Muito se tem escrito sobre como aumentar os níveis de felicidade no trabalho, dada a enorme insatisfação laboral que afecta muitos trabalhadores por esse mundo fora. Mas, por vezes, são pequenas grandes coisas – que todos podemos fazer para nos ajudarmos a nós próprios e também aos que connosco partilham uma boa parte dos dias – que fazem a diferença. Generosidade, resiliência, propósito e compromisso são características que podem ser reforçadas e trabalhadas no sentido de nos sentirmos menos infelizes no local onde passamos uma grande fatia das nossas vidas
POR HELENA OLIVEIRA

O The Greater Science Center, sediado na Universidade da Califórnia, em Berkeley, que se dedica ao estudo da psicologia, sociologia e neurociência do bem-estar, publicou os resultados de um inquérito online, respondido até agora por mais de seis mil pessoas de várias partes do mundo e em diferentes sectores e profissões, sobre o que realmente pode aumentar (ou diminuir) os níveis de felicidade no trabalho.

Dado que os resultados foram – e como já não é surpresa – abaixo do desejável, o centro de estudos oferece sugestões relativas aos quatro mais importantes tópicos que norteiam a felicidade no local do trabalho: o propósito – o sentimento de que o nosso trabalho está em linha com os nossos valores primordiais e que, de forma significativa, contribui para algo para além de nós mesmos; o envolvimento – o facto de nos sentirmos curiosos, interessados e inspirados e de nos dedicarmos a fazer progressos nas tarefas que executamos todos os dias; a resiliência – ou a capacidade de sabermos lidar com obstáculos e dificuldades mediante formas que estimulem a aprendizagem e o crescimento na nossa carreira; e a bondade (ou generosidade) – ou o clima social que é genuinamente acolhedor, que nos apoia e no qual confiamos e no qual passamos uma grande parte das nossas vidas.

O VER partilha as principais conclusões e sugestões deste Centro de Conhecimento para que o local de trabalho não seja factor de stress e adversidade, listadas na sua revista online, a Greater Good Magazine (GGM).

A bondade no trabalho compensa, para nós e para os outros

Quando as pessoas reportam a generosidade no local de trabalho, fazem-no em modo biunívoco: ou seja, tal inclui agir de forma benévola para com os outros e também ser tratado com essa mesma bondade. Entre os quatro aspectos sublinhados como os mais cruciais para um ambiente de trabalho saudável, a bondade ou genrosidade foi a que teve uma pontuação mais baixa, sendo que se revelou igualmente aquela que menos afectada é pela indústria em causa ou pela posição que o respectivo “trabalhador-respondente” ocupa. Ou, e por outras palavras, a bondade é mais determinada pela cultura que os trabalhadores criam em conjunto do que pela própria natureza do trabalho.

No questionário já citado, é pedido às pessoas que indiquem em que sectores trabalham e que posições ocupam no mesmo. De forma não surpreendente, as pessoas que trabalham em organizações sem fins lucrativas e no sector da saúde – e onde cuidar do outro faz parte integrante da sua missão – revelaram uma maior tendência para reportar níveis mais elevados de generosidade e carinho no seu local de trabalho. Por outro lado, aqueles que possuem maior liberdade, poder ou dinheiro – o que inclui os trabalhadores independentes, aqueles com salários mais elevado e as pessoas que se posicionam nos degraus mais altos da escada da gestão – são também os que reportam maiores níveis de generosidade. Tal pode ser eventualmente explicado porque as posições mais destacadas que ocupam recebem mais cortesia e deferência por parte dos outros ou porque (no caso dos independentes) têm mais hipóteses de escolher com quem trabalhar.

Todavia, e de acordo com a GGM, estas diferenças não são significativas. Ou seja, existiu uma maior variabilidade no que respeita à generosidade no interior das indústrias e das próprias funções, o que são boas notícias para os que não são empregados de organizações sem fins lucrativos ou CEOs, o que sugere também que todos nós somos detentores de alguma ambiguidade.

Como avança a GGM, e de acordo com vários estudos de práticas positivas no trabalho conduzidas por Kim Cameron no Michigan Center for Positive Organizational Scholarship, os comportamentos respeitosos, amigáveis e que contribuem para o apoio entre pares são treináveis, como qualquer outro hábito. Os líderes podem avaliar a sua própria cordialidade ou energia relacional – ou seja, o quão inspiradas e revigoradas (ou pelo contrário, esgotadas ou exaustas) as pessoas se sentem depois de interagirem com eles – e serem treinados para melhorar as suas competências interpessoais. A revista do Greater Science Center assegura também que as organizações são capazes de estimular a bondade oferecendo formação em compaixão, enquanto os indivíduos podem tentar práticas úteis como as que se seguem:

  • Actos casuais de bondade, o que envolve fazer, propositadamente, algo que alegre ou beneficie alguém durante o dia de trabalho;
  • Capitalizar os acontecimentos positivos através de conversas com os colegas perguntando-lhes sobre as experiências proveitosas que tiveram e ajudando-os a reafirmarem as implicações positivas resultantes das mesmas;
  • Expressar gratidão no trabalho de uma forma calorosa, seja verbalmente ou por escrito.
  • Lembretes” de conexão, os quais consistem em exercícios que podem ajudar os colegas a adoptar uma “humanidade comum” e espírito de equipa, sentimentos que tornam mais fácil a expressão de sentimentos de carinho ou bondade.

