Pelo menos trinta por cento dos jovens têm “problemas orais gravíssimos, e nenhuma condição financeira para custear o tratamento urgente”. No dia 9 de Abril, a Turma do Bem realiza uma mega triagem que fará o rastreio oral de jovens carenciados, envolvendo cerca de cinquenta dentistas e vinte organizações sociais. Em entrevista ao VER, o mentor do projecto, Fábio Bibancos, explica a importância desta acção e deixa um apelo: “é preciso aumentar o número de dentistas voluntários em Portugal”
Para combater este cenário, a iniciativa, que parte do trabalho voluntário de médicos dentistas que proporcionam tratamento odontológico gratuito a jovens carenciados, iniciou em 2010 a sua actividade em Portugal, com o apoio da Fundação EDP. Todos os tratamentos são gratuitos e cada dentista (ou estomatologista) voluntário é responsável pelo acompanhamento do beneficiário até ele completar dezoito anos. Durante o primeiro ano de existência em Portugal, o projecto ajudou já mais de duzentos adolescentes em situação vulnerável, angariando para a sua rede de Dentistas do Bem mais de cem profissionais voluntários. No próximo dia 9 de Abril, o Dentista do Bem vai realizar uma mega triagem no Museu da Electricidade, em Lisboa, que irá envolver quase vinte associações e IPSS, e o rastreio de cerca de mil jovens com idades compreendidas entre os onze e os dezassete anos. Nesta acção estarão presentes mais de cinquenta voluntários portugueses e brasileiros (dentistas e estudantes de odontologia), bem como o fundador da ONG internacional que reúne já mais de oito mil dentistas voluntários, no Brasil, em Portugal e em nove países da América Latina (Argentina, Chile, Paraguai, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela e México) os quais, só em 2010, atenderam nos próprios consultórios mais de dezasseis mil jovens. Fábio Bibancos é o médico brasileiro mentor do Dentista do Bem, desenvolvido para alertar para um dos mais graves problemas de saúde pública: as doenças orais, como a cárie, a gengivite e os problemas de ortodontia. Consciente de que as doenças orais agravam uma série de problemas de saúde relacionados com as diabetes, problemas do coração, sistema respiratório e cancro, tendo ainda graves consequências para a auto-estima, os relacionamentos sociais e a empregabilidade do indivíduo, o projecto assume-se como uma alternativa – muitas vezes a única – para proporcionar a jovens carenciados uma vida melhor. Em entrevista ao VER, Fábio Bibancos defende que a negligência com a saúde oral dos mais novos “tem como consequência uma geração com baixa auto-estima, péssima formação escolar e dificuldades de convívio”. Qual é a importância da realização desta mega triagem num país onde o Sistema Nacional de Saúde praticamente não assegura os serviços e custos associados a tratamentos dentários? A Turma do Bem não conseguirá resolver os problemas odontológicos do país, mas conseguirá uma pauta na agenda política para que a questão odontológica seja discutida e valorizada. A mega triagem é uma oportunidade para que jovens entre os onze e os dezassete anos com graves problemas de saúde oral recebam tratamento. Porém, os nossos números serão sempre pequenos perante a alta demanda de pessoas necessitadas. Qual é o impacto de uma triagem gratuita destinada a jovens carenciados, numa altura em que se agudiza a conjectura socioeconómica do país? O Projecto Dentista do Bem parte da classe odontológica. Se imaginarmos a mobilização de outras categorias – empresários, advogados, médicos, psicólogos, arquitectos – percebemos que uma sociedade participativa sai de qualquer crise. Na nossa experiência no Brasil, os jovens carenciados que foram beneficiados pelo projecto Dentista do Bem são hoje militantes da causa. A Fundação EDP, uma das organizações mais modernas e bem geridas do mundo, tem clara a sua missão na área de responsabilidade social e o seu compromisso com a qualidade de vida, em particular com a das pessoas socialmente desfavorecidas e excluídas. A partir a sua experiência, como avalia a prática em Portugal, ao nível de educação e sensibilização para a higiene oral? No meu país temos um contra-senso: nasceu a política dos genéricos e, com isso, foi