Muitos são os cortes propostos pelo FMI na despesa pública de Portugal, no polémico relatório que fez arrancar o annus horribilis ainda com maiores incertezas. Entre tantas outras medidas, o Fundo que integra o Programa de Assistência Económica e Financeira ao País propõe a tributação de prestações sociais, incluindo o subsídio de maternidade, num contexto de reformas em todas as áreas – da Saúde à Educação, passando pela Segurança Social – que estreita cada vez mais a perspectiva de vida das famílias. Para a APFN, esta penalização é grave, pois não olha à vulnerabilidade das políticas de natalidade nacionais O Fundo Monetário Internacional (FMI)divulgou um estudo integrado no relatórioda economia portuguesa, preparado em conjunto com a última avaliação do memorando com a troika, e que faz uma espécie de mapeamento dos vários impostos no País, propondo reformas para todos eles. Para além de concluir que Portugal tem ainda margem para reduzir a despesa fiscal com Educação, Saúde e Habitação, o documento que consta da 6ª Avaliação do Programa de Assistência Económica e Financeira ao País, propõe que as prestações sociais passem a ser sujeitas a tributação. Entre elas, encontra-se o subsídio de maternidade, que passaria assim a ser taxado no IRS. O objectivo é alargar progressivamente a base tributável – por exemplo, às prestações sociais, como os subsídios de doença ou de desemprego, ou o já referido subsídio de maternidade, que é dado como exemplo pelo FMI, no relatório “Rethinking the State – Selected Expenditure reform options”.
As contas do artigo IV Mas feitas as contas, no chamado artigo IV – do estudo encomendado pelo próprio Governo, recorde-se –, o FMI conclui que há margem para aumentar a receita de IRS, e considera que a inclusão das prestações sociais neste imposto é uma das medidas viáveis. Em rigor, sugere que o Governo “continue a alargar a base tributável (por exemplo sobre algumas prestações sociais, como o subsídio de maternidade – que não estão abrangidos pela taxa de IRS, mesmo se forem auferidos por contribuintes ricos)”, lê-se no documento. A carga para as famílias Na prática, a proposta visa melhorar a tributação sobre os rendimentos do trabalho e, num contexto de desemprego acentuado, o argumento do FMI de que taxar em conjunto um casal com um dos cônjuges desempregado, em sede de IRS, desincentiva a procura de emprego por parte deste último, é questionável. A verdade é que o maior problema não é ter motivação para trabalhar, mas sim arranjar emprego. Vários fiscalistas já se pronunciaram sobre esta recomendação do FMI, concluindo que os casais beneficiam mais em IRS quando estão empregados e são taxados em conjunto, já que separar a taxação aumenta o IRS anual a liquidar quando os dois estão empregados. A questão resulta facilmente num ‘pau de dois bicos’ já que, se nestes casos a tributação em conjunto da família pode provocar uma carga tributária excessiva para um dos cônjuges (quando este ganha muito menos do que o seu parceiro), noutros – em especial quando um dos cônjuges está desempregado – esta tributação conjunta pode permitir que o casal usufrua, no apuramento do imposto, uma liquidação mais favorável para o ‘mealheiro da família’. E família é área que, com estas medidas, os portugueses não deverão alargar, nos próximos tempos. É que, se o relatório do FMI dedicado a cortes na despesa pública agrava questões que a todos preocupam, como a redução de remunerações e o aumento de despedimentos na função pública, a perda de prestações como as auferidas em horas extraordinárias e através dos subsídios de férias e de Natal, os cortes nas pensões ou a redução da duração máxima do subsídio de desemprego, o documento constitui um desincentivo à natalidade – não só indirecto, em consequência do clima de incerteza que o País vive, como directo. Se não vejamos: o FMI recomenda, a propósito do abono de família, que a Segurança Social elimine o terceiro escalão deste benefício social o que, segundo os cálculos do economista Eugénio Rosa determinaria que cerca de 280 mil crianças perdessem o direito a este abono. Esta medida daria lugar a um corte anual na despesa púbica na ordem dos 89 milhões de Euros. Na mesma área, propõe a eliminação do direito ao abono de família por parte dos estudantes com idades compreendidas entre os 19 e os 24 anos, o que permitiria amealhar mais 10 milhões de Euros. Na educação, sugere a fixação de um limite máximo para as despesas a suportar com cada estudante (medida que levaria a um corte anual de 580 milhões de Euros) e o aumento das propinas no Ensino Superior, para um valor mais aproximado do custo real com cada aluno, embora não quantifique a medida. Salvam-se as medidas propostas para as empresas, para as quais o FMI aponta uma redução da carga fiscal, concretamente da taxa social única, nomeadamente no que respeita aos salários mais baixos que, adianta ainda, são os mais procurados pelas entidades patronais. Objectivo? Encorajar o crescimento do emprego. Efeitos? A medida poderá beneficiar indirectamente as famílias, no que concerne, pelo menos, a manutenção dos postos de trabalho. ‘Este país não é para ter filhos’ Quem também não ficou indiferente ao conteúdo do relatório recentemente apresentado foi a APFN – Associação Portuguesa de Famílias Numerosas, que lançou um comunicado alertando para os perigos que a questão que o FMI coloca quando se refere à possível tributação das prestações sociais levanta: “Será que benefícios pecuniários às famílias promovem o aumento de nascimentos?”, pergunta o Fundo internacional. Para a Associação, a resposta faz-se com outra pergunta: “Será que a penalização das famílias com filhos promove a redução dos nascimentos?”Tendo em conta o contexto “que todos conhecemos” das condições em que vivem as famílias com filhos actualmente, a APFN sugere ao FMI que reformule esta proposta, adequando-a à realidade nacional.
