A campanha “Ajudamos… mais ou menos?”, promovida pela FEC – Fundação Fé e Cooperação e pelo IMVF – Instituto Marquês de Valle Flôr, parte de exemplos simples para levantar a questão: que impacto real têm as nossas decisões, políticas, económicas, comerciais, migratórias, climáticas, na vida das pessoas que dizemos apoiar? E se cada decisão política fosse tomada com base no seu impacto global? E se o desenvolvimento fosse, de facto, o centro da equação?
POR DANIELA LOPES

“Ao construir escolas, mas não garantir professores… Ajudamos?
 Ajudamos… mais ou menos.”

“Ao promover o crescimento económico, mas aumentar a desigualdade… Ajudamos?
 Ajudamos… mais ou menos.”

Como continuamos a justificar políticas públicas que dizem “ajudar”, mas que, na prática, perpetuam dependência, exclusão e desigualdade?

Uma sondagem nacional realizada no âmbito do projeto Coerência – o Eixo do Desenvolvimento mostrou que a sociedade portuguesa está, de forma clara, atenta a estas questões. 83% dos inquiridos acreditam que o mundo precisa de mais cooperação internacional. Um dado que revela mais do que um consenso: expressa uma vontade coletiva, uma visão de um mundo mais justo, mais interligado, mais responsável.

Mas esta visão, expressa pela maioria, colide frequentemente com a realidade das decisões políticas. Em vez de fortalecer as raízes do desenvolvimento, assistimos a uma crescente priorização de respostas securitárias e de curto prazo. Em vez de se investir na prevenção das causas da pobreza e das migrações forçadas, aposta-se em políticas de contenção. O resultado é um desfasamento cada vez mais visível entre o que as pessoas querem e o que os governos fazem.

Outros dados da sondagem ajudam a traçar este quadro.

65% dos portugueses acredita que o apoio a Países em Desenvolvimento pode reduzir a necessidade de imigração. Ainda assim, a narrativa dominante insiste em tratar a migração como um problema a conter, não como uma consequência de desigualdades estruturais que podem ser prevenidas. A maioria dos inquiridos acredita que as alterações climáticas são um fenómeno real, preocupante e potencializado pela ação humana. 73% defendem o fim do financiamento público a projetos que prejudicam o ambiente, mesmo que sejam realizados fora de Portugal. E, no entanto, continuam os apoios a atividades poluentes e incoerentes com os compromissos climáticos assumidos. 86% apoiam leis que exijam às empresas o respeito pelos direitos laborais ou ambientais em toda a cadeia de valor. Mas a legislação tarda e, com ela, a responsabilização das cadeias de produção globais.

Como interpretar este desfasamento entre as intenções dos cidadãos e as ações políticas? E o que fazer com esta vontade coletiva de mudança?

A resposta, acreditamos, passa pela Coerência das Políticas para o Desenvolvimento (CPD). Um conceito que pode parecer técnico e abstrato, mas que é na realidade traduzido de forma muito simples: garantir que todas as políticas – agrícola, comercial, securitária, climática e migratória – alinham com os princípios do desenvolvimento sustentável e com a dignidade humana. Que a ajuda prestada com uma mão não seja anulada pelas consequências de uma decisão tomada com a outra.

Falar de desenvolvimento é falar de direitos humanos, de justiça social, de sustentabilidade, de objetivos comuns e ambiciosos que permitam que todas as pessoas em todas as geografias possam aspirar a uma vida digna. A União Europeia e os seus Estados-Membros têm feito esforços nesse sentido, procurando alinhar as suas políticas com os princípios que proclamam solidariedade, paz, direitos fundamentais, justiça climática. Mas será que estamos, de facto, no caminho certo? Será que quem decide está a ouvir quem vive, quem sente, quem observa? Será que as políticas estão mesmo a responder às prioridades e expectativas das pessoas?

Mais do que nunca temos de agir e olhar para estas contradições de frente. Não basta ajudar com uma mão e retirar com a outra. A Coerência das Políticas para o Desenvolvimento é, na verdade, o alicerce do compromisso político e ético que o mundo exige? Porque é ela que nos obriga a perguntar: ajudamos?  Ou apenas… mais ou menos? Ajudar não é fazer mais ou menos. É fazer melhor. Coerência não é um detalhe. É o eixo do desenvolvimento.

NOTA:

Este artigo foi redigido com base em recursos produzidos no âmbito do projeto Coerência – O Eixo do Desenvolvimento”. O projeto Coerência – O Eixo do Desenvolvimentoé uma parceria entre a FEC e o IMVF com o cofinanciamento do Camões, I.P. As opiniões veiculadas no artigo são da responsabilidade exclusiva da equipa do projeto, não exprimindo posições institucionais nem vinculando qualquer instituição.

Técnica de projetos na FEC – Fundação Fé e Cooperação, mestre em Desenvolvimento e Cooperação Internacional pelo ISEG, onde realizou uma tese sobre a integração de abordagens baseadas em direitos humanos nos projetos de ONGD. Tem-se dedicado a projectos na área da Educação para o Desenvolvimento e Advocacia Social, onde participa em encontros com decisores nacionais e internacionais para discutir propostas concretas em prol do Desenvolvimento Sustentável

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