Os Jogos Olímpicos de Paris 2024 são aguardados com grande expectativa, não apenas pelos fãs de desportos, mas também pelos organizadores, governos e cidadãos de todo o mundo. Com o lema «Mais rápido, mais alto, mais forte», os Jogos têm um objetivo adicional: serem realizados de forma mais económica. No entanto, a realidade mostra-se muito diferente do que foi previamente planeado. Envoltos em controvérsias financeiras, desafios de segurança e preocupações com a sustentabilidade, os Jogos de Paris 2024 enfrentam uma série de obstáculos que suscitam questões sobre o verdadeiro custo e o impacto de sediar um evento de tal magnitude
POR PEDRO COTRIM

Mais rápido, mais alto, mais forte… e mais caro. Os Jogos de Paris 2024 esperavam não subscrever o lema olímpico com este adjetivo adicional. No fundo, a comissão organizadora queria escapar à «maldição do vencedor», uma noção derivada da teoria dos leilões em que se prevê que o vencedor de uma licitação será quem mais sobrestimou o valor do bem.

Lançada sem consulta à população, a candidatura parisiense aos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2024 venceu por falta de competição em 2017. Contudo, os grandes eventos desportivos nunca foram tão criticados pelo seu exorbitante custo económico e ambiental, e pela influência exercida pelas organizações desportivas internacionais nas cidades e países-sede.

Até 2017, as Olimpíadas eram atribuídas com base num processo de leilões, ou quase-leilões, organizados entre várias cidades candidatas que competiam umas com as outras. Para vencer era necessário apresentar um plano excecional, superando as especificações do COI.

O orçamento inicialmente previsto para os Jogos Olímpicos de Verão tem sido sistematicamente ultrapassado desde Munique 1972, sendo Los Angeles 1984 a exceção que confirma a regra. A média é de 100% de superação, sendo o menor desvio de 30% para Atlanta 1996 o maior de 1100% para Pequim 2008.

Estas derrapagens orçamentais contribuíram para a crescente escassez de cidades candidatas, especialmente quando se consultam as populações, cada vez mais conscientes e preocupadas com o peso destes eventos nas finanças públicas. As edições de Atenas 2004, Rio 2016 e Tóquio 2020 pesaram muito nas contas das cidades e dos países.

A promessa da candidatura Paris 2024 era muito diferente: com 95% das infraestruturas já existentes, com as novas construídas de forma provisória, estes Jogos teriam de ser «económicos». O Stade de France, inaugurado em 1998, poupou designadamente a construção de um estádio olímpico, que representa habitualmente a principal despesa da maioria dos Jogos Olímpicos de Verão.

Mas este facto não impediu que o orçamento parisiense aumentasse de 6,3 para 9 mil milhões de euros, de acordo com os últimos estudos das autoridades francesas. O aumento deve-se em parte à inflação, mas, em julho de 2023, um relatório do Tribunal de Contas estimou que dois terços do valor resultaram de se ter subestimado grosseiramente o orçamento e de se desconhecer a complexidade das especificações do COI e de dificuldade em questioná-las, mesmo que apenas marginalmente.

Há ainda incertezas substanciais sobre o saldo final do orçamento plurianual do Comité Organizador dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, a estrutura que organiza diretamente os dois eventos, e das suas consequências para os contribuintes. A poucos meses dos jogos, as margens são reduzidas e os imponderáveis ​​podem ter efeitos desastrosos que o fundo de reserva não poderá cobrir. Totalizando 275 milhões de euros no ano passado, foi, apesar de tudo, reduzido para 142 milhões.

Paris 2024 apresenta atualmente cerca de 30% de derrapagem. Mesmo com um orçamento total de 10 mil milhões de euros, ou seja, uma superação de cerca de 50%, seria ainda um bom resultado. Com este valor, os Jogos de Paris seriam os mais baratos do século XXI, mas aproximar-se-iam dos valores de Atenas 2004 e Londres 2012.

O orçamento dos Jogos de Paris é dividido entre a Cojop, entidade responsável pelas despesas diretamente ligadas à organização dos Jogos Olímpicos, e a Solideo, empresa pública que responde pela execução de obras olímpicas, pelas aldeias olímpicas e pela comunicação.

