta forma, e face às diferenças substanciais que agora caracterizam o trabalho, passou a existir a necessidade de reavaliar o que realmente impulsiona a produtividade e qual a melhor forma de a medir. O que não é, de todo, tarefa fácil
POR HELENA OLIVEIRA

Passaram três anos desde o início da pandemia que provocou uma destruição sem paralelo, mas que permitiu também oferecer uma oportunidade única de melhorar o trabalho. Para as dezenas de milhões de pessoas que puderam trabalhar remotamente, a situação permitiu-lhes evitar as longas deslocações e os gastos em almoços, bem como passar mais tempo com as suas famílias e construir um ambiente de trabalho “à sua própria medida”. Com estas mudanças, aumentaram as conversas sobre o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, bem como novas avaliações sobre o que significa a satisfação no trabalho.

Este período de disrupção obrigou também a mudar a forma como o trabalho foi pensado nos últimos 100 anos: uma actividade rigidamente estruturada, em que cada pessoa tinha o seu próprio cartão de ponto e um lugar na linha de montagem. Este modelo mental do trabalho, linear, perseverou ainda ao longo do século XX, onde o conceito ““O que pode ser medido pode ser melhorado”, popularizado pelo pai da Gestão Peter Drucker, continuou também a imperar. 

Mas actualmente, na era do trabalho digital e, cada vez mais, da inteligência artificial (IA), as nossas capacidades cresceram exponencialmente no universo laboral, com muitos trabalhadores a gozarem de uma flexibilidade jamais vista. Desta forma, e face às diferenças substanciais que agora o caracterizam, passou a existir a necessidade de reavaliar o que realmente impulsiona a produtividade e qual a melhor forma de a medir.

O tema está em cima da mesa e um estudo publicado recentemente pela Slack, o qual incluiu um questionário a 18 mil trabalhadores do conhecimento de vários países (líderes, gestores e empregados), concluiu que 71% dos líderes empresariais se encontram numa pressão esmagadora para “espremer” a maior produtividade possível dos seus trabalhadores, tendo em conta todas as mudanças e dificuldades que se fizeram sentir nos últimos anos. 

Como se pode ler na introdução do estudo citado e para uma maior compreensão do estado actual do trabalho, foi realizada uma pesquisa global que explora como as empresas estão a lidar com a produtividade, a flexibilidade e a automação. 

De um modo geral, o estudo concluiu que as empresas mais bem-sucedidas de hoje estão focadas em equipar as suas pessoas com tecnologia que acelere o trabalho e liberte, em simultâneo, o talento, estimulando a criatividade e a colaboração, e que deixaram de utilizar métricas – como o número de horas trabalhadas – para medir a produtividade, apostando antes em outros factores até agora ignorados, como a importância da motivação e o apoio ao bem-estar emocional dos empregados. 

A verdade é que o trabalho mudou para sempre mas são ainda poucas as empresas que estão a tirar o máximo partido do poder de computação, da automação e da inteligência artificial para uma transformação eficiente das tarefas laborais. A título de exemplo, o inquérito feito pela Sack revelou que as empresas que adoptaram a IA no trabalho têm 90% mais de probabilidades de registar uma produtividade elevada, mas apenas 27% estão a investir em IA para gerar este tipo de resultados. 

Desta forma, e num clima económico precário, as empresas, independentemente da sua dimensão, estão a ser forçadas a produzir mais com menos recursos, ao mesmo tempo que são obrigadas a ser criativas para lidar com os novos modelos laborais que entretanto se estabeleceram. 

Do ponto de vista dos trabalhadores não executivos, estes tendem a pensar que as suas chefias desejam que trabalhem mais horas, que respondam de imediato aos emails que se amontoam na caixa de correio, que estejam disponíveis durante os fins-de-semana e que atendam à proliferação de reuniões que constituem igualmente uma consequência pós-pandemia. Por exemplo, os empregados inquiridos afirmam que 42;5% das reuniões a que são obrigados a assistir poderiam ser abolidas sem qualquer consequência. Adicionalmente, 63% dos que adoptaram o modelo híbrido afirmam que se esforçam para manter o seu estado online sempre activo, mesmo que não estejam a trabalhar num determinado momento, com 53% a declararem sentir uma enorme pressão para responder a emails mesmo que estes sejam enviados fora do horário de trabalho e a demonstrar aos colegas que estão efectivamente a trabalhar e que estão a ser são produtivos. 

