Como habitualmente, a PricewaterhouseCoopers publicou o seu inquérito anual sobre as principais incertezas e temores face ao presente e ao futuro, entrevistando mais de 4 mil CEOs de 105 países e territórios e cuja resposta mais unânime assenta no já conhecido lema “evoluir ou morrer” [mantra que acompanhou outras “fases” da gestão ao longo dos anos]. Todavia, nem todos estão a apostar numa reinvenção dos seus negócios, a qual parece ser a palavra de ordem para os anos que se seguem
POR HELENA OLIVEIRA

Em termos gerais, 40% dos entrevistados acreditam que a sua empresa não será economicamente viável num período de 10 anos a contar desde já, caso não sejam implementadas mudanças nos seus respectivos negócios, com a maioria a estar preocupada com os desafios ameaçadores que os esperam a curto prazo, a começar pela economia global, com 75% dos respondentes a admitir um decréscimo na sua actividade durante 2023. 

O inquérito deste ano tem como base nove perguntas difíceis, divididas em três grandes temas que irão dominar o mundo ambivalente em que vivemos actualmente: o primeiro diz respeito ao caminho das pedras que terão de percorrer para anteciparem as ameaças de longo prazo no que diz respeito às suas empresas, à sociedade e ao próprio planeta; o segundo é dedicado às tensões quotidianas que os líderes enfrentam à medida que são obrigados a encarar uma deterioração das condições macroeconómicas, um aumento da incerteza e o fantasma da inflação, sendo que o último conjunto de perguntas está relacionado com o equilíbrio necessário que terão de encontrar para cumprir a sua estratégia. 

Vejamos um resumo destas nove questões nada fáceis de responder, num ambiente que os autores do estudo designam como “duplo imperativo” e que poderá abrir portas a algumas respostas e reflexões para a actual e futura liderança organizacional.

  • Como antevê o seu negócio a médio prazo?

Tal como anteriormente mencionado, 40% dos CEOs reconhecem a necessidade de uma necessária disrupção futura, a qual, caso não se concretize, impedirá que as suas