POR HELENA GONÇALVES E ANA ROQUE
Premiar e castigar será uma boa forma de incentivar o comportamento ético? Será ético pagar para agir eticamente ou pode ser considerado “corrupção”?
Estas foram as questões que serviram de mote à reflexão que tivemos na última sessão do Fórum de Ética da Católica Porto Business School, um espaço de diálogo, reflexão e acção.
O recente documento “Top 10 Ethics & Compliance Trends for 2019” incluía como uma das 10 tendências os incentivos às boas práticas éticas apresentando alguns prós e contras sobre premiar e penalizar. Como argumento a favor da penalização, destacamos a ideia de que não penalizar é dar um sinal de irrelevância e, em oposição, premiar pode se entendido como um sinal de relevância do tema. Adicionalmente, o facto de se premiar e penalizar o desempenho ético pode estimular a discussão sobre o tema, o que é não só salutar, mas até crucial para a sensibilização interna. Como argumentos contra a premiação destacamos que pode desvirtuar as boas práticas éticas e dar mesmo uma mensagem errada e contraproducente.
A notícia de Setembro passado (Novartis links bonuses to ethics in bid to rebuilt reputation) sobre o novo sistema de avaliação da Novartis que, numa tentativa de reconstruir a reputação, vincula os bónus ao desempenho ético dos colaboradores, é um exemplo. Esta decisão faz parte do fortalecimento da cultura ética da farmacêutica suíça uma prioridade, após escândalos de suborno na Coreia do Sul, China e Estados Unidos. Os colaboradores recebem agora uma pontuação de 1, 2 ou 3 relativamente ao seu comportamento ético, em que o 2 se destina a quem corresponde às expectativas e o 3 aos que sejam considerados um “modelo de comportamento”, tornando-os elegíveis para um bónus de até 35% da sua remuneração total.
[quote_center]O facto de se premiar e penalizar o desempenho ético pode estimular a discussão sobre o tema, o que é não só salutar, mas até crucial para a sensibilização interna[/quote_center]
Esta opção de associar o incentivo à avaliação de desempenho parece ser um modelo adoptado já por muitas empresas, inclusive em Portugal. No estudo europeu “Ethics at Work” que incluiu pela 1ª vez o nosso país em 2018, foi perguntado aos 750 elementos da amostra, representativos da população activa de cada país, se lhes eram oferecidos incentivos para os encorajar a cumprir com as normas éticas da empresa. E o que se verificou foi que 44% dos trabalhadores portugueses (alinhados com os 45% da média dos trabalhadores europeus) afirmaram que o incentivo “faz parte da avaliação / análise anual”.
Diferentes das dos europeus foram as respostas sobre a inclusão de um bónus, uma vez que 41% dos portugueses afirmam que “é tido em conta na avaliação do pagamento de bónus” contra apenas 29% dos europeus. No entanto, apenas 19% dos trabalhadores portugueses (20% dos europeus) afirmaram que tinham “aumentos salariais” como incentivos para os encorajar a cumprir com as normas éticas. De referir ainda que os portugueses recebem menos “louvor público (por ex. condecorações de trabalhadores)” do que os europeus (18% vs 25%).
Em contrapartida, não podemos deixar de referir que continua a haver muita premiação de resultados independentemente da forma como são conseguidos: cerca de um em cada três portugueses e europeus afirmam que “os seus directores recompensam os trabalhadores que apresentam bons resultados, mesmos se estes adoptam práticas eticamente questionáveis”.
Mas não é só na Europa que se implementam incentivos. Por exemplo, o extenso inquérito do Ethisphere Institute, aplicado às empresas que se candidatam a fazer parte da lista anual das “World’s Most Ethical Companies” inclui uma pergunta sobre os mecanismos existentes para incentivar os colaboradores com diversas hipóteses de resposta que incluem: a avaliação formal da conduta ética do negócio como parte das decisões de promoção, a existência de componente formal dos bónus dos gestores ou outras formas de compensação salarial, prémios e reconhecimentos da conduta ética nos negócios e outros sistemas de reconhecimento dos colaboradores.
A inclusão da ética nos sistemas de avaliação e desenvolvimento de competências não tem de ser feita usando exactamente a palavra ética. Neste, como em outros casos, é importante concretizar e pode haver diferentes aspectos em que ela é incluída. A título de exemplo podemos ter competências como Abertura, Transparência, Integridade ou Respeito pelos outros com diferentes níveis de proficiência e metas a atingir diferenciadas de acordo com o nível hierárquico e a função.
[quote_center]Em Portugal, 44% dos trabalhadores portugueses (alinhados com os 45% da média dos trabalhadores europeus) afirmaram que o incentivo “faz parte da avaliação / análise anual”[/quote_center]
No “Respeito pelos Outros” pode ser avaliada por exemplo a capacidade da pessoa não se deixar afectar pelo contexto e mostrar em todas um tratamento adequado e respeitoso do outro.
