Prestes a terminar, a 10ª edição da Semana da Responsabilidade Social, este ano dedicada ao tema “Sustentabilidade, Negócios e Confiança”, teve como principal objectivo alertar para a necessidade de se adoptarem modelos de gestão justos que possam contribuir para a construção de uma sociedade mais coesa e equilibrada. Considerando que Lisboa é, actualmente, “Capital Europeia do Voluntariado”, a temática teve honras de abertura no evento promovido pela APEE
POR
MÁRIA POMBO

“Sustentabilidade, Negócios e Confiança” deu o mote à décima edição da Semana da Responsabilidade Social, promovida pela Associação Portuguesa de Ética Empresarial (APEE), a qual teve início na passada Segunda-Feira. O grande objectivo da temática eleita é o de alertar, principalmente a comunidade empresarial, para a necessidade de serem adoptados modelos de gestão transparentes que promovam a confiança entre as partes e contribuam para uma sociedade mais justa e equilibrada. Na sessão de abertura do evento, focada no contributo do voluntariado, Mário Parra da Silva, presidente da direcção da APEE referiu que um mundo desconfiado é “extremamente caro” e que “não há pior vírus para a sociedade que a falta de confiança”.

Por seu turno, João Afonso, vereador da Câmara Municipal de Lisboa (CML) com o pelouro dos Direitos Sociais, focou a questão da transparência, referindo que a mesma “devia ser obrigatória também para o sector privado e não apenas para o público”. Questionando “como é que as empresas podem contribuir para a coesão social tendo em conta a cor da pele, o género, a religião, etc. dos seus trabalhadores?” João Afonso reforçou a importância do tecido empresarial para a criação de uma cidade e de um País melhores.

Adicionalmente, o vereador salientou que “o voluntariado confere um importante contributo para o crescimento das empresas”, no sentido em que “é algo que complementa o trabalho [das mesmas]”. Por este motivo, é necessário saber como medir o seu impacto social e perceber que forma pode ser reconhecido o seu valor. O vereador concluiu o seu testemunho ao referir que “Lisboa será uma cidade mais justa se todos assumirmos as nossas responsabilidades”.

Ora, é precisamente sobre justiça, participação e responsabilidade que se fala quando se aborda o tema “voluntariado”. E não por estar na moda, mas sim para se tornar ainda mais inclusiva, Lisboa foi eleita a Capital Europeia do Voluntariado 2015 por um júri internacional, sucedendo a Barcelona, distinguida na primeira edição (em 2014).

Promover o voluntariado, contribuindo para o seu reconhecimento a nível local, nacional e internacional, e dar continuidade à implementação das recomendações da Agenda Política Europeia para o Voluntariado (APEV) são alguns dos objectivos desta iniciativa, a qual pretende ainda incentivar a criação de sinergias entre organizações (privadas e estatais), com vista ao reconhecimento público do papel dos voluntários, incrementando também a visibilidade da iniciativa “Capital Europeia do Voluntariado”.

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Sinergias sustentáveis para o voluntariado

Susana Ramos, directora do Departamento de Desenvolvimento Social da CML, apresentou os diversos projectos do Núcleo de Voluntariado que têm sido desenvolvidos neste âmbito na capital, e que estão na base deste “novo estatuto” atribuído à cidade, o qual é promovido pelo Centro Europeu do Voluntariado (CEV).

A missão deste núcleo é criar e desenvolver projectos que contribuem para uma cidadania mais participativa. No fundo, o que se pretende é estimular o aumento da visibilidade do voluntariado, através de iniciativas de reflexão e disseminação de boas práticas, incentivar a cooperação entre instituições e também aumentar o número de voluntários.

O Banco de Voluntariado, um dos projectos do núcleo nascido em 2003, estabelece a ligação entre a procura e a oferta de oportunidades de voluntariado, ou seja, analisa o perfil dos voluntários e recruta-os para que participem em actividades nas quais se enquadrem. Actualmente, o Banco conta já com cerca de 170 entidades e quase três mil voluntários inscritos, número que, segundo Susana Ramos, aumenta todas as semanas.

Intervindo em áreas como a saúde, a educação, o desporto, o ambiente ou a cultura, o Programa Municipal de Voluntariado foi aprovado em 2012 com o objectivo de aproximar os serviços da CML aos visitantes e munícipes. Desta forma, ao enquadrar a participação de voluntários em diversas acções “suas”, a Câmara contribui para a inclusão social destes, ao mesmo tempo que estimula o voluntariado.

Adicionalmente, a CML tem desenvolvido um Programa de Voluntariado Interno, através do qual estimula os seus trabalhadores a serem eles próprios voluntários, cedendo-lhes horas para o apoio a diversas entidades da cidade de Lisboa. Desta forma, incentiva-se o voluntariado a um vasto e heterogéneo grupo que, exactamente devido a essas características, pode satisfazer as necessidades de diversas organizações. Por outro lado, permitir aos funcionários o acesso a experiências enriquecedoras é uma forma de desenvolver a sua consciência cívica, reforçando o espírito de entreajuda e de solidariedade.

Foi por todos estes motivos que Lisboa revelou ser um município promotor do voluntariado, reconhecendo, valorizando e contribuindo para a qualidade desta “prática”. O mesmo tem agora a missão de continuar a desenvolver iniciativas que visem dar continuidade às recomendações e objectivos da APEV, estimulando a criação de sinergias sustentáveis para o voluntariado e aumentando a visibilidade desta iniciativa.

