Foi recentemente notícia que o Estado não paga a tempo e horas. Não que seja ele o único a arrastar os pés no momento de pagar. Os riscos as­sociados aos pagamentos tardios são, em Portugal, um problema que toca a todos, incluindo as re­lações entre privados
POR PEDRO BRINCA

Até 2017, a empresa Intrum Justitia publicava um índice que fornecia uma análise comparati­va entre diferentes países da Eu­ropa neste ponto. Com uma única estatística, sintetizava as três di­mensões do processo de paga­mento: a diferença entre o prazo acordado e o tempo que levava a saldar o pagamento, a probabili­dade de o pagamento ser feito para lá do acordado e o impacto dos pa­gamentos atrasados nas opera­ções das empresas. E, nesta altura, Portugal destaca-se pela negativa. Em 2017, conseguiu mesmo ganhar o prémio do pior pagador. O diagnóstico é claro: de­moramos muito a pagar.

Se o panorama geral não é grande coisa, os negócios com o setor público são uma das princi­pais razões para os riscos de paga­mento. Segundo o mesmo estudo, apesar de o prazo médio acorda­do ser aí só de mais três dias do que no privado, os recebimentos efectuaram-se em média 29 dias mais tarde, num atraso médio de 45 dias face ao acordado. Os núme­ros do relatório de 2019 mostram uma evolução positiva: consegui-mos um atraso médio de “apenas” 28 dias. No entanto, este número continua a contrastar com a mé­dia da União Europeia. Não só os prazos acordados são tipicamen­te mais curtos (33 vs. 47 dias), como o atraso médio é bastante inferior (9 vs. 28 dias).

Do ponto de vista das políticas públicas ou iniciativas legislativas, os atrasos de pagamento no setor público são aqueles em que é mais fácil intervir. Ora, o impacto da morosidade no pagamento não é pequeno. Implica a redução dos lucros, em particular se implicarem problemas de liquidez que le­vem a um aumento do custo de ca­pital da empresa. Pode, inclusive, pôr em causa a viabilidade das em­presas, sobretudo as pequenas e médias, que podem entrar em processos de falência por restrições de liquidez, com efeitos de spill-over sobre prémios do risco e po­tenciais falências em cadeia. Com as necessidades de liquidez adicio­nal, assiste-se ainda a uma redu­ção do investimento.

Num estudo com 27 países-membros da União Europeia, Connel (2014) sugere que a elimi­nação dos pagamentos em atraso nos negócios com o setor público levaria a uma diminuição do nú­mero de encerramento de empre­sas na ordem dos 16,3%. Checherita-Westphal et al. (2016) mostram que um aumento de um desvio-padrão no número de pagamen­tos em atraso está associado a uma diminuição de 0,9 a 1.5 p.p. na taxa de crescimento do PIB, a uma di­minuição do crescimento dos lucros das empresas entre 1,5 e 3,4 p.p. e que um maior número de re­cebimentos em atraso aumenta a probabilidade de insolvência das empresas.

As implicações de política são claras. Um esforço para diminuir os prazos de pagamento e os pa­gamentos em atraso por parte do setor público pode promover a ati­vidade económica sem conse­quências orçamentais e deve ser visto como um objetivo prioritá­rio. Dada a importância demons­trada também deste tipo de esta­tísticas na atividade económica, seria determinante a criação de registos associados aos atos de fatu­ração que incluíssem informação necessária à compilação de esta­tísticas mais completas e sistemá­ticas para o estudo do fenómeno.

NOTA: No âmbito do seu programa Compromisso Pagamento Pontual, a ACEGE dinamizou, esta semana, mais um webinar, desta feita dedicado ao tema “As autarquias e o pagamento pontual aos fornecedores”. Para aceder ao mesmo, clique aqui.

Pedro Brinca

É professor auxiliar na Nova School of Business and Economics desde 2015. Os seus interesses de investigação centram-se na interacção entre a micro-heterogeneidade e as dinâmicas macroeconómicas, em tópicos como politica orçamental, transformações estruturais e políticas óptimas de imposto.