Traçado que foi o retrato demográfico de Portugal em 2011, com projecções ainda mais grisalhas para 2030, na conferência organizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, na passada semana, em Lisboa, temáticas relevantes e preocupantes foram discutidas não só por especialistas das mais diversas áreas, como pelo próprio público que, numa iniciativa inédita, aderiu significativamente ao toque de chamada para pensar o futuro antes que se torne tarde demais Os dias 14 e 15 de Setembro poderão ficar na história nacional como um elogio à participação cívica. Se, no sábado passado, o país saiu à rua para manifestar o seu descontentamento face ao presente do país, no Centro Cultural de Belém, António Barreto, o presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, abria a talvez mais original conferência de que há memória, com o mais do que adequado mote “as decisões que tomarmos hoje vão moldar o País em 2030”. O ciclo de conferências “Presente no Futuro – Os Portugueses em 2030”, que teve como base a análise e debate das tendências demográficas previstas para 2030 – com base em três cenários preparados especialmente para o evento (v. Caixa) – conseguiu reunir, em torno da questão demográfica, um vasto conjunto de temáticas associadas que convidaram à reflexão não só por parte dos mais de 60 oradores convidados, como também pela própria sociedade civil que esteve representada por cerca de 1200 anónimos, que não se importaram de pagar entre 20 a 30 euros para poderem participar num evento que primou pela organização – excelente – , diversidade e até pela estética. Ao longo de dois dias, quem visitou o CCB, parecia estar num microcosmos onde existia a preocupação com o futuro, mas também um intervalo precioso para, por momentos, deixar as dores presentes do país e acreditar que ainda há caminho. De acordo com a página oficial do evento, o evento procurou ser “um encontro de reflexão sobre os portugueses que somos e os portugueses que queremos ser”, tendo elegido quatro grandes temas por excelência para os próximos anos: o envelhecimento e o conflito de gerações; as famílias, trabalho e fecundidade; as desigualdades: povoamento e recursos; fluxos populacionais e projectos de futuro. Se o retrato demográfico de Portugal tem vindo a ser discutido e encarado com extrema preocupação por investigadores de várias áreas do conhecimento, se já é possível observarmos, enquanto cidadãos, uma população envelhecida e uma escassez de bebés (a taxa de fecundidade actual é de 1,37 por mulher), e se muitos debates têm analisado as consequências para a sustentabilidade do Estado social num país onde, em 2030, a população com mais de 50 anos poderá representar 50% da população (actualmente, a percentagem é de 38%) e na qual uma em cada quatro pessoas terá mais de 65 anos, a verdade é que os desafios demográficos não parecem fazer parte activa da agenda política do país. Assim, e face a estas projecções, o sociólogo António Barreto, que assinou um dos artigos presentes na brochura entregue aos participantes no evento, e fez eco de palavras similares na abertura do encontro, escreve que a sociedade em que viveremos, a um espaço de 20 ou quarenta anos, será substancialmente diferente da que hoje conhecemos: “sabemos já que não vai ser frequente encontrarmos crianças e adolescentes; que a maior parte da população terá mais de 50 anos; que as famílias continuarão a ter, em média, um pouco mais do que um filho por casal; que o interior e as zonas rurais do país estarão certamente muito mais abandonadas e despovoadas; que um grande número das escolas básicas actuais e muitas secundárias terão fechado; que talvez várias universidade tenham de encerrar; que vai ser necessário construir mais centros de saúde, mais hospitais e mais escolas nas áreas metropolitanas e no litoral, enquanto deverão fechar muitas dessas instituições no interior; que as necessidades em medicina geriátrica e em cuidados paliativos serão muito maiores; que haverá muitas mais instituições públicas e privadas especializadas no acolhimento de idosos a viverem sozinhos e que os agregados familiares terão, em média, duas pessoas ou menos. E sabemos também que o mais provável é que o estado de protecção social conheça sérias dificuldades, dado que o número de activos contribuintes para a Segurança Social será mais ou menos igual ao de pensionistas. Essa relação, que seria de 1 para 1, é hoje de 1,7 para 1, o que já é fonte de preocupação e caso raro no mundo ocidental”. Face a este cenário muito pouco animador, mas muito provável, António Barreto “justificou”, sem o necessitar, na verdade, os motivos que levaram a fundação a que preside a “discutir o que será dos portugueses daqui a 20 ou 30 anos”, numa altura em que lá fora “no país e na sociedade, se vivem momentos difíceis, aflitivos”, o que poderá “parecer absurdo, mas não é”, afirmou. “Prever, projectar e antecipar as próximas décadas destina-se a cuidar de um bem valioso: a liberdade de escolha”. E foi com estas palavras que António Barreto deu lugar ao primeiro plenário do dia, que esteve a cargo de Carl Haub, demógrafo e investigador visitante no Population Reference Bureau (PRB) em Washington D.C.
