Face às actuais restrições financeiras, “mais do que falarmos em montantes financeiros, é necessário apostar na melhoria dos aspectos qualitativos” da Ajuda e da Cooperação para o Desenvolvimento. Portugal “necessita de uma estratégia clara” nesta área, “onde se definam prioridades, compromissos e metas”, defende, em entrevista ao VER, o director executivo da Plataforma Portuguesa das ONGD, a propósito da recente Carta Aberta enviada ao Governo e da Reunião sobre Eficácia da Ajuda decorrida há dias, na Coreia do Sul
A Plataforma Portuguesa das ONGD manifestou numa Carta Aberta enviada ao Governo as suas preocupações quanto ao futuro das políticas públicas de Cooperação e Educação para o Desenvolvimento. Na sequência dos “avanços positivos” que se verificaram na Reunião de Alto Nível sobre Eficácia da Ajuda, recentemente realizada em Busan, na Coreia do Sul – avanços estes que foram incorporados na Declaração Final da Cimeira, e que incluem o reconhecimento da importância do papel da Sociedade Civil para a Eficácia da Ajuda -, Pedro Cruz, director executivo da Plataforma, congratula-se, em entrevista ao VER, com a renovação do empenho de Portugal no cumprimento dos compromissos internacionais nesta matéria. Mas lamenta que “muito haja ainda a fazer, ao nível por exemplo da previsibilidade dos financiamentos ou da disponibilização de informação sobre os projectos executados, e das verbas que cada Ministério canaliza para acções de Cooperação. Para a organização, o “já longo período de indefinição que vivemos” relativamente ao novo modelo organizativo da Cooperação Portuguesa e às orientações estratégicas que serão adoptadas para esta área, “tem provocado uma crescente apreensão para todos os que, há muitos anos, trabalham sustentadamente para que Portugal dê um contributo válido e efectivo no esforço global de luta contra a pobreza e por um Desenvolvimento Global mais harmonioso, assente numa defesa e promoção por Direitos Humanos, que estão muito longe de estar adquiridos em muitos países”. Reconhecendo que a crise internacional domina o nosso quotidiano e a reorganização na arquitectura institucional do sector público criou um clima de indefinição e apreensão quanto ao futuro de várias áreas em que a sociedade civil tem um papel central, a Plataforma Portuguesa das ONGD, que representa 69 Organizações Não Governamentais de Desenvolvimento, defende que “é principalmente nestes momentos que não podemos apenas olhar para dentro, ainda mais quando as raízes desta crise económica e social têm, em muitos casos, origem em factores externos. Nas preocupações manifestadas em Carta Aberta, a 25 de Novembro último, ao Primeiro-Ministro, ao Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros e ao Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, a organização considera que a Cooperação para o Desenvolvimento é “um factor essencial” para combater a crise mundial, principalmente no que concerne a vertente qualitativa da ajuda prestada, e não tanto a canalização de mais verbas para esta área: “falamos em questões como a Harmonização, a Apropriação Democrática, a Transparência e a Previsibilidade. A discussão sobre estes conceitos e a importância da sua aplicação percorreu já um longo caminho, com algumas evoluções muito positivas mas em que, sobretudo, se nota que só não se conseguiu ir mais longe devido a problemas de decisão política”, lê-se no documento. Na Carta Aberta defende-se ainda que “transportando alguns dos princípios da Eficácia da Ajuda para o contexto nacional e europeu, a falta de definição de uma estratégia clara para as áreas da Cooperação e Educação para o Desenvolvimento e a ausência de informação institucional sobre, por exemplo, o futuro das linhas de financiamentos públicos disponíveis para projectos da iniciativa de ONGD, põem desde logo em causa a transparência necessária e a previsibilidade das acções. Por outro lado poderá também haver consequências negativas relativamente à apropriação dos programas de Cooperação de Portugal por parte dos nossos países parceiros”. Finalmente, a fusão entre o Instituto Camões e o Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento “impede que haja uma clara harmonização das intervenções com as práticas dos outros países doadores, sobretudo os parceiros europeus”. Conclusão: se Portugal apresenta neste momento uma imagem interna “que parece contrariar os princípios que pretendemos aplicar na Ajuda ao Desenvolvimento, pode pôr-se em causa a boa imagem internacional que conquistámos na área da Cooperação e o nosso empenho em cumprirmos os compromissos internacionais assumidos”. O apelo da Plataforma Portuguesa das ONGD ao Governo vai ser discutido numa reunião entre a Direcção da Plataforma e o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação que estava agendada para esta Segunda-feira, mas o encontro foi adiado para a próxima Sexta-Feira, 9 de Dezembro.
