Foram cinco anos difíceis, a lutar para manterem a cabeça à tona de água e a não se aventurarem em mares turbulentos e desconhecidos. Mas o optimismo voltou a reinar, ainda que timidamente, e os CEOs podem regressar à sua missão original: fazer crescer as empresas que lideram, mas de acordo com novas regras de bom comportamento
POR HELENA OLIVEIRA

Depois de cinco anos a lutar pela sobrevivência das empresas que lideram, o optimismo dos CEOs parece estar em modo crescendo. Com a economia a dar alguns sinais de retoma, mesmo que ainda frágeis, é tempo de olhar para a frente e trocar a sobrevivência pelo crescimento. Esta é uma das principais conclusões retirada da 17ª edição do Annual Global CEO Survey, realizado pela PricewaterhouseCoopers (PwC) e que analisou as respostas de mais de 1300 executivos de topo, em 68 países, pertencentes a uma panóplia variada de sectores.

Num trabalho extremamente completo, o qual pode ser devidamente consultado no website da consultora, três grandes desafios foram destacados para (e pelos) os líderes que têm de demonstrar a capacidade necessária para gerir o seu negócio hoje, ao mesmo tempo que são fortemente aconselhados a criar a “versão” do mesmo para amanhã:

  • Confiança: os CEOs partilham os seus conhecimentos e perspectivas de acordo com as previsões estimadas para a economia global;
  • Transformação: os CEOs partilham o que pensam no que respeita às tendências em transformação para os próximos cinco anos e sobre o que cada uma delas poderá significar para os seus negócios;
  • Propósito: no seguimento das tendências globais que estão a alterar a sociedade como a conhecemos, os líderes entrevistados partilham igualmente o que pensam sobre o novo papel das empresas face a estas alterações.

Com base no conjunto de informações disponibilizadas online e em conjunto com um excelente artigo escrito por Dennis Nally, o presidente o conselho de administração da PwC, o VER partilha com os seus leitores as principais tendências, desafios e oportunidades que se colocam aos líderes que, no actual momento, não têm outra alternativa a não ser a de procurar um alinhamento entre lucro, ética e sustentabilidade.

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Crescimento: real, inclusivo, responsável e duradouro
São seis os desafios globais que, de forma mais premente, estão a redefinir a forma como vivemos e trabalhamos: os avanços tecnológicos, as alterações demográficas, as mudanças económicas globais, a urbanização, a escassez de recursos e as alterações climáticas. Para os CEOs entrevistados, as que mais impacto terão nos seus negócios ao longo dos próximos cinco anos são as três primeiras, as quais, não sendo novas, estão a ter lugar a um ritmo cada vez mais acelerado e “em modo de colisão”, dando origem a um ambiente de negócios completamente diferente. Assim, e apesar de existirem muitas oportunidades de crescimento, três grandes desafios têm de ser considerados seriamente pelos líderes empresariais: aproveitar a tecnologia para criar valor mediante formas inteiramente novas; capitalizar as alterações demográficas para desenvolver a força de trabalho futura e servir os consumidores num novo ambiente económico.

Todas estas tendências têm efeitos de longo alcance, e muitas vezes inter-relacionados, na sociedade. Por exemplo, a migração do poder de compra para os mercados emergentes, em conjunto com a explosão demográfica em alguns países, irá resultar na melhoria das condições de vida de cerca de mil milhões de pessoas mas, e ao mesmo tempo, irá exacerbar o desemprego, as crispações sociais e a escassez de recursos.

O impacto destas tendências está a alterar radicalmente as expectativas que a sociedade tem face às empresas, forçando-as a adoptarem comportamentos de responsabilidade. Na verdade, a palavra-chave que determinará o sucesso futuro chama-se “confiança”, a qual sempre foi crucial como base de qualquer actividade humana, de qualquer transacção e de qualquer mercado.

Apenas 21% dos CEOs citaram a redução da pobreza e a desigualdade como uma prioridade organizacional nos próximos três anos

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Todos estes factores estão a obrigar os CEOs a pensar estrategicamente na adopção genuína de uma ética nos negócios internacional – especificamente na confiabilidade que as suas empresas devem demonstrar face aos demais stakeholders. “Para gerar essa confiança, os CEOs já não estão apenas interessados no crescimento das suas empresas. O que eles pretendem obter é um ‘crescimento bom’: real, inclusivo, responsável e duradouro”, escreve o chairman da PwC.

