A crise na Europa e a resposta oficial estão a deixar os países periféricos num duplo atilho, defende, num relatório que avalia o impacto das medidas de austeridade nos “países intervencionados”, a Cáritas Europa. Em entrevista ao VER, a direcção da Cáritas Portuguesa alerta para a falta de condições de Portugal para “suportar mais austeridade” (e até as medidas que estão já implementadas), “sob pena de se colocar em causa a estabilidade e a coesão social”
A Cáritas Europa apresentou na semana passada, em Dublin (na Irlanda) um relatório sobre o impacto da crise e das medidas de austeridade nos chamados “países intervencionados”. O documento, que analisa a actual conjuntura económica e social e os efeitos que as medidas políticas em curso estão a ter sobre a população na Grécia, na Irlanda, em Itália, em Portugal e em Espanha, alerta para o facto de “as medidas de austeridade, como solução principal para o combate à crise, estarem a provocar efeitos negativos junto da população, arrastando muitas famílias para novas situações de pobreza”. No relatório “The impact of the european crisis”, que contou com a participação da Cáritas Portuguesa, a organização sublinha a condição insustentável em que se encontra a população mais carenciada, nestes países, com destaque para a realidade de muitas crianças, defendendo a premência de “encontrar medidas alternativas à austeridade”. E recomenda aos Governos e poder local que, em conjunto com as organizações da sociedade civil e em articulação com as instituições europeias, como a Comissão, encontrem “novas abordagens, justas e socialmente sustentáveis”. Alternativas para as fragilidades sociais Este relatório foi, pois, elaborado com base na premissa de que as autoridades têm capacidade de escolher as políticas que fazem. Ou, por outras palavras, têm capacidade para escolher como devem ser repartidos os sacrifícios. O documento apresenta factos que “apontam para o cenário de uma Europa onde os riscos sociais estão a aumentar, os sistemas sociais estão a ser pressionados e os indivíduos e as famílias estão colocados numa situação de enorme tensão”. Segundo a Cáritas, o panorama geral revela “uma queda vertiginosa no emprego e consequente aumento das situações de desemprego, com particular incidência nos jovens; níveis crescentes de desemprego de longa duração, que está a tornar-se estrutural; o aumento dos níveis de pobreza, nomeadamente na pobreza infantil; o agravamento das situações de empobrecimento e uma redução no acesso a serviços essenciais. “O sentimento económico na Europa está ao nível mais baixo dos últimos anos”, conclui a organização, e as projecções de crescimento de organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), têm vindo a degradar-se ao longo de 2012, acusa: “o FMI é agora da opinião de que os cortes tiveram um impacto negativo maior do que o esperado sobre a produção e recomendam que os decisores políticos europeus facilitem gradualmente as condições financeiras às economias periféricas”. Analisando a situação da Grécia, da Irlanda, da Itália, de Portugal e de Espanha no que toca sobre o cenário da crise em cada país, incluído os actuais níveis de dívida pública e as estimativas recentes e projecções de crescimento do PIB, o relatório referencia, por um lado, as medidas políticas introduzidas e, por outro, a evolução relativamente ao emprego e às situações de pobreza, através de vários indicadores.
Embora o “pano de fundo da crise” seja diferente em cada um dos países e os seus impactos terem evoluções diversas, os cinco têm em comum os altos níveis de desemprego, acima da média da União Europeia; níveis muito elevados de desemprego jovem, que vem sendo galopante; desemprego de longa duração, que atinge uma proporção muito elevada, sendo já um problema estrutural; e aumento da pobreza, com a pobreza infantil a revelar-se um problema particular em todos os países, desde 2007. Estes países têm também lacunas nos seus sistemas de protecção social, que não abrangem grupos como os trabalhadores informais ou atípicos e aqueles que chegam ao final do pagamento dos sistemas de protecção de desemprego; e o apoio familiar, uma característica tradicional nestes países, “encontra-se sob uma grande pressão”, afirma a organização.