Para além da CML, da comissão organizadora e promotora do voluntariado em Lisboa fazem parte a Confederação Portuguesa de Voluntariado, a Fundação EDP, Fundação Calouste Gulbenkian, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e o GRACE – Grupo de Reflexão e Apoio à Cidadania Empresarial. Introduzir a quantificação do valor económico e social, e promover mecanismos de reconhecimento e desenvolvimento do voluntariado são alguns dos resultados esperados deste trabalho conjunto, o qual pretende ainda, e como já foi referido, desenvolver a cooperação entre entidades promotoras de actividades voluntárias.

Após o enquadramento feito por Susana Ramos acerca do “novo” estatuto de Lisboa, a plateia assistiu a diversas apresentações de iniciativas que promovem o voluntariado, através de testemunhos de quem o pratica.

O voluntariado “também pode ser uma coisa divertida”

A representar a Fundação PT, Graça Rebocho apresentou o programa de voluntariado promovido por esta organização. Um dos principais projectos é o Khan Academy, uma plataforma acessível a qualquer pessoa, sem custos, que “dá explicações” de Matemática, de Física e de Química, em formato de vídeo. Os vídeos são traduzidos para português, por voluntários, através de uma parceria com uma ONG internacional com o mesmo nome, a qual disponibiliza em diversas línguas um conjunto de “vídeos-explicações” de variadas disciplinas dos 2º e 3º ciclo e do secundário.

Entre um vasto leque de outros projectos, encontram-se o “Comunicar em Segurança” (que pretende alertar a comunidade educativa, através de visitas a escolas, para os perigos da internet), o “Braço Direito” (segundo o qual um funcionário recebe um aluno que queira seguir a sua profissão, mostrando-lhe as tarefas que desempenha no dia-a-dia), ou ainda o “Está-lá-está-bem” (que consiste em chamadas telefónicas feitas pelos voluntários com o objectivo de fazer companhia a idosos durante alguns minutos).

Importa salientar que a Fundação cede aos seus funcionários seis dias por ano para que possam praticar voluntariado em horário laboral, tendo ainda parcerias com diversas entidades (Refood, Banco Alimentar, etc.) para que estes tenham a possibilidade de praticar voluntariado em família, ao fim-de-semana. As acções da Fundação PT são praticadas em todo o País.

A Gebalis – Gestão do Arrendamento Social em Bairros Municipais de Lisboa foi outra entidade convidada a apresentar o trabalho que desenvolve. Margarida Jalles, representante do gabinete do Vale de Alcântara, explicou que esta “é uma entidade que actua a nível local, praticando voluntariado em bairros carenciados de Lisboa”. Por mês, são cedidas duas tardes aos funcionários para o exercício de voluntariado, e todos os anos é promovida a “Semana Verde”, em que a equipa realiza diversas actividades ao ar livre em parceria com uma escola, com o objectivo de promover junto dos mais novos a consciência de que é necessário preservar o planeta. Para Margarida Jalles, o voluntariado “também pode ser uma coisa divertida”.

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O voluntariado cresceu e o seu papel tem-se vindo a alterar

Ainda na mesma sessão, Maria Inês Rebelo apresentou o seu livro “O Trabalho Voluntário – uma reflexão jurídica e social”, segundo o qual é reconhecida a importância do papel do voluntário na criação de riqueza para o País. No entanto, e porque estamos a atravessar um período de mudança a este nível, a noção de voluntariado é hoje diferente da que está disposta na Lei n.º 71/98, de 3 de Novembro. Actualmente, a “acção voluntária” é muito mais “espontânea e de curta duração”, e não pressupõe a criação de laços entre os voluntários e o meio onde actuam, mas à luz da lei a mesma deve (ou deveria) ser duradoura.

O facto de existirem mais voluntários e mais empresas que reconhecem o seu valor é bastante relevante, segundo a autora do livro, tendo em conta que “todos ganham”: as empresas, as pessoas e a sociedade. Maria Inês Rebelo concluiu a sua apresentação, referindo que “a questão ambiental é uma das que têm sido mais desenvolvidas” pelo trabalho dos voluntários. O livro pretende, assim, contribuir para o “reconhecimento social e jurídico do trabalho voluntário, nas suas diversas vertentes”, dando um contributo para a redefinição deste conceito.

Para finalizar, Parra da Silva referiu, em tom crítico, que o voluntariado tem crescido e nem sempre pelos melhores motivos: se por um lado, “o Estado e as empresas recorrem a este tipo de serviços porque deixaram de ter financiamento”, por outro lado muitas pessoas “dizem que fazem voluntariado para o poderem incluir no currículo” quando na realidade têm “medo de admitir que são generosas”. O responsável da APEE terminou com uma nota “simples”: o voluntariado “só deve ser praticado quando essa actividade não pode ser feita de forma remunerada”, tendo em conta que “também os voluntários têm contas para pagar”.

O papel das empresas e das organizações sindicais, a questão da igualdade de género e o sector financeiro foram outros temas abordados nesta décima edição da Semana da Responsabilidade Social, em Lisboa. Posteriormente, outras cidades (Porto, Loures e Braga) serão palco da “digressão nacional” promovida pela APEE, a qual pretende continuar a alertar a sociedade para a necessidade de serem criados modelos de gestão com vista a promover a sustentabilidade e a confiança nos negócios.

Jornalista