A falta de confiança e a aposta no curto prazo, não sendo novos, são dois problemas que têm afectado sobremaneira as empresas (e também os políticos, os quais, nos últimos anos, têm gozado de níveis recordistas de desconfiança). Os lapsos comportamentais – para não se usar um termo mais cruel – têm sido norma, em particular desde a década de 80 do século passado, o que afecta significativamente a forma como as pessoas olham para as empresas, a um ponto de tal ordem complexo que acaba por ter efeitos perversos (para as empresas, é claro) nas escolhas feitas pelos consumidores.

Todavia, curiosamente e de acordo com os líderes entrevistados, os níveis de confiança têm vindo a aumentar ao longo dos últimos cinco anos, pelo menos mais do que se têm vindo a deteriorar. De acordo com o Edelman Trust Barometer, em 2014, 58% dos respondentes expressaram a sua confiança face às empresas comparativamente a 50% das pessoas que o fizeram em 2009. Todavia, os níveis de melhoria são ainda muito incipientes para que a ausência de confiança não faça parte das principais preocupações dos líderes: 50% dos inquiridos consideraram-na, no estudo da PwC, como uma das principais ameaças aos seus negócios. Assim, como é possível restaurar esta confiança perdida?

De acordo com o estudo e nas palavras de Dennis Nally, existem três estratégias prioritárias para os CEOs da actualidade. E se o leitor anda a ficar cansado de ouvir a mesma ladainha no que respeita à responsabilidade social – agora mais identificada com o “propósito” -, à ética e à sustentabilidade, a verdade é que estes conceitos, por mais esgotados que pareçam estar, são cada vez mais levados a sério pelas empresas que procuram atingir este crescimento “bom”.

O chairman da PwC elenca as estratégias prioritárias da seguinte forma: 1) as empresas têm de reconhecer o papel protagonizado pelos comportamentos organizacionais “certos” na criação de valor para uma gama mais ampla de stakeholders – sendo que muitas delas estão a medir o impacto destes comportamentos no mundo que os rodeiam (e a admitir os seus benefícios intrínsecos); 2) estas mesmas empresas estão a desenvolver e a articular um propósito corporativo que leva em linha de conta o seu total contributo para a sociedade; 3)e, por último, estas organizações estão a colaborar com os governos para estimular o crescimento que beneficia os cidadãos (uma parceria que deve, contudo, crescer e ser mais eficaz).

Vejamos, em maior pormenor, como é possível colocar em prática estas três estratégias.

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Os novos valores na criação de valor
É habitual pensar-se que a confiança apenas se ganha através da criação de valor de longo prazo. Mas e na verdade, as empresas podem ir tirando proveito de um ciclo virtuoso no qual o aumento de confiança acaba por possibilitar a entrada em mercados maiores e proporcionar uma maior criação de valor. Todavia, este ciclo só tem início quando o negócio inspira uma verdadeira confiança. E o ênfase precisa, neste caso, de ser colocado mais nos valores do que no valor. Como afirma o chairman da PwC, “o caminho para a confiança reside em encarar-se a criação de valor não como uma actividade em si mesma, mas como o resultado de comportamentos que, de forma autêntica, reflictam os valores principais da empresa em causa”.

Um alerta também para o ambiente em constante mudança ao qual os negócios não escapam, fruto também da evolução contínua da própria sociedade, o que significa que as expectativas dos stakeholders são também dinâmicas e crescentemente “reivindicativas”.

Assim, quando se pretende recuperar a confiança que a sociedade deve depositar numa determinada empresa é igualmente necessário perceber o que significa “valor” para essa panóplia variada de stakeholders – algo a que as empresas ainda não estão habituadas. Longe vão os tempos em que apenas se considerava o valor para o accionista, sendo que na actualidade este tem de ser devidamente definido para grupos de consumidores, colaboradores, membros da comunidade local, entre outros. Cada um destes grupos possui uma expectativa diferente no que à empresa diz respeito, a qual está em constante mutação, sendo que cada região ou indústria é diferente, o que significa que diferentes grupos podem ter expectativas distintas. De relembrar ainda o aquário em que se transformou a internet e os media sociais – e onde as empresas são continuamente escrutinadas – sendo que a esmagadora maioria dos CEOs entrevistados está a levar muito a sério as vozes dos stakeholders que ali se fazem ouvir. E a tentar responder ao que ouvem, de uma forma concreta e mensurável.