Para a Cojop, o lema é: «os Jogos financiam os Jogos». O envelope concedido pelo COI, as receitas das parcerias (patrocínios) e as provenientes da emissão de bilhetes cobrem a maior parte do seu orçamento em partes aproximadamente iguais. Está programada apenas uma contribuição do Estado para os Jogos Paralímpicos.

Por outro lado, os Jogos não financiam a Solideo, para o qual os financiadores e investidores privados contribuem apenas com 1,8 dos 4,5 mil milhões de euros do seu orçamento. O restante vai para o Estado e para as autoridades locais (região de Île-de-France, Paris e outras cidades).

A maior parte das obras foi entregue ou será entregue dentro do prazo, exceto o reformado Grand Palais (que albergará os eventos de esgrima e taekwondo). Para manter um orçamento previsto equilibrado, os organizadores adotaram medidas de poupança e de otimização no valor de 260 milhões de €.

Do lado das receitas, os organizadores também pensaram em maior escala, revendo em alta as previsões iniciais para compensar a derrapagem nas despesas. O problema é que esta busca por receita empurra o gigantismo dos Jogos pelos quais o COI é criticado.

Foi, portanto, necessário aumentar as receitas comerciais, nomeadamente as provenientes da bilhética – o que acentuou as críticas ao preço elevado dos bilhetes –, obter contribuições adicionais das autoridades públicas e convencer novos patrocinadores. Como o grupo de luxo LVMH, que se juntou ao clube dos parceiros premium em julho com uma contribuição de 150 milhões de euros.

Será então possível acreditar num orçamento final de 8,8 mil milhões de euros? Tudo depende do campo exato que se escolher. Porque certas despesas públicas estão excluídas do orçamento olímpico, como as que são cobradas às comunidades por determinadas instalações: a Arena Porte de la Chapelle, por exemplo, financiada em 50% pela cidade de Paris, ou a renovação do Grand Palais, em que a Solideo ficará responsável apenas por 15 dos 450 milhões de euros.

Outra rubrica não contabilizada: despesas dedicadas à saúde e à segurança, ao fornecimento de meios de transporte, equipamentos e espaços públicos. Subestimar os custos de segurança tem sido um mau hábito entre os organizadores dos Jogos Olímpicos desde o 11 de Setembro.

Segundo o Ministro do Interior, Gérald Darmanin, o custo de garantir a cerimónia de abertura faraónica no Sena ascenderia a 200 milhões de €. Será necessário acrescentar a esta conta horas extraordinárias e bónus, o aumento do recurso às forças de segurança interna e às forças armadas. Entre as principais rubricas de despesa, apenas o custo adicional devido ao aumento da procura de transportes públicos deverá ser relativamente contido: na verdade, é parcialmente transferido para os utilizadores pelo forte aumento das tarifas entre 20 de julho e 8 de setembro, conforme já decidido pela Île-de-France.

Para garantir a segurança de Paris 2024, o Ministério do Interior investe há anos para aumentar o número de câmaras de vigilância nas ruas. O crédito para o fundo interministerial de prevenção da delinquência e da radicalização (FIPDR), principal subsídio destinado aos municípios que pretendam equipar-se, foi triplicado para os próximos cinco anos.

Vários observadores sugerem a existência de um aproveitamento das Olimpíadas para servir a política de segurança e de repressão do governo. Além das câmaras tradicionais, os Jogos Olímpicos abriram o caminho para a vigilância por vídeo algorítmica. Um artigo de 19 de maio de 2023 estabelece os métodos de experimentação deste software com características muito próximas do reconhecimento facial. Os seus algoritmos, juntamente com câmaras de vigilância, permitem detetar automaticamente movimentos de multidões, armas ou ocorrência de roubos, e alertar os operadores de vídeo sobre potenciais perigos em tempo real.

Ainda proibido em França, este software pode ser testado até março de 2025 durante eventos desportivos e culturais «particularmente expostos ao risco de ataque», nos termos da lei dos Jogos Olímpicos. Podem utilizá-los a polícia e os ‘gerndarmes’, mas também a polícia municipal, os serviços de bombeiros e salvamento e os serviços de segurança interna da SNCF e da RATP.

