Nascida em 1946, em Nova Iorque, Claudia Goldin é professora na Universidade de Harvard e utilizou mais de 200 anos de dados para demonstrar que, embora historicamente as disparidades salariais pudessem ser explicadas por diferenças na educação e nas escolhas profissionais, as que existem na actualidade, sobretudo entre homens e mulheres nos mesmos empregos, surgem com o nascimento do primeiro filho
POR HELENA OLIVEIRA

Esta é apenas uma conclusão a que chegou Claudia Goldin, vencedora do Prémio Nobel da Economia [correctamente denominado “Prémio Sveriges Riksbank em Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel para o ano 2023”], devido àquela que é a primeira descrição exaustiva dos rendimentos das mulheres e da sua participação no mercado de trabalho ao longo dos últimos dois séculos.

É sabido que o facto de as mulheres assumirem, muitas vezes, mais responsabilidades do que os homens no que se refere ao cuidado dos filhos, por exemplo, torna mais difícil a sua progressão na carreira e o aumento dos seus rendimentos. Mas ao pesquisar, compilar e corrigir dados históricos dos últimos 200 anos, a vencedora do Nobel da Economia conseguiu apresentar factos novos e muitas vezes surpreendentes. O seu trabalho oferece igualmente uma compreensão mais profunda dos factores que afectam as oportunidades das mulheres no mercado de trabalho. O facto de as escolhas das mulheres terem sido, e continuarem a ser, limitadas pelo casamento e pela responsabilidade pela casa e pela família está no centro das suas análises e modelos explicativos.

Como se pode ler numa boa sinopse da pesquisa e conclusões de Claudia Goldin na página da Real Academia Sueca de Ciências relativa a este prémio em particular e que aqui resumimos, é sabido que, a nível mundial, cerca de metade das mulheres têm um emprego remunerado, ao passo que a percentagem equivalente para os homens é de oitenta por cento. Quando as mulheres trabalham, normalmente ganham menos.

A compreensão de como e porquê os níveis de emprego e de rendimentos diferem entre mulheres e homens é importante por razões socioeconómicas, tanto a curto como a longo prazo, porque a questão está relacionada com a utilização mais eficiente dos recursos da sociedade. Se as mulheres não têm as mesmas oportunidades de participar no mercado de trabalho, ou participam em condições desiguais, desperdiça-se mão-de-obra e conhecimentos especializados.

Por outro lado, e sendo economicamente incongruente que os empregos não sejam atribuídos à pessoa mais qualificada e se a remuneração for diferente para efectuar o mesmo trabalho, as mulheres podem ser desincentivadas trabalhar e a ter uma carreira. Ao combinar métodos inovadores de história económica com uma pesquisa gigantesca que abrange os últimos dois séculos, Goldin demonstrou que vários factores diferentes influenciaram historicamente – e ainda influenciam – a oferta e a procura de trabalho feminino. Estes factores incluem as oportunidades de as mulheres combinarem trabalho remunerado e família, decisões relacionadas com a educação e a criação dos filhos, inovações técnicas, leis e normas, e a transformação estrutural da economia. Por sua vez, os resultados a que Claudia Goldin chegou permitem uma melhor compreensão de como e porquê as taxas de emprego e de remuneração diferem entre homens e mulheres.

Ao descobrir dados que remontam ao final do século XVIII, a investigadora conseguiu também revelar um facto histórico novo e surpreendente: antes do surgimento da industrialização no século XIX, as mulheres eram mais propensas a participar na força de trabalho. Uma das razões para o deixarem de ser foi o facto de a industrialização ter tornado mais difícil para muitas mulheres casadas trabalhar em casa e, assim, conciliarem trabalho e família. Goldin documentou este facto de uma forma inovadora, utilizando dados de mais de dez mil mulheres chefes de família na Filadélfia do século XVIII.

Como afirma também, no início do século XX, havia uma diferença significativa nas taxas de emprego das mulheres casadas e solteiras. Enquanto cerca de vinte por cento de todas as mulheres trabalhavam por conta de outrem, apenas cinco por cento das mulheres casadas o faziam.

Goldin demonstrou também que o progresso tecnológico, o crescimento do sector dos serviços e o aumento dos níveis de educação provocaram uma procura crescente de mão-de-obra feminina. No entanto, o estigma social, a legislação e outras barreiras institucionais limitaram a influência destes factores. Ao mesmo tempo, a investigadora de Harvard concluiu que o casamento desempenhou um papel mais importante do que se pensava anteriormente, tendo observado também que a legislação conhecida como “barreiras matrimoniais”, que esteve em vigor até 1964, impedia frequentemente as mulheres casadas de continuarem a trabalhar como professoras ou operárias. Apesar da crescente procura de mão-de-obra, as mulheres casadas eram excluídas de partes significativas do mercado de trabalho.

Um dos motivos responsável pela mudança de expectativas das mulheres relativamente ao mercado de trabalho foi a introdução da pílula, nos anos de 1960, um método de planeamento familiar e contraceptivo fácil de utilizar que as mulheres podiam controlar de forma independente, e que, para muitas delas, as fez adiar o casamento e o primeiro filho. Uma percentagem crescente de mulheres começou a estudar Economia, Direito e Medicina, por exemplo, podendo planear melhor o seu futuro e, por conseguinte, ter mais clareza sobre as suas expectativas, o que lhes deu novos incentivos para investirem na sua educação e carreira.

Ao estudar a forma como as diferenças de rendimento entre homens e mulheres se alteraram ao longo do tempo, Goldin e os seus co-autores, Marianne Bertrand e Lawrence Katz, demonstraram num artigo de 2010 que as diferenças iniciais de rendimentos são pequenas. No entanto, assim que chega o primeiro filho, a tendência muda. Os rendimentos caem imediatamente e não aumentam ao mesmo ritmo para as mulheres que têm um filho mesmo que tenham a mesma educação e profissão. Estudos efectuados noutros países confirmaram a conclusão de Goldin e a parentalidade pode actualmente explicar quase inteiramente as diferenças de rendimento entre homens e mulheres nos países de rendimento elevado.

O facto de as mulheres assumirem, muitas vezes, mais responsabilidades do que os homens no que se refere ao cuidado dos filhos, por exemplo, torna mais difícil a progressão na carreira e o aumento dos rendimentos. A difícil conciliação entre família e trabalho também torna mais difícil a manutenção da carreira da pessoa do agregado familiar, geralmente a mulher, que opta por reduzir o seu horário de trabalho. Todos estes factores têm consequências de grande alcance para os rendimentos das mulheres.

A investigação de Goldin mostra que as diferenças entre homens e mulheres no mercado de trabalho são determinadas por diversos factores durante os vários períodos de desenvolvimento da sociedade. E os decisores políticos que pretendem minimizar ou acabar, com estas diferenças devem, em primeiro lugar, compreender por que razão elas existem.

Que assim seja.

NOTA: Como curiosidade, e ao longo dos anos, desde 1969 a 2022, foram atribuídos 54 Prémios Nobel para as Ciências Económicas e, dos 92 laureados, 25 tiveram a honra de receber o prestigiado prémio como únicos destinatários. Apenas duas mulheres, Elinor Ostrom em 2009 e Esther Duflo em 2019, foram reconhecidas com o mesmo Prémio pelos seus contributos excepcionais nesta disciplina. Goldin torna-se assim a terceira mulher a ser reconhecida neste domínio. E a solo.

Ilustração: Niklas Elmehed © Nobel Prize Outreach

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