possível a toda população adquirir medicamentos a preços acessíveis ou gratuitos em postos de saúde. Além de medicamentos, São distribuídos gratuitamente preservativos, seringas e até protector solar. Mas não é feita a distribuição periódica e gratuita de escova de dentes, pasta e fio dental. Como é que uma família que mal consegue comprar os seus alimentos irá ter kits de higiene oral para todos os seus membros? No Brasil, os dentistas gostam de fazer palestras e espectáculos teatrais e pensam com isso ter resolvido o problema. Geralmente coloca-se a culpa na família e diz-se que os pais não têm interesse em ajudar os seus filhos por ignorar a importância da saúde oral. Mas a resposta é que os pobres não têm acesso. Quando têm, escovam correctamente os dentes, porque como todas as pessoas, também se beijam. Como pensam chegar a mil pessoas com esta acção e de que modo serão seleccionados os jovens carenciados a diagnosticar? Além disso, faremos a distribuição de flyers e um intenso trabalho junto dos meios de comunicação, para informar o público sobre esta mega triagem. Contaremos com a presença de quase vinte associações e IPSS. Além da mega triagem em Lisboa, também foram feitas nas últimas semanas triagens nas cidades de Coimbra, Castelo Branco, Aveiro, Cascais, Sintra, Mafra, e Caldas da Rainha. Que objectivos presidem à decisão estratégica de manterem o acompanhamento destes jovens até aos dezoito anos? Como comenta o carácter inovador desta iniciativa perante o número alarmante de jovens com problemas orais graves? Se os jovens forem tratados, ao atingirem a maioridade terão mais oportunidades de conseguir um emprego, recuperam a auto-estima e melhoram a sua qualidade de vida. Queremos consciencializar cada vez mais as pessoas de que a negligência com a saúde oral dos mais novos tem como consequência uma geração com baixa auto-estima, com péssima formação escolar e com dificuldades de conviver em sociedade, para além de outras consequências graves, a longo prazo. Que previsão tem, em termos do número de jovens que precisam de assistência? Quanto a esta acção em concreto, esperamos atender a maior parte dos jovens avaliados. Mas para isso, é preciso aumentar o número de dentistas voluntários no país. Por isso, apelamos a todos para que falem com o seu dentista para que ele se torne um voluntário da Turma do Bem. Que importância tem esse trabalho de voluntariado para viabilizar esta acção? Os estudantes de odontologia estão a aprender desde cedo que devem ter um papel social e que estes problemas serão resolvidos por eles mesmos, num futuro próximo. A acção incluirá o testemunho de dois vencedores da iniciativa Sorriso do Bem. Quais são os objectivos e destinatários deste projecto, e para quando está prevista a edição de 2011? O Sorriso do Bem é um evento de capacitação e reconhecimento dos nossos voluntários. Uma maratona de quatro dias intensivos, em que os 250 melhores voluntários viajam até São Paulo, sem quaisquer custos e participam em debates e actividades para a sua formação enquanto agentes de mudança na região em que actuam. É o motor que faz essa grande máquina, de nove mil dentistas voluntários e dezoito mil crianças beneficiadas, funcionar melhor. Quando digo melhor, refiro-me não só ao número de voluntários, que aumenta, mas também à quantidade de crianças que cada voluntário atende. Fazemos um evento grandioso, valorizamos os dentistas como nenhuma empresa da área odontológica faz. Este ano, a capacitação ocorrerá entre 12 e 15 de Novembro e o encerramento será marcado pela entrega do prémio do Melhor Dentista do Mundo ao profissional que mais faz pela sua comunidade. Em 2011, queremos levar mais portugueses e tê-los entre os melhores dentistas do mundo. Que balanço faz do primeiro ano de actividade do Dentista do Bem em Portugal, ao nível de crianças apoiadas e voluntários envolvidos? E nos vários países onde actuam? Na América Latina, o crescimento do projecto Dentista Do Bem também foi imenso. Actualmente, estamos na Argentina, Paraguai, Colômbia, Chile, México, Venezuela, Peru, Equador e Bolívia. O nosso próximo passo é iniciarmos o projecto em Angola.
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Jornalista