Os dados constam do mais recente relatório publicado pela UNICEF e que analisa as políticas de conciliação família-trabalho em 41 países. Portugal encontra-se no conjunto de países que melhor leva em conta as prioridades necessárias a um bom desenvolvimento das crianças nos seus primeiros anos de vida e à protecção necessária das mulheres relativamente à sua situação profissional. Outros estudos comprovam também que, apesar de complexo, cuidar dos filhos sem deixar de trabalhar é a situação ideal para a maioria de mães e pais, mas que as gerações mais jovens interpretam de forma diferente o que significa este equilíbrio entre vida pessoal e vida profissional
POR HELENA OLIVEIRA
As crianças usufruem de um melhor início de vida e os pais têm melhores oportunidades para equilibrar trabalho e vida familiar em países que praticam políticas amigas da família. A declaração é óbvia, mas as diferenças existentes entre 41 países analisados, pertencentes à OCDE e à União Europeia, são notórias. A boa notícia é que Portugal se encontra na 5ª posição deste ranking, atrás da Suécia, Noruega, Islândia e Estónia, mas e no top 10, à frente de países como a Alemanha, a Dinamarca ou a França.
Os dados são do mais recente relatório publicado pela UNICEF, intitulado “Are the world’s richest countries family friendly?”, com esta interrogação a ter como resposta um “não”: países ricos como os Estados Unidos, por exemplo, e que é o último classificado nos 41 países analisados, não usufrui de qualquer licença de maternidade ou paternidade estatutária e paga, sendo, na verdade, o único país a não ter quaisquer políticas amigas da família, representando sempre o pior exemplo nesta matéria. Todavia e de acordo com a Unicef, também alguns dos demais países ricos falham na oferta de soluções abrangentes para as suas famílias.
Focando-se em duas políticas por excelência – licença de parentalidade e educação “precoce” para as crianças e cuidados para as mesmas em idade pré-escolar e analisando estas políticas em 41 países de rendimentos elevados e médios pertencentes à OCDE e à UE, e tendo em conta os dados comparativos mais recentes, o presente relatório é abrangente e confere uma imagem clara da temática em causa. A análise inclui igualmente taxas nacionais de amamentação e a qualidade da educação pré-escolar, nos casos em que existem indicadores comparáveis, excluindo, contudo, outros elementos das políticas relacionadas com a família, como a atribuição de subsídios por nascimento ou abonos de família, de forma a restringir o âmbito do relatório às questões que mais intimamente relacionadas estão com o equilíbrio entre vida profissional e familiar.
É sabido que as licenças de maternidade, paternidade ou parentalidade encerram uma enorme importância no apoio a famílias durante os primeiros anos da vida dos seus filhos. A licença de maternidade ajuda as mães a recuperarem do período de gravidez e do parto, ao mesmo tempo que contribui grandemente para o estabelecimento e estreitamento dos laços com os seus bebés. E licenças pagas ajudam as mulheres que trabalham a manterem os seus rendimentos e a ligação com o mercado de trabalho, apesar dos especialistas alertarem para o facto de que licenças muito longas poderem ter o efeito contrário. O mesmo acontece com as licenças gozadas pelos pais, na medida em que esta promove uma distribuição mais equitativa dos cuidados a ter com os bebés, ajudando também a fortalecer os laços com os filhos desde a mais tenra idade. Quinze dos 41 países auscultados ratificaram a Convenção sobre a Protecção da Maternidade (de 2000) da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a qual recomenda pelo menos uma licença de 14 semanas para as mães e um conjunto de medidas adicionais para proteger as condições laborais das mulheres.
Já quando as licenças de maternidade terminam, a educação pré-escolar, de qualidade, é condição por excelência para a socialização das crianças e do desenvolvimento das suas competências, ao mesmo tempo que é essencial para ajudar os pais a reconciliar os seus papéis enquanto pais e profissionais. Neste âmbito, e na primeira infância, até aos três anos, Portugal ocupa a 7ª posição no ranking, descendo para o 11º lugar no que respeita à educação pré-escolar. Dados revelados esta semana, contudo, alertam para o facto de, em 35 concelhos, um terço dos quais nos arredores do Porto, mais de 77% das crianças até aos três anos não têm lugar numa creche ou ama, o que a ser provado, piora decerto o desempenho de Portugal nesta matéria. Não esquecer igualmente que um dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável é o de, e até 2030, “garantir que todas as meninas e meninos tenham acesso a um desenvolvimento de qualidade na primeira fase da infância, bem como cuidados e educação pré-escolar, de modo que estejam preparados para o ensino primário”.