Desde logo porque, nas considerações tidas em conta para justificar a tributação do subsídio da maternidade (lado a lado com os subsídios de doença ou de desemprego, por exemplo), ou os cortes no abono de família, são dados como exemploa Suécia e a França. Diz o FMI que nestes países “o impacto dos benefícios pecuniários é pequeno e de duração temporária”. Traçando um paralelismo com Portugal que não olha à vulnerabilidade das políticas de natalidade nacionais, conclui então que se Portugal se quer envolver em politicas para aumentar a fertilidade, deverá voltar-se noutras direcções que não a da atribuição pelo Estado de benefícios em dinheiro para as famílias. Mas, como analisa a APFN, enquanto na Suécia e na França todas as famílias, independentemente do seu rendimento, têm direito a receber do Estado um abono mensal que varia entre os 121,80 e os 941,31 Euros (em função do número de filho, de um a cinco) – no caso da Suécia – e entre os 127,68 Euros (para o segundo filho) e os 618,45 Euros – em França -, em Portugal apenas as famílias carenciadas auferem um abono mensal. Tratam-se das famílias que têm um rendimento de referência mensal abaixo de 628,83 Euros, sendo o valor pago pelo Estado variável em função da idade dos filhos e do escalão de rendimentos das famílias. Nas contas da Associação, numa família do 1º escalão (com um rendimento inferior a 209,61 Euros), com filhos com mais de três anos, os valores dos abonos mensais situam-se nos 35,19 Euros, para famílias com um filho; 70,38 Euros (dois filhos); 105,57 Euros (três filhos); 140,76 Euros (quatro filhos); e 175,95 Euros (cinco filhos). Acresce que tal como “quer a Suécia, quer a França tiveram há vários anos um problema de fertilidade que resolveram combater energicamente e com resultados, mantendo ainda activas muitas dessas medidas”, Portugal precisa adoptar uma política Familiar nacional e efectiva, sob pena de não dar a volta à tendência de diminuição do número de nascimentos (que ocorre já, com breves excepções, há trinta anos). Se em 2009 o número de óbitos superou o número de nascimentos, o ano passado ficará para a história como o ano em Portugal com menos bebés de que há registo. Em 2010, o Índice Sintético de Fecundidade em Portugal registado foi de 1,32 filhos, contra os 1,98 na Suécia e os dois, na França. Só resta questionar ao FMI, como conclui a APFN: “estaremos a falar do mesmo País?”
Uma política que acabe com o Inverno demográfico A adopção de medidas concretas que despenalizem e apoiem as famílias numerosas é “uma forma de reconhecimento e compensação pela sua generosidade no contributo para o Bem Comum da sociedade humanizada que todos ambicionamos”, defende. A Associação recomenda assim: • Que se proceda a uma avaliação anual (a 15 de Maio – Dia Internacional da Família), a nível de Conselho de Ministros, dos progressos alcançados com as medidas tomadas sectorialmente. • Que se consagre o Princípio do Rendimento Per Capita em todas as aferições do rendimento da família, com vista a salvaguardar a equidade entre cidadãos. • Que se crie o Bilhete de Família para actividades culturais (museus, espectáculos, etc.), desportivas ou recreativas, cujo custo seja independente da dimensão da família. • Que se alargue a todo o território nacional a Tarifa Familiar da Água, já existente em alguns municípios, fazendo com que os escalões sejam estipulados em função do consumo per capita. • Que se consagre o princípio da universalidade do abono de família. • Que se altere o rendimento de referência para o cálculo dos escalões do abono de família • Que se actualize, divulgue e disponibilize na Internet um “Guia da Família” que englobe de uma forma clara, sistemática e integrada os direitos, benefícios e regalias da família e as formalidades inerentes ao seu fácil exercício ou acesso. • Que se apoie e estimule as autarquias nas acções integradas de política familiar local: Preocupada com o “longo e cada vez mais rigoroso Inverno demográfico” que Portugal tem vindo a atravessar, há já cerca de três décadas, “sem qualquer perspectiva de desanuviamento”, a APFN considera que, face aos graves indicadores do estado das famílias – como a baixa taxa de natalidade, a redução do número de casamentos e o disparo do número de divórcios, é urgente adoptar medidas capazes de inverter a realidade actual. Medidas que tardam, acusa, e que chocam agora com os “desincentivos” à natalidade que o relatório do FMI contem.
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Jornalista