Os primeiros testes oficiais aconteceram em março, durante espetáculos dos Depeche Mode na Accor Arena e numa partida do campeonato francês de basquetebol na Adidas Arena.

A segurança é um grande negócio. Para certas ONG, o principal tema da vigilância diz respeito à potencial sustentabilidade destes sistemas após os Jogos Olímpicos. Este software permite acompanhar uma pessoa numa rede de câmaras de acordo com determinados critérios: roupa, chapéus, tatuagens, etc. Há um verdadeiro debate sobre a natureza biométrica ou não dessas tecnologias de algoritmo vigilância por vídeo. Uma forma de andar ou uma peça de roupa são elementos que nos permitem identificar concretamente alguém. São, portanto, dados biométricos. No entanto, o regulamento geral de proteção de dados proíbe o tratamento destes dados, com algumas exceções.

Ouvido no início de março no âmbito de uma missão senatorial de informação sobre os Jogos Olímpicos, o ministro do Interior, Gérald Darmanin, explicou que uma comissão de ética seria responsável por avaliar a experiência com videovigilância inteligente.

Num setor ainda embrionário, as Olimpíadas têm um grande efeito acelerador. Para melhor comunicarem com o Estado, as empresas estruturaram-se num comité estratégico para o sector das «indústrias de segurança», composto por PME e grandes grupos como Thales, Idemia ou Atos.

Em abril de 2022, o Estado investiu 25 milhões de euros no âmbito de um programa de ensaio de tecnologias inovadoras antes da concorrência. No início de 2024, o Ministério do Interior gastou 2 milhões de euros e selecionou quatro empresas francesas que realizarão experiências algorítmicas de videovigilância.

A dificuldade de avaliar um orçamento olímpico reside na definição do seu alcance, que pode variar consideravelmente dependendo da metodologia escolhida. Em última análise, o orçamento deve ser considerado em relação às receitas fiscais e às repercussões económicas da quinzena olímpica, muito complexas de avaliar e que deverão ser feitas a longo prazo.

Para exorcizar a maldição olímpica, pode conceber-se o fim do sistema de leilões: O COI designaria uma cidade-sede e iniciaria uma negociação bilateral, que o obrigaria a pagar, se não o custo total, pelo menos uma parte maior do produto JO, mas, a menos que haja uma escassez ainda mais pronunciada de candidatos, o que obrigaria o organismo a finalmente ter de meter a mão no bolso, os Jogos continuarão a trazer azar aos seus organizadores.

Os Jogos Olímpicos de Paris 2024 ilustram de maneira clara os desafios e complexidades envolvidos na organização de um evento dessa magnitude. Apesar das promessas iniciais de contenção de custos e uso eficiente de infraestruturas existentes, a realidade mostra um aumento significativo no orçamento, com previsões iniciais a ser largamente ultrapassadas. A combinação de fatores como inflação, subestimação de custos e a necessidade de cumprir prazos rigorosos contribuiu para essa derrapagem financeira.

Além das questões financeiras, a segurança dos Jogos emerge como uma preocupação central, com investimentos significativos em tecnologias de vigilância, que levantam debates sobre privacidade e o futuro uso dessas tecnologias após o evento. O impacto ambiental e social dos Jogos também não pode ser ignorado, especialmente à luz das críticas crescentes sobre a sustentabilidade destes eventos globais.

Para evitar a repetição desses desafios em futuras edições, é fundamental considerar uma reforma no processo de seleção das cidades-sede, possivelmente eliminando o sistema de leilões e adotando uma abordagem de negociação mais equilibrada entre o COI e as cidades candidatas. Poderia conduzir a uma repartição mais justa dos custos e a um planejamento mais realista e sustentável.

Em última análise, os Jogos Olímpicos de Paris 2024 oferecem uma oportunidade para refletir sobre o verdadeiro custo desses eventos e a necessidade de encontrar um equilíbrio entre celebração esportiva, responsabilidade financeira e impacto social. A capacidade de aprender com estas lições será crucial para o futuro dos Jogos Olímpicos e para garantir que eles possam continuar a inspirar e unir pessoas ao redor do mundo sem sobrecarregar as comunidades anfitriãs.

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