As políticas amigas da família devem igualmente promover e assegurar o direito à amamentação, o que traz benefícios tanto para as mães como para os bebés. Tanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) como a UNICEF recomendam que as mães iniciem a amamentação uma hora a seguir ao nascimento e que este se estenda até pelo menos aos seis meses, de forma a que os bebés atinjam um crescimento e desenvolvimento saudáveis.
Os 41 países analisados utilizam combinações diferenciadas de licenças parentais e educação pré-escolar para ajudarem os pais a cuidar dos filhos ao mesmo tempo que prosseguem com as suas carreiras profissionais. A principal “liga” da tabela que inclui 31 países avalia-os de acordo com quatro indicadores por excelência: a duração da licença paga disponível para as mães; a duração da licença paga reservada especificamente para os pais; a quota de crianças menores de três anos de idade em creches e a quota de crianças entre os três anos e a idade obrigatória para iniciarem o seu percurso escolar.
Entre os países ricos, a duração de uma licença paga de maternidade varia consideravelmente. A Estónia, que precede Portugal no top 5 dos países “mais amigos da família” é recordista no número de dias de licença paga atribuídos com 72 semanas comparativamente à média de 18 semanas nos países da OCDE e de 22 semanas em vários estados-membros da União Europeia (situação similar à que acontece em Portugal, com a licença de maternidade a ser atribuída por um período até 120 dias e remuneração a 100% ou 150, remunerada a 80%). Do outro lado da escala, a Austrália, a Irlanda, a Nova Zelândia e a Suíça oferecem menos de 10 semanas. Em 14 dos 41 países que constam do relatório e apesar do cálculo variar, a licença de maternidade é paga na totalidade.
Como sabemos, a licença de paternidade não é tão ampla quanto a sua “congénere” feminina. Dos 41 países inquiridos, 26 oferecem esta possibilidade aos pais contra 40 que a consagram às mães, sendo a excepção e como já mencionado, os Estados Unidos. Portugal, como sabemos, tem uma boa prestação neste item, posicionando-se em 3º lugar entre os países analisados, com o Japão e a República da Coreia a ocuparem as duas posições cimeiras. No total dos países da OCDE, são ainda muito poucos os pais que optam por tirar esta licença.
Equilíbrio é difícil, mas pais e mães afirmam que trabalhar é situação ideal
Equilibrar as responsabilidades existentes no trabalho e na vida “em casa” consiste num desafio complexo para os pais e mães que estão no activo e que têm filhos com idades inferiores a 18 anos. De acordo com um outro estudo realizado também recentemente, pelo Pew Research, cerca de metade dos entrevistados confessa o facto de que trabalhar dificulta “serem bons pais” e uma percentagem muito similar declara, por seu turno, que não consegue dar 100% no trabalho por ter crianças ao seu cuidado. Apesar dos respondentes serem dos Estados Unidos, os seus sentimentos espelham, muito provavelmente, o que se passa nos demais países desenvolvidos, como o facto de serem as mulheres as que mais afirmam que ser mãe e trabalhar complica, em muito, o seu avanço em termos de carreira.
Quando questionados sobre desafios específicos que enfrentam no trabalho ao tentarem equilibrar o trabalho e as responsabilidades parentais, cerca de metade das mães trabalhadoras a tempo inteiro referiu a necessidade de diminuir o seu horário laboral para se sentirem como “boas mães”, ao mesmo tempo que admitem não conseguir cumprir as 100% as suas funções laborais, o mesmo acontecendo com os pais, se bem que numa percentagem mais pequena. Cerca de um em cada cinco pais e mães trabalhadores admitiu ter já recusado uma promoção devido à necessidade de equilibrar ambas as responsabilidades.