Os trabalhadores mais produtivos tendem a trabalhar em organizações com uma maior adopção de tecnologia e flexibilidade – no que respeita a quando e onde trabalham – com 60% dos respondentes a sentirem-se 28% mais produtivos face aos seus pares que se confessam pouco produtivos. Para além da logística e das ferramentas tecnológicas, estes trabalhadores consideram que o facto de estarem mais felizes e empenhados – compreendendo de que forma as suas funções se enquadram na missão global da empresa e beneficiando de uma comunicação clara sobre os seus objectivos -, tem um peso considerável na sua produtividade. Tal indica que os líderes devem aproveitar a oportunidade real de ajudarem a sua força laboral a manter-se motivada, independentemente do horário ou do sítio onde exercem a sua actividade.

A verdade é que os factores considerados “intangíveis” têm um peso cada vez maior nesta necessária nova forma de se medir a produtividade. Todavia, o estudo deixa antever também uma cisão crescente entre líderes e equipas sobre como a definir e medir correctamente.

Com base nos dados recolhidos pelo inquérito, a maioria dos executivos continua a defender fortemente métricas de “visibilidade” e de actividade, com 27% a utilizar estes factores como a sua principal medida da produtividade global. Por seu turno, a maioria dos trabalhadores auscultados prefere que a sua produtividade seja medida tendo em conta o que produzem ou o que alcançam, elegendo como principal medida o atingir dos objectivos/KPIs, a qualidade e impacto do seu trabalho, o seu crescimento pessoal e desenvolvimento de competências e outras métricas que podem também incluir dados mensuráveis como as receitas das vendas, o número de unidades produzidas, a quantidade das tarefas concluídas, índices de qualidade e satisfação e retenção de clientes. 

Existe assim matéria para acreditar que a monitorização “top-down” não está a aumentar a produtividade e que, segundo o estudo, não existe nenhuma correlação directa entre a pressão sentida pelos trabalhadores para “fingirem” que estão a trabalhar e quando o estão realmente e os ganhos mensuráveis face ao que é produzido. 

Adicionalmente, determinar a combinação correcta de inputs e outputs é um dos maiores obstáculos que as organizações encontram quando se trata de medir correctamente a produtividade, cada vez mais essencial para navegar em águas económicas turbulentas. Ajudar as suas equipas a manterem a motivação é considerado por 43% dos líderes inquiridos como o seu maior desafio a nível global e tal deve-se ao facto de um em cada três empregados afirmar que se sente desmotivado e 29% declararem que têm dificuldades em manterem o seu foco [v.Caixa]. 

Quem se sente ou não produtivo

A pesquisa da Slack dividiu os respondentes tendo em conta os que se sentem actualmente mais produtivos comparativamente ao período anterior à pandemia e aqueles que não manifestam o mesmo sentimento. O objectivo desta divisão foi identificar os maiores estímulos e barreiras relacionados com a produtividade. 

Assim, aqueles que dizem estar menos produtivos actualmente apontam como causas o facto de existirem reuniões e emails que são completamente desnecessários (70%), não sentirem apoio por parte das chefias, ao mesmo tempo que se dizem desligados dos colegas de trabalho. Adicionalmente, afirmam que não têm acesso a ferramentas e tecnologia eficazes e que têm de lidar com silos de informação e alternar entre aplicações desligadas entre si.

Por seu turno, os que se sentem mais produtivos elegem a flexibilidade no trabalho, a possibilidade de escolher quais as reuniões em que devem estar presentes – o que conduz a sessões com um foco maior -, afirmam poupar tempo com a automação, utilizam ferramentas que permitem a transparência e o acesso a um histórico de conhecimento e usam plataformas que integram num só sítio as ferramentas e tecnologias necessárias para o seu trabalho.

Como alerta o estudo, a componente cultural é igualmente importante. Por exemplo, 57% dos que se consideram um membro valorizado nas equipas que integram asseguram igualmente que se sentem mais produtivos hoje do que antes da pandemia, com 24 pontos percentuais acima dos que não se sentem valorizados. 