A Plataforma Portuguesa das ONGD manifesta na sua Carta Aberta ao Governo preocupações quanto ao futuro das políticas públicas de Cooperação e Educação para o Desenvolvimento. Concretamente, quais são essas preocupações e em que matérias urge melhorar a eficácia da ajuda? O segundo é a tendência que temos verificado de imiscuir a política de internacionalização da economia naquilo que é a Cooperação para o desenvolvimento. De acordo com os princípios internacionais assumidos e subscritos pelo nosso país, a ajuda prestada aos países em desenvolvimento não deve ser ligada a interesses económicos, e a Cooperação para o Desenvolvimento não deve ser utilizada como instrumento de internacionalização da economia. O terceiro tem a ver com as possíveis implicações práticas da fusão entre o Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento e o Instituto Camões. Consideramos negativo misturar a promoção da Língua Portuguesa com a Cooperação para o Desenvolvimento, já que se tratam de duas áreas com objectivos muito diferentes; Por outro lado estes eram dois institutos públicos com estruturas e modelos organizativos muito diferentes. Tememos por isso que esta fusão traga, para além de atrasos na concretização dos programas e projectos já acordados, confusões entre os princípios que norteiam as duas áreas, prejudicando inclusivamente a imagem internacional em relação à Cooperação Portuguesa uma vez que, como referimos na Carta Aberta, quer ao nível da OCDE, quer ao nível da UE, há compromissos firmes que Portugal assumiu sobre desligar a Cooperação ao Desenvolvimento de outros interesses nacionais em termos de política externa. A Plataforma defende que “Portugal apresenta uma imagem interna que parece contrariar os princípios que se pretendem aplicar na Ajuda ao Desenvolvimento. Em que medida está o nosso país a recuar no seu compromisso com a Eficácia da Ajuda ao Desenvolvimento? Mas mais do que falarmos neste momento em montantes financeiros, reconhecendo a situação difícil do país e as restrições orçamentais que existem, é necessário apostar na melhoria dos aspectos qualitativos desta Ajuda e da Cooperação Portuguesa. Reconhecemos que Portugal fez nos últimos anos esforços concretos para incorporar os Princípios Internacionais da Eficácia da Ajuda nos seus Programas Bilaterais e Multilaterais de Cooperação. Mas há ainda muito a fazer, ao nível por exemplo da previsibilidade dos financiamentos ou da disponibilização de informação sobre os projectos executados, e das verbas que cada ministério canaliza para acções de Cooperação. Esta informação desapareceu com a eliminação, em 2009, do Programa Orçamental da Cooperação (PO-05), um instrumento de monitorização da APD Portuguesa essencial, que permitia perceber qual o orçamento de cada ministério para a Cooperação e qual o nível de execução dos projectos implementados. Portugal tem uma excelente imagem internacional ao nível da Cooperação para o Desenvolvimento. E essa imagem poderia e deveria ser aproveitada para afirmar a importância de Portugal em diversos fóruns internacionais. No entanto, esta indefinição e mistura entre Cooperação, Promoção da Língua e Promoção das Empresas Nacionais, pode prejudicar muito essa imagem. A falta de previsibilidade da ajuda portuguesa é um problema nos países com os quais cooperamos. As embaixadas têm grande dificuldade em comunicar às autoridades locais qual vai ser a contribuição portuguesa numa perspectiva plurianual, e isto tem consequências negativas na imagem de Portugal (por exemplo, atrasos nos desembolsos da ajuda ao orçamento). Como preconiza a Plataforma Portuguesa das ONGD o novo modelo organizativo da Cooperação portuguesa, em discussão há meses, e quais são, na sua opinião, as orientações estratégicas fundamentais a definir nesta matéria?