Mas se nas empresas é relativamente recente esta prática, em outras instituições é bem antiga, de que é exemplo o Colégio de São João de Brito em Lisboa que, para além dos quadros de honra mais clássicos relativos ao desempenho académico, tem um sistema de reconhecimento para o “Companheirismo” com o objectivo de “premiar os alunos que demonstrarem maior dedicação e empenho na procura do bem dos outros” usando três critérios “Sentido de ajuda no estudo, no recreio, nas actividades da turma; contributo para o bom ambiente da turma; participação em actividades de ajuda aos outros extra turma”. De referir que o júri é constituído por “Professor responsável, alunos da turma, prefeitos/vigilantes”, o que (quase) corresponde ao que comummente chamamos avaliação de 360 graus.
Para quem tenha interesse na construção de sistemas de avaliação de desempenho ético aconselhamos a leitura de dois documentos: Incentivising Ethics: Managing incentives to encourage good and deter bad behaviour (Transparency International) e Using Incentives in your Compliance and Ethics Program, (Society of Corporate Compliance and Ethics).
Em suma, trata-se de um tema polémico: há quem defenda que premiar desvirtua de alguma forma a bondade dos comportamentos, mas, por outro lado, pode ser um aspecto importante para demonstrar a relevância da ética para a organização.
Mais do que estar a favor ou contra a premiação e a punição, poderá ser importante reflectir sobre vários tipos de questões tais como: Há comportamentos que devem ser premiados? O que merece um prémio? Que prémios? Que castigos? Devem os prémios ser divulgados a priori? Pode ser um prémio monetário? Deve ser incentivada a delação para questões como corrupção com os mesmos meios que começam a ser usados em termos societais? Como lidar com um bom resultado para a organização que foi conseguido de forma não ética? Deve este tema ser discutido com os colaboradores?
[quote_center]Cerca de um em cada três portugueses e europeus afirma que “os seus directores recompensam os trabalhadores que apresentam bons resultados, mesmos se estes adoptam práticas eticamente questionáveis”[/quote_center]
No Fórum de Ética reflectimos sobre estas questões. Alguns membros do Fórum defenderam que premiação é criar um eco de algo que se considera notável e que, sem incentivo, falta o reforço positivo. Uns acreditam que o que se deve premiar é o impacto, alguém que fez alguma coisa que teve impacto para a organização. Por exemplo alguém que desenha uma campanha para sensibilizar os colegas para uma boa prática, sem que isso fizesse parte da sua função. Há quem tenha prémios que são divulgados a priori e prémios que não. Uma empresa tem um prémio que é surpresa todos os anos, que pode ser proposto por qualquer pessoa e que visa distinguir alguém que fez algo que se considera verdadeiramente notável.
Houve também quem apresentasse formas mais subtis, considerando que a premiação ou punição não tem de ser “oficialmente” ligada à ética. Por exemplo há um caso de uma empresa do sector das bebidas que premiava os melhores vendedores e um dia resolveu simplesmente mudar as regras: passar a premiar o melhor vendedor que não tivesse tido acidentes de viação. Foi simplesmente a inclusão de um critério, o da segurança rodoviária, eventualmente fruto de uma contabilização dos custos que a empresa estava a ter com reparações, mas efectivamente mudaram as pessoas premiadas e pela primeira vez uma mulher ganhou o prémio de melhor vendedora. Foi simultaneamente um prémio para as pessoas que conduzem de forma prudente e uma penalização para as que conduzem de forma irresponsável, sem lhe chamar assim e continuando, oficialmente, a premiar quem tem mais vendas.
Em contrapartida, outras organizações têm na avaliação de desempenho critérios claramente ligados à ética e quando é um desses aspectos que é menos bem avaliado é dito à pessoa que não progride por questões comportamentais e que isso dá relevância à ética, sendo um critério como os outros. E que o prémio pode e deve ser uma dimensão da avaliação de desempenho e tem de ser divulgado a priori. No caso da premiação na avaliação e no caso da avaliação 360 graus pode ser alguém que é destacado por todos.
[quote_center]Há quem defenda que premiar desvirtua de alguma forma a bondade dos comportamentos, mas, por outro lado, pode ser um aspecto importante para demonstrar a relevância da ética para a organização[/quote_center]
Há quem tenha dificuldade em admitir prémios sem uma estrutura organizada, sem fazer parte de um sistema com critérios definidos e enquadrados com os outros aspectos que têm a ver com o nosso desempenho profissional.
Há membros que consideram que os prémios não deverão ser monetários, mas distinções, reconhecimentos, e isso é muito importante para as pessoas.
As respostas a estas e a muitas outras questões não foram consensuais e provavelmente não terão de ser. Mais do que concordar ou discordar com a premiação e a penalização do comportamento ético, é importante partilhar práticas e explorar modelos que podem ser implementados nas organizações para mostrar a relevância da ética e incentivar as boas práticas, tais como prémios de reconhecimento, inclusão de critérios ligados à ética na avaliação de desempenho e valorização de aspectos como a responsabilidade individual.
No âmbito do Fórum de Ética, começamos a fazer uma lista com exemplos reais de formas de premiar e punir o desempenho ético. Gostaríamos de alargar e partilhar essa lista e por isso fazemos um desafio aos leitores do VER. Dêem-nos exemplos preenchendo este link que estará activo até final de Abril.
Contamos consigo!
NOTA: Helena Gonçalves e Ana Roque são coordenadoras do Fórum de Ética da Católica Porto Business School
Helena Gonçalves e Ana Roque, coordenadoras do Fórum de Ética da Católica Porto Business School