Assim, se os líderes pretendem aumentar significativamente a produtividade, têm de encontrar formas de eliminar os obstáculos que se colocam aos seus empregados menos produtivos e de se concentrar no que está a funcionar para os que têm o melhor desempenho. E, para além das métricas empíricas, há um argumento convincente a favor dos aspectos intangíveis.

O que parece ser verdade, e de acordo com os dados retirados do inquérito da Slack, é que o futuro do trabalho exige uma abordagem mais colaborativa entre os líderes e as suas equipas. Como afirma, em comentário, Leslie Perlow, professora de Liderança na Harvard Business School, a comunicação aberta e a experimentação podem capacitar as equipas a encontrar as melhores estratégias para as suas necessidades específicas. “Os líderes e os que a si reportam precisarão de se envolver mais em diálogos e experimentações para descobrirem qual a melhor abordagem que sirva o propósito da organização, estabelecendo igualmente objectivos claros ao mesmo tempo que deixam a execução ao nível das equipas, o que permite que unidades mais pequenas dêem o seu melhor no trabalho”, diz. 

Tudo isto reforça o resultado final, porque aqueles que se sentem mais produtivos agora do que antes da pandemia têm uma maior propensão a ter um maior impacto no trabalho que realizam do que os seus homólogos. Por fim, sentem-se igualmente mais confiantes na sua capacidade para atingir os objectivos (90% versus 75%) e têm mais probabilidades de exceder as expectativas das chefias (36% versus 19%), estatísticas estas que comprovam que é necessário olhar para a produtividade através de uma nova lente adequada aos tempos em que vivemos. 


O necessário alinhamento em torno de objectivos comuns

O trabalho moderno está mais tecnológico, complexo e interdependente do que nunca, o que cria um desafio fundamental para equipas e trabalhadores em todo o mundo: alinhar-se em torno de um conjunto comum de objectivos.

A pesquisa da Slack concluiu que os trabalhadores alinhados são aqueles que se sentem ligados à visão e à estratégia da sua empresa. Munidos desta visão global, abordam o seu trabalho com um objectivo optimista e sentem-se capacitados para agir. Já os trabalhadores não-alinhados, pelo contrário, estão desligados dos objectivos estratégicos da empresa e são mais pessimistas em relação ao seu futuro. É mais provável que trabalhem em silos e se sintam menos capacitados para aproveitar oportunidades que possam surgir.

As organizações podem fomentar o alinhamento dos seus trabalhadores através de uma estratégia clara, da comunicação frequente dessa mesma estratégia e de uma abordagem adequada à sobrecarga de informação. Ou seja, se as pessoas compreenderem de que forma o seu trabalho se enquadra num todo maior, as organizações ficam mais bem preparadas para enfrentar os obstáculos e desafios que surjam no seu caminho.

Na verdade, e de acordo com o estudo em análise, as pessoas anseiam por uma ligação à visão estratégica da sua organização. A compreensão do panorama geral já não é apenas do domínio das altas esferas hierárquicas. No inquérito do estudo foi encontrada uma correlação directa entre a comunicação mensal da estratégia da empresa e o facto de as pessoas classificarem essas mesmas empresas como “excelentes” relativamente a uma longa lista de atributos: progressão na carreira; colaboração; comunicação; utilização eficaz da tecnologia; produtividade; moral; formação; equilíbrio entre a vida profissional e pessoal; cultura e abertura ao feedback.

Por seu turno, sem estarem envolvidos na visão organizacional, são muitos os empregados descontentes que se sentem desligados da estratégia, do propósito e do conjunto de princípios operacionais da sua empresa. São estes os trabalhadores “desalinhados” que, comparativamente aos seus pares alinhados, nunca ou raramente se envolvem na discussão das metas estratégicas da organização em que trabalham. Por outro lado, estes não-alinhados concentram-se menos na inovação, são menos propensos a colaborar fora das suas equipas e apresentam uma baixa moral. 

Tal como referiu a reconhecida economista e directora executiva do Fórum Económico Mundial, Saadia Zahidi, “para prosperarem e competirem no mundo complexo do trabalho da actualidade, as organizações precisam de trabalhadores que estejam ansiosos por colaborar com outros e que manifestem um pensamento estratégico”. Ou e numa frase, precisam de trabalhadores alinhados. 

Fonte: State of Work 2023


Editora Executiva