A discriminação por se ter filhos é ainda uma realidade no mundo do trabalho. As queixas vêm tanto da parte de mães como dos pais, ao declararem que, por terem crianças a seu cargo, são tratados como se não estivessem comprometidos com o trabalho ou que foram preteridos em relação a outros colegas no que respeita a assumirem uma função importante ou a receberem uma promoção, com as mulheres a apontarem estes actos discriminatórios com maior frequência do que os homens.
Todavia e mesmo assim, a maioria de homens e mulheres com filhos menores de 18 anos afirma que estar empregado neste período das suas vidas é de extrema importância, com 51% das mães trabalhadoras a preferirem – e mesmo com as dificuldades inerentes ao equilíbrio – trabalhar a tempo inteiro, 30% a considerarem que um part-time seria uma melhor opção e 19% a confessarem que preferiam não ter qualquer compromisso profissional nesta período em particular das suas vidas.
Quando questionados de uma forma mais geral sobre qual será a situação ideal para homens e mulheres com filhos pequenos – e não sobre o que é melhor para si mesmos pessoalmente – cerca de três quartos (76%) dos respondentes considera que trabalhar a tempo inteiro é a situação ideal para os pais, com apenas 33% a considerar o mesmo para as mães. Cerca de quatro em cada 10 inquiridos (42%) acredita que o trabalho em part-time é a situação ideal para mulheres com filhos pequenos, com 21% a optar por considerar que não trabalhar de todo seria melhor.
No que respeita aos vários segmentos etários, quotas similares dos que têm idades entre os 18 e os 29 anos (35%), entre os 30 e os 49 anos (37%) e entre os 50 e os 64 anos concordam que trabalhar a tempo inteiro é a situação ideal para mulheres com crianças de tenra idade, com 21% dos que têm 65 anos ou mais a concordarem também com este cenário.
Entre as mães que trabalham a tempo inteiro e que têm filhos pequenos, 45% concordam igualmente que tal é o melhor que têm a fazer, como uma percentagem similar (41%) a considerar que um part-time é mais indicado e 11% a elegerem não trabalhar de todo como o cenário ideal.
Novas gerações encaram conciliação de forma diferente
Numa pesquisa efectuada pela Harvard Business School e pelo Boston Consulting Group, e que incluiu 11 mil trabalhadores e 6500 líderes de negócios, a vasta maioria dos respondentes declarou que entre os novos desenvolvimentos que mais urgentemente estão a afectar os locais de trabalho são as expectativas dos trabalhadores relativamente a uma maior autonomia e flexibilidade, ao trabalho remoto e a um melhor equilíbrio entre vida profissional e pessoal.
Uma das razões apontadas para estes novos “desejos” prende-se, como não poderia deixar de ser, com a tecnologia, na medida em que as gerações mais novas, ao terem consciência de que estão sempre “disponíveis” e acessíveis, não entendem a necessidade de estarem sentados num escritório ao longo de várias horas. Mas a razão que mais parece prevalecer nestas expectativas prende-se exactamente com o facto de estes trabalhadores mais jovens estarem, no geral, a contrair casamento e a terem filhos mais tarde, investindo nestes anos de “adiamento” muito tempo e dedicação às carreiras. Muitos estão também na idade em que são obrigados a tomar conta dos seus ascendentes, em conjunto com os filhos, e a ideia de terem horários rígidos não se coaduna com aquilo que pensam sobre trabalho e produtividade.
Assim, e para a geração millennial, a ideia de conciliar família e trabalho assume-se prioritária, tal como nas gerações que a precedem, mas com contornos diferentes. Muitos deles assistiram também à luta dos seus pais travada com empregadores inflexíveis ou com empregos instáveis e também convém lembrar que esta geração foi a primeira que cresceu com mulheres que entraram, em grande número, na força de trabalho há umas décadas passadas. Muitos jovens sabem também o que significou para os pais perderem empregos ou poupanças durante a Grande Recessão e a verdade é que não esperam ter “um trabalho para a vida”, nem uma lealdade duradoura por parte dos seus empregadores. Assim, e à medida que o trabalho se torna mais diversificado, não só as mulheres, mas também os homens, insistem em reivindicar melhores políticas de equilíbrio entre família e trabalho, na medida em que sentem, e expressam livremente a ideia de que “a vida é muito mais do que trabalho”.
Editora Executiva