A identidade organizacional central tem de ser estável, porque está enraizada nas acções diárias da empresa, e flexível o suficiente para se adaptar a alterações que possam surgir nos valores sociais

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Por outro lado, existem motores específicos para aumentar a confiança – que levam em linha de conta o propósito, a visão, a missão e os valores – e que são materializados em práticas de reporting, esforços de sustentabilidade e estruturas de governance – podendo ser analisados de acordo com o efeito que têm no “perfil de confiança” da empresa. Toda esta informação pode ser utilizada para moldar os comportamentos e a cultura da empresa de forma a se atingir os objectivos propostos.

A avaliação do impacto das acções das empresas em diferentes grupos de stakeholders consiste já num “must-have”. No mundo “corporativo desenvolvido”, já ninguém pretende delegar os seus esforços de responsabilidade social corporativa a um só determinado silo. Ao invés, pretendem sim, incorporar as práticas responsáveis nas suas estratégias, o que tem de envolver a análise quantitativa (e o reporte) do impacto total das suas dimensões sociais, ambientais, fiscais e económicas. E, no jargão da responsabilidade social corporativa, existe já uma nova sigla – TIMM (de total impact measurement and management) – que define a abordagem que permite aos líderes pesarem as consequências das decisões de negócio para todos os grupos de stakeholders, analisando os trade-offs que têm de ser feitos de uma forma mais robusta.

Esta análise TIMM permite também comparar acções. Dennis Nally dá um exemplo que ilustra bem de que forma é que analisar a avaliação do impacto pode afectar as decisões, no mundo real. O exemplo é o de uma cervejeira cuja fábrica está sedeada em África e que tem de escolher entre importar cevada ou plantá-la localmente. Ao quantificar os efeitos sociais, ambientais e financeiros para cada uma das opções, a empresa pode concluir que a importação utilizará menos água, mas produzirá mais emissões; por outro lado, se optar pela produção local, utilizará mais água, mas produzirá menos emissões e beneficiará a comunidade local em áreas como o emprego e a saúde. O estudo sublinha também que a utilização de métricas TIMM exige uma mudança significativa nas práticas de recolha de dados e na estrutura mental dos próprios líderes que terão de analisar e utilizar essa informação. Provado ficou também o facto de que as empresas que estão a utilizar este mix de informação financeira e não financeira estão já a retirar benefícios visíveis da mesma.

O survey da PWC demonstrou também que os CEOs estão conscientes da necessidade que têm em possuir comportamentos com base em valores e de avaliar o valor em todas as suas formas, sejam estas financeiras ou não. O problema é que nem sempre a consciência de algo se traduz em acções concretas. Por exemplo, mais de 80% dos líderes entrevistados concordam com a ideia de que é necessário satisfazer as necessidades das sociedades presentes e futuras, mas apenas 21% citaram a redução da pobreza e a desigualdade como uma prioridade organizacional nos próximos três anos. De forma similar, apenas 26% consideram importante abordar os riscos ambientais, enquanto não mais do que 33% citam a criação de emprego para os mais jovens como uma prioridade.

Esta lacuna entre consciência e acção é, de acordo, com o chairman da PwC, compreensível. A multiplicidade de práticas em muitas empresas e a natureza intangível dos progressos sociais e ambientais constituem barreiras significativas. Na medida em que as soluções para colmatar esta lacuna são complexas, o passo inicial para o CEO será o de voltar aos seus princípios basilares e perguntar “qual é a razão de existência da minha organização?”.

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Compromisso com o bem social é compatível com o crescimento dos lucros
Um pilar central para a recuperação/construção da confiança é o propósito organizacional definido como um compromisso genuíno com o bem social, o qual é compatível com o crescimento dos lucros. De acordo com o relatório, este propósito consiste num elemento distintivo da empresa, “assegura-lhe” a licença para operar e ajuda a estimular o crescimento e a retenção dos seus clientes. Ao mesmo tempo, um propósito socialmente relevante transcende o lucro enquanto objectivo final da actividade da empresa. Ser uma empresa “boa” não é encarado somente como uma via para o aumento do valor para os accionistas, mas sim como um bem intrínseco à organização.

