Longe de ser uma simples medida objectiva, o tempo tem implicação directa nas relações entre os membros da sociedade. Está no cerne da organização das diferentes actividades humanas, o que o torna numa questão política importantíssima. A maioria dos pensadores considera o tempo como um dado «natural» que o progresso científico e técnico permitiria conhecer com cada vez maior precisão, conforme evidenciado pelo desenvolvimento de cronómetros capazes de medir nanossegundos. A difusão de calendários, relógios, cronómetros e outros instrumentos faz parte do processo civilizacional. O Papa Gregório XIII deu um alento incomensurável a esta variável tão simples e tão complexa. Em 1582, por Bula Papal, o calendário deu uma grande volta
POR PEDRO COTRIM

O ano era 1582 e o dia era 4 de Outubro. O dia seguinte foi 15 de Outubro, mas não em todo o mundo. Portugal vivia sob a coroa de Filipe I, Filipe II de Espanha, e o nosso país não era independente. Foi a chamada União Ibérica, ou dinastia filipina, que durou de 1580, dois anos após o desaparecimento de D. Sebastião em Alcácer-Quibir, até ao dia 1 de Dezembro de 1640. Daqui a não muito tempo celebraremos os 400 anos da Restauração.

A Bula Papal teve este efeito de um dia serem dias na Península Ibérica, numa grande parte de Itália e no Grão-Ducado da Lituânia, que incluía uma enorme Polónia e chegava ao Mar Negro.

O calendário juliano, introduzido por Júlio César em 45 a.C., foi utilizado na Europa durante muitos séculos. No entanto, apresentava um erro ligeiro no cálculo dos anos bissextos, o que ocasionou um desvio gradual da data do equinócio da Primavera e das estações. Na realidade, a diferença anual entre ambos é de apenas 11 minutos. Parece pouco, mas o erro acumula-se com a cronologia que decorre.

A principal alteração do calendário gregoriano foi o ajustamento dos anos bissextos. No calendário juliano, cada ano divisível por 4 era bissexto. No calendário gregoriano, esta regra foi mantida, mas os anos divisíveis por 100 deixaram de ser bissextos, excepto se fossem também divisíveis por 400. Corrigiu-se assim o erro do calendário juliano. 1900 não foi bissexto; 2100 também não será, tampouco 2200 e 2300. Se se fizerem as contas aos anos indevidamente contados como bissextos desde o Século I, chegaremos aos dias subtraídos por Gregório XIII em 1582.

Os países protestantes e ortodoxos, bem como alguns países não europeus, demoraram mais tempo a adoptar o calendário gregoriano. Este facto deu origem a discrepâncias nas datas do calendário durante muitos anos. A União Soviética, por exemplo, apenas o adoptou em 1918. A revolução bolchevique de Outubro de 1917 ocorreu na realidade em Novembro.

Com o tempo, o calendário gregoriano tornou-se o calendário padrão para a maior parte do mundo, incluindo a maioria dos países protestantes e ortodoxos. A reforma do calendário teve um impacto significativo no cálculo de datas importantes, como a Páscoa, determinada com base no equinócio vernal. Também afectou o calendário de outros eventos religiosos e civis.

O calendário gregoriano é o calendário mais utilizado no mundo, apesar de haver outras contagens, como o célebre Ano Chinês. A adopção do calendário gregoriano melhorou a precisão na medição do tempo e das datas, resolvendo os problemas do calendário juliano e alinhando melhor o ano civil com o ano solar e permitindo sintonia internacional, complicada se se mantivessem muitos calendários oficiais em vigor.

Uma coisa é certa – a contagem do tempo nunca mais sofrerá alterações, a não ser aqueles pequenos ajustes por vezes anunciados dos segundos intercalares. Seria uma coincidência extraordinária que a rotação se ajustasse perfeitamente à translação, mas assim, com o calendário gregoriano e com os segundos intercalares, estaremos sempre em sintonia com o Sol.

1 COMENTÁRIO

  1. Excelente texto! Nunca vi este assunto tão bem tratado como aqui! Cumprimentos, Pedro Cotrim. Obrigado pela sua clareza

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