Face às “evidências apresentadas” neste relatório, a prioridade das políticas de austeridade “não está a funcionar e será necessário procurar alternativas”. A solução de impor medidas de austeridade e reformas estruturais destinadas a reduzir a dívida pública e a relação dívida/PIB “deixará de funcionar em termos económicos dentro de poucos anos”, conclui também o documento, onde se lê: “ao mesmo tempo está a colocar-se em causa a coesão social da Europa e a legitimidade política da União Europeia”. É assim necessário garantir uma solução justa para a crise da dívida: “transformar a dívida bancária em dívida soberana deve ser reconhecido como injusto e insustentável para todos os países afectados e deve ser procurada uma abordagem mais justa na repartição dos encargos”. Em suma, a crise na Europa e a resposta oficial “estão a deixar os países periféricos num duplo atilho: ao cortar gastos, na tentativa de alcançar os objectivos fixados para a dívida em relação ao PIB, perdem receita. Juntamente com o pagamento de juros e os aumentos dos custos sociais, devido principalmente ao aumento do desemprego, dificultam o crescimento”. Em entrevista ao VER, José Manuel Cordeiro, membro da direcção da Cáritas Portuguesa, sublinha que o fundamental, na opinião da Cáritas, “é que se assuma a urgência de encontrar outras formas de superar a crise”. Na análise que faz, considera que este estudo “deixa claras as fragilidades em que se encontra a estrutura social portuguesa, após a celebração do Memorando de Entendimento”.
Face aos resultados do relatório apresentado pela Cáritas Europa, qual é neste momento o impacto da crise e das medidas de austeridade nos chamados “países intervencionados”? Quais são os principais efeitos da crise económica e das políticas adoptadas em sua consequência nestes cinco países (Grécia, Irlanda, Itália, Espanha e Portugal) e como se posiciona o nosso País face aos restantes, nesta matéria? Essa evidência de que as medidas de austeridade adoptadas nos países intervencionados estão a arrastar muitas famílias para grandes dificuldades, devido ao crescente desemprego, alarga-se também ao aumento da pobreza entre quem tem rendimentos do trabalho, em resultado da diminuição do poder de compra e do aumento dos impostos, por exemplo. Em que medida a austeridade gerou já, nos países em análise, uma nova forma de pobreza e de exclusão social? Naturalmente que se destaca a classe média como principal “vitima”. Aqueles que até aqui tinham a sua vida equilibrada vêem-se em situações comprometedoras quando o desemprego as leva ao incumprimento de algumas obrigações. Às Cáritas Diocesanas chegam pedidos de ajuda com este perfil, tratando-se de pessoas que pedem auxílio para manter um modo de vida para o qual projectaram as suas esperanças e que sempre trabalharam nessa expectativa, mas que inesperadamente se esgotou sem lhes deixar alternativa. Em comparação com os restantes países, como classifica a actual situação de pobreza a nível nacional? Naturalmente que o exemplo daquilo que é feito nos outros países deve ser tido em conta, mas o fundamental, na opinião da Cáritas, é que se olhe para os efeitos destas medidas de austeridade e se assuma a urgência de encontrar outras formas de superar a crise. O país não tem condições para mais austeridade (já não terá condições para suportar as que estão implementadas), sob pena de se colocar em causa a estabilidade e coesão social. Em particular, qual é a actual situação dos grupos mais vulneráveis em Portugal, como as crianças e jovens, a população sénior e os grupos de etnia cigana, por exemplo?
Para além das dificuldades financeiras que impedem a aquisição de bens materiais, sublinham-se as dificuldades em manter respostas como são o apoio escolar ou os cuidados de saúde. Também nos parece importante não deixar esquecer que as crianças (e toda a população) têm direito ao bem-estar físico e emocional mas também ao lazer, à cultura e a tudo o que faz parte do universo da infância. Estamos a ficar de tal forma bloqueados pela questão financeira que não nos apercebemos que as crianças portuguesas estão particularmente expostas a uma realidade que as ultrapassa, que não têm capacidades para compreender. E, ao mesmo tempo, estamos a retirar-lhe condições para que sejam capazes de a ultrapassar, no futuro: é que ao afastarmos as crianças mas também os jovens dos meios académicos, por exemplo, estamos a comprometer não apenas o seu presente mas, essencialmente, o seu futuro. Estamos a comprometer uma geração por completo e, por isso mesmo, o futuro do país. Face à realidade detectada pela Cáritas Europa nestes países e, em especial, nestes grupos, quais são as principais recomendações que tecem, a partir da larga experiência que têm no terreno, junto das populações? A Cáritas Europa e os países que participaram neste relatório defendem, no documento, que é necessário encontrar medidas alternativas à austeridade que minimizem os riscos em que se encontra a população mais carenciada. Que medidas seriam essas? O relatório, que teve a participação da Cáritas Portuguesa, será apresentado em Lisboa, a 4 de Março. A quem se dirige o alerta da Cáritas Portuguesa, e com que objectivos o fazem, neste momento particularmente difícil para todos os portugueses? Depois da sua apresentação por parte da Cáritas Europa, que já ocorreu, está efectivamente pensada a apresentação local por parte dos diferentes países referidos neste relatório.
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Jornalista