Em primeiro lugar, a crise não pode justificar fazer tábua rasa do modelo e estruturas já existentes, procurando preservar o que de bom esses modelos tinham. Por outro lado Portugal, sendo membro de organizações internacionais em que são definidos os princípios que os estados doadores devem incorporar nas suas políticas e programas de Cooperação, não pode ignorar esses princípios. Portugal necessita de ter uma estratégia clara para a Cooperação para o Desenvolvimento. Um documento onde se definam prioridades, compromissos e metas. Deve existir também um organismo público de coordenação das políticas e programa de Cooperação com efectivos poderes para exercer essa coordenação. Os efeitos negativos que a fragmentação do sistema de cooperação portuguesa tem ao nível da coordenação e da eficácia da ajuda só poderão ser minimizados com uma clara divisão de competências – no plano efectivo e não apenas formal – que reforce a capacidade financeira, de recursos humanos e de coordenação deste organismos de coordenação, tanto ao nível central como nas delegações nos países parceiros. Por outro lado, a implementação e aperfeiçoamento de um instrumento facilitador da monitorização da execução orçamental e da sua coerência com as políticas definidas é fundamental, não apenas para as questões de coordenação da cooperação, mas também para os princípios da transparência e na prestação de contas mútua. Até 2009 existia o Programa Orçamental da Cooperação (PO-05), devendo, no nosso entender, ser reactivado um instrumento semelhante. Havendo pontos de contacto entre promoção da Língua e da economia e a Cooperação para o Desenvolvimento, os seus âmbitos de intervenção são distintos e não devem ser misturados. Novamente, é essencial existir uma capacidade real de coordenação de um instituto público que faça a ponte entre a Cooperação e outras áreas, potenciando sinergias. Como comenta as principais conclusões da Reunião em Busan, na qual o Governo português renovou a sua vontade política face aos compromissos assumidos enquanto país doador? As expectativas do Terceiro Sector face a este Encontro na Coreia do Sul, nomeadamente ao nível das vertentes que a Plataforma defende (apropriação; estratégias de Desenvolvimento com base nos Direitos Humanos; ajuda inclusiva; e independência das OTS na área do Desenvolvimento) foram alcançadas? Pegando numa análise preliminar a esta declaração feita por uma das nossas associadas, a OIKOS, os aspectos a destacar da declaração final são os seguintes: – Inclui, na futura definição das políticas e agenda da Cooperação e sua monitorização, outros agentes como o sector Privado e a sociedade civil, conferindo também um papel mais importante aos Parlamentos nacionais. – Reafirma o carácter progressivo (scale up) da Cooperação para o Desenvolvimento, isto é, afirma que não podem ter lugar reduções de recursos afectos ao Desenvolvimento sob o risco da Cooperação não ser eficaz. – Reforça os princípios dos anteriores Fora de Alto Nível, designadamente o princípio da apropriação (ownsership), do enfoque nos resultados, do reconhecimento das Organizações da sociedade civil como actores independentes da Cooperação e dos princípios da responsabilização mútua e da transparência. – Defende a criação de quadros comuns de gestão de risco e de instrumentos partilhados de avaliação de impacto com base em indicadores comuns de desempenho e de resultados. – Defende uma melhoria na disponibilização e acessibilidade ao público da informação relacionada com a Cooperação para o Desenvolvimento, nomeadamente através da adesão a mecanismos de transparência que favorecem a previsibilidade da ajuda e que reforçam mecanismos de reporte estatístico como o da CAD-OCDE. – Encoraja a sociedade civil a também pautar a sua actuação pela eficácia, designadamente através da adesão e cumprimento dos Princípios de Istambul e da International Framework for CSO Development Effectiveness. – Garante coerência, transparência e previsibilidade nas abordagens às alterações climáticas, ao respectivo financiamento e à sua interligação com a Cooperação para o Desenvolvimento. Que leitura faz do facto de a Plataforma das ONGD não ter integrado a Delegação Portuguesa a Busan, por determinação do Governo? E consideramos que as ONGD, por direito e conquista próprios, são um dos principais agentes da Cooperação portuguesa e um dos veículos principais para visibilidade internacional dessa cooperação. Foi negativo não ter sido aceite o nosso pedido para fazermos parte desta Comitiva. Mas o objectivo final é participarmos nesta discussão e na definição de estratégias e políticas.
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Jornalista