Os mais bem-sucedidos negócios da actualidade são, para a consultora PwC, aqueles que incorporam o propósito no interior da organização, incluindo o alinhamento explícito dos interesses e prioridades da gestão, do conselho de administração e dos accionistas, com essa identidade.

O maior desafio reside em “manter os olhos fixos nos objectivos de longo prazo, enquanto se vai navegando nas águas turbulentas do imediatismo”.

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Quando uma cultura é construída de acordo com uma estrutura de princípios, convicções e normas, em vez de regras, o “tom” certo não só vem do topo da hierarquia, como atravessa toda a empresa, permitindo a todos os colaboradores tomarem decisões sobre os trade-offs necessários em momentos críticos.

Esta identidade organizacional central é estável, porque está enraizada nas acções diárias da empresa. Todavia, é igualmente flexível o suficiente para se adaptar a alterações que possam surgir nos valores sociais.

Para possibilitar esta flexibilidade, as organizações têm de ser capazes de planear não só para o curto prazo, mas também para o médio e longo prazo, tendo sempre em mente as tendências globais que estão a moldar o mundo em que vivemos. O que se afigura uma tarefa difícil, em particular para as empresas cotadas, constantemente pressionadas para reportarem os seus resultados trimestralmente.

Como afirma Sergio Pietro Ermotti, CEO da UBS AG, “um CEO responsável tem de ter um plano estratégico para um período entre três a cinco anos”. Mas, acrescenta, “como as condições económicas, políticas e de mercado são tão voláteis na actualidade, é igualmente crucial ser-se flexível o suficiente para se ir gerindo as inevitáveis questões de curto prazo que vão surgindo. Para este CEO, o maior desafio reside em “manter os olhos fixos nos objectivos de longo prazo, enquanto se vai navegando nas águas turbulentas mais imediatas”.

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Empresas e governos precisam de restaurar a confiança entre si
Para Dennis Nally, o terceiro pilar da criação de confiança reside no trabalho colaborativo por parte das empresas com os governos, mas também com as universidades, as organizações não-governamentais e a sociedade civil. Afinal de contas, todos têm o objectivo comum de melhorar os resultados “nacionais” do país a que pertencem. O que não significa que se devam substituir ao papel dos próprios governos. Os CEOs entrevistados acreditam que os governos deviam ter um papel mais alargado no que respeita a assegurar a estabilidade do sector financeiro e a facilitarem o acesso a capital “acessível”, a melhorarem as infra-estruturas do país e a criarem um sistema fiscal internacionalmente competitivo e eficaz.

Mas a verdade é que as empresas se deparam constantemente com falhas na capacidade dos governos em preencherem este papel. E o mesmo acontece com os demais actores sociais. O Edelman Trust Barometer demonstra níveis muito mais baixos de confiança relativamente aos governos – por parte da sociedade civil – do que aqueles percepcionados para o sector empresarial. E são várias as empresas que desistiram de esperar por uma intervenção governamental mais activa no que respeita ao desenvolvimento sustentável. Com o aumento da confiança face às empresas, o sector empresarial tem agora uma oportunidade para liderar a criação de resultados socialmente desejáveis.

Todavia, e como alerta o chairman da PwC, antes de os governos e as empresas almejarem alcançar um nível de confiança mais elevado nas suas estruturas por parte da opinião pública, a urgência de restaurarem a confiança mútua entre si é prioritária. Para Dennis Nally, numa altura em que tanto o sector público como o privado se esforçam para reganhar a confiança por parte dos seus stakeholders, não existe momento mais indicado para se comprometerem, ambos, a colaborar entre si. Todavia, o maior obstáculo identificado nesta parceria é o da atitude.

Em suma, ao se concentrarem na construção de uma relação de confiança, as empresas poderão desenvolver uma identidade convincente e que as distinga dos seus concorrentes. Os comportamentos baseados em valores podem estimular a criação de valor, a qual deverá levar em linha de conta as expectativas de um conjunto cada vez mais diversificado de stakeholders. Adicionalmente, um propósito socialmente relevante que seja bem definido, comunicado e incorporado em toda a organização irá oferecer aos colaboradores o contexto de que precisam para actuarem em conformidade com o mesmo. Por último, uma colaboração simbiótica com o governo ajudará a um “crescimento bom” a nível nacional.

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