“Seja qual for a solução, esta terá de ser abordada agora, pois já se deixou passar demasiado tempo” Todavia, e tomando como exemplo os Estados Unidos, cuja taxa de natalidade se manteve estável durante décadas muito à custa dos imigrantes, este não estão também isentos deste fenómeno. As mulheres americanas já não têm, em média, 2,1 filhos (o necessário para que a reposição geracional seja assegurada), cifrando-se esta agora nos 1,9. Ou seja, e como afirma o investigador, a maioria da população americana – branca e não hispânica – teve, em termos demográficos, em 2011, uma “aparência” muito similar à europeia. E, no que respeita aos imigrantes, outrora fontes seguras para o crescimento populacional, o panorama também está em mutação: um bom exemplo é a Alemanha, onde as mulheres turcas (pertencentes a uma das maiores comunidades de imigrantes no país) já têm, em média, apenas dois filhos. Se a grande maioria dos países desenvolvidos europeus segue a mesma tendência de baixos índices de fertilidade, o mesmo está a acontecer nos países desenvolvidos da Ásia, nomeadamente no Japão, na Coreia do Sul, no Taiwan ou em Singapura. Mas e tomando como ponto de referência a Europa, continente no qual a taxa média de fertilidade é de 1,9, apenas em três países – Letónia (1,1), Hungria e Bósnia-Herzegovina (1,2) –nascem menos crianças do que em Portugal (1,3). O recordista europeu dos nascimentos é a Irlanda, com 2, 1, o valor mínimo considerado pelos demógrafos para assegurar a manutenção da população na geração seguinte, seguida de perto pela França, Islândia e Reino Unido, com dois filhos em média por mulher. Quanto a Portugal, não só um dos países mais envelhecidos da Europa, como também do mundo, a taxa de natalidade alterou-se substancialmente nas últimas décadas: em 1970, 3 era o número médio de filhos por mulher, sendo que, em 2010, o mesmo declinou para 1,37. Por outro lado, e seguindo também uma tendência comum aos demais países desenvolvidos, as mulheres portuguesas têm, em média, o primeiro filho por volta dos 30 anos (de acordo com dados do Pordata, o número é de 28,6, mais quatro anos comparativamente ao que acontecia há 20 anos). Tudo isto está em linha com as alterações significativas no que respeita aos casamentos, divórcios e formação da família: menos casamentos e mais tardios, mais divórcios, gerações mais jovens com um leque alargado de escolhas ou, como sublinhou o demógrafo, “maior investimento em nós mesmos durante um período mais largado de tempo”, mais nascimentos fora das uniões formais e a lista poderia continuar. Dando um “pulo” para o outro lado da pirâmide que, cada vez mais, se assemelha antes a um rectângulo, o demógrafo começou por afirmar que o dividendo demográfico está a enfraquecer significativamente ou, em termos mais simples, que o número de activos que podem sustentar os mais idosos está em declínio. A maioria das pessoas na Europa reforma-se antes dos 65 anos e vive cada vez mais, em média, acima dos 80 anos. Ou seja, mais saudáveis, com muito mais anos para gozar a reforma e com uma esperança de vida igualmente mais “saudável”, os mais velhos começam agora a assistir à pouco popular medida para se aumentar as idades da reforma, pois o número de trabalhadores para suportar idosos e reformados começa a escassear. E, sem “sangue novo”, obviamente que a tendência só se tende a agravar. Ter dois filhos seria a situação ideal para que a sociedade portuguesa pudesse atingir a estabilidade demográfica nas próximas décadas mas, e como salientou o orador, mesmo que todas as famílias tivessem hoje dois filhos, não seria possível inverter a diferença entre a taxa da natalidade e a da mortalidade antes de um período de pelo menos 15 anos. E não se vislumbram, sequer, quaisquer sinais de recuperação. Também de acordo com dados do Pordata, em 1960, existiam 27 idosos por cada 100 jovens, ao passo que em 2011, o rácio inverte-se, e muito, para 129 idosos por 100 jovens. Imigração poderia ser solução se… empregos existissem Assim, para além do facto de a imigração está igualmente em declínio em Portugal – 4% da população residente em Portugal é estrangeira, valor inferior ao da média da União Europeia que é de 7% – para Carl Haub, esta solução apenas poderia surtir efeito se existisse emprego. Assim, e tal como António Barreto referiu na sessão de abertura do evento, “Portugal pode perder entre 10 a 30% da sua população nos próximos 20 a 30 anos” e, se no futuro se mantiver a baixíssima taxa de natalidade, o país terá, em 2030, cada vez menos jovens e uma população cada vez mais envelhecida, em redor dos 80 anos. E. como sintetizou o especialista demográfico num artigo também disponibilizado no evento, “se os esforços para encorajar grandes famílias falharem e à medida que diminui o número de trabalhadores para suportar os reformados e idosos, foi e será sugerida a proposta pouco popular de aumentar as idades de reforma” e utilizar o dinheiro poupado no apoio às famílias para que tenham mais filhos. E acrescenta: “vários anos de baixas taxas de natalidade prepararam o terreno para novas questões e decisões políticas”, rematando que “seja qual for a solução, esta terá de ser abordada agora, pois já se deixou passar demasiado tempo”.
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