Apesar do estereótipo de “ambientas de cortar à faca” ser ainda comum em muitos locais de trabalho, é possível fomentar a bondade nos mesmos, com vantagens óbvias para todos. Todavia, e de acordo com os resultados do inquérito, a maioria das empresas não está a apostar neste tipo de incentivo ou a treinar a generosidade como uma competência ou valor, apesar dos benefícios notáveis para a felicidade no trabalho.

É possível aumentar a resiliência no trabalho

A resposta è resiliência por parte dos respondentes ao inquérito – que teve uma pontuação ligeiramente superior à da bondade – demonstrou um padrão similar, com diferenças mínimas entre indústrias e funções.

Tal como a bondade, foram as pessoas no sector dos cuidados de saúde, bem como os trabalhadores com maior liberdade e status, os que reportaram possuir uma maior resiliência. Todavia, o mesmo já não acontece com os que trabalham no sector não lucrativo, apesar de não existirem dados suficientes que expliquem esta conclusão. Entretanto, uma ampla variedade de indústrias e de funções demonstraram níveis similares de resiliência. Por exemplo, as pessoas do sector dos transportes são tão resilientes como as que trabalham nas áreas da gestão e das finanças.

Este padrão de pontuações sugere que as pessoas estão muito provavelmente a confiar na resiliência mínima necessária para funcionar em qualquer que seja o local de trabalho onde se encontram. Os dados não sugerem que existam locais de trabalho que estejam a encorajar ou a treinar os seus empregados em resiliência, apesar de todas as ocupações gozarem de algum tipo de stress. E com uma atenção deliberada e algum investimento, esta é uma área com espaço para crescer.

Uma prática que poderá fortalecer a resiliência é pedir ajuda no trabalho, para que a lista de tarefas e responsabilidades seja menos esmagadora e para que nos sintamos apoiados pelos colegas.UmaInvestigação levada a cabo por Francis J. Flynn, de Stanford, demonstra que, de uma forma rotineira, subestimamos o interesse das outras pessoas, bem como a sua disponibilidade, para nos ajudarem, ao mesmo tempo que existe um abundante corpo de pesquisa que assevera que ajudar os outros é extremamente recompensador. É que apesar de “muita conversa fiada”, a verdade é que as pessoas gostam e conferem significado facto de poderem ajudar os seus pares.

Uma segunda opção é juntarmo-nos à onda de empresas de organizações e empresas que está a incorporar o mindfulness no quotidiano laboral para criar culturas de clareza, autenticidade e cuidado. A prática do mindfulness pode ser tão simples quanto inspirar profunda e calmamente a caminho de uma negociação tensa, ou tão complexa quanto a oferta de sessões intrincadas e codificadas ao longo do dia de trabalho.

Um obstáculo à resiliência é o ser-se workaholic o que, e de acordo com especialistas como Jeffrey Pfeffer, causa um stress avassalador ao mesmo tempo que não oferece vantagem alguma à produtividade. Os especialistas em comportamento organizacional estão crescentemente a sublinhar a importância da harmonia entre vida pessoal e profissional – ou seja, a difícil arte de equilibrar o tempo e o esforço realizados no trabalho e a possibilidade de “desprender” ou passar tempo longe do mesmo. E são muitos os estudos que sublinham os benefícios da inactividade, incluindo as férias, para o nosso bem-estar de longo prazo no trabalho.

O que podemos aprender a partir de profissões naturalmente movidas a propósito

Comparativamente aos quatro domínios em causa, os sentimentos dos respondentes no que respeita ao propósito no trabalho foram os que obtiveram pontuação mais elevada. O que sugere que, quando pensamos no bem-estar no trabalho, os nossos valores e o contributo do que fazemos para a sociedade são extremamente importantes.

O propósito parece surgir naturalmente em certas profissões e funções. Os respondentes ao inquérito demonstraram níveis elevados de propósito em profissões como a dos cuidados de saúde e humanos, ou em funções mais seniores. As pessoas com empregos menos prestigiados, estáveis e autónomos, tal como as vendas, o retalho ou o trabalho temporário, foram as que pontuaram menos no que respeita a este sentimento.

Se por acaso se trabalha numa profissão em que é necessário cuidar dos outros, torna-se decerto mais fácil perceber de que forma é que o trabalho contribui para a sociedade. Todavia, e para o resto de todos nós, manter um sentimento de propósito no trabalho pode ser um esforço deliberado.

Felizmente, os estudos sugerem que independentemente da função que exercemos, é possível reforçar o nosso sentido de propósito reflectindo sobre como fazemos o que fazemos, ou sobre o que a nossa organização faz para contribuir para algo com o qual nos importamos. Poderá ser o estado do conhecimento humano, a paz mundial, a sustentabilidade ambiental, o storytelling, a expressão criativa, a beleza estética ou os avanços tecnológicos. Considerar deliberadamente de que forma é que os nossos esforços diários servem e contribuem para um valor central, geralmente para além do nosso próprio auto-interesse, contribui para reforçar e engrandecer o nosso sentido de propósito no trabalho.

Se por acaso exerce funções de liderança, é possível inspirar o propósito na organização através de um inquérito alargado sobre os seus valores, e convidando colegas a trabalhar em conjunto para fazer corresponder o produto ou o serviço fornecido a esses mesmos valores.

Quando o objective é aumentar os níveis de felicidade no trabalho, é necessário concentrarmo-nos tanto na forma mais alargada de acordo com a qual pensamos no mesmo, como também nos nossos sentimentos diários relativamente às tarefas que executamos. As práticas de bondade e a resiliência estão mais interligadas com as experiências quotidianas no dia-a-dia laboral, ao passo que cultivar o propósito poderá alterar o sentido mais vasto inerente ao trabalho que realizamos

Mais paixão e autonomia ajudam ao compromisso

O que confere maior envolvimento com o trabalho? De acordo com o inquérito, sentimo-nos mais imersos e curiosos com o trabalho quando somos donos de um propósito maior e de liberdade.

Tal como nos tópicos anteriores, os respondentes que afirmaram sentir-se mais comprometidos com o seu trabalho pertencem às profissões relacionada com os cuidados de saúde e humanos ou são aqueles que têm funções mais flexíveis e autónomas (enquanto trabalhadores independentes ou como partners). Os trabalhadores com menos controlo sobre as suas tarefas diárias, tal como os temporários ou os que têm funções administrativas, foram os que revelaram menores níveis de envolvimento e compromisso. E, mais uma vez, não se encontraram diferenças consistentes entre diferentes indústrias e funções.

Os dados sublinham igualmente uma sobreposição entre sentirmo-nos envolvidos com o trabalho e termos sentido de propósito e auto-direccionamento. Em linha com os resultados do inquérito, diversos estudos demonstram que as empresas que accionam políticas e práticas que conferem aos empregados um maior controlo e autonomia, como por exemplo condições de flexibilidade laboral, tendem a aumentar os seus níveis de compromisso e, por isso, a felicidade no trabalho acaba por funcionar para todos.

Enquanto líder, pode igualmente promover a auto-direcção convidando os seus empregados a descobrirem os seus pontos fortes e, de seguida, oferecer-lhes a oportunidade de reformular as suas tarefas laborais para ir ao encontro dos mesmos. É igualmente possível encorajar os empregados a inovar nos procedimentos inerentes ao trabalho que realizam e designar tempo e espaço para um pensamento criativo não estruturado, para aprendizagem profissional e para o seu crescimento. Os líderes podem igualmente demonstrar confiança e contar com os seus empregados para colaborarem no processo de tomada de decisão, delegando mais e discutindo os progressos, as orientações estratégicas e os objectivos organizacionais em conjunto.

Obviamente que não temos controlo sobre todos os factores que contribuem para a felicidade no trabalho, sendo que a desigualdade estrutural esteve patente no questionário em causa. As pessoas de baixos rendimentos afirmaram-se menos felizes no trabalho nas quatro categorias avaliadas. Foram igualmente encontradas diferenças entre grupos étnicos, o que muito provavelmente está relacionado com os preconceitos que as pessoas trazem para o ambiente laboral e com a forma como as normas culturais são experienciadas no mesmo. A boa notícia é que todos os aspectos que compõem a felicidade no trabalho melhoram à medida que se vai ficando mais velho.

Apesar de ser possível trabalhar para alterar as políticas societais que afectam o bem-estar no trabalho, as evidências sugerem igualmente que todos – desde os trabalhadores temporários até aos executivos de topo – podem dar passos no sentido de um local de trabalho mais satisfatório. Não existe nenhuma abordagem única que sirva como bitola, mas é possível aumentar a felicidade através de uma conexão explícita e uma integração do propósito e significado nas tarefas que desenvolvemos todos os dias, treinando competências que fortaleçam a nossa resiliência e cuidado para com os outros e defendendo e assumindo mais autonomia e auto-direccionamento no trabalho que executamos.

Apesar de ser facilmente assumível que a felicidade é derivada de feitos específicos como uma promoção ou o lançamento de um produto, as conclusões mostram que não é bem assim. É possível perseguir a felicidade colocando o enfoque nos nossos sentimentos, comportamentos e hábitos mentais quotidianos, os quais fazem toda a diferença nos 50 por cento de tempo em que estamos acordados e o passamos a trabalhar.

FONTE: How Happy Are People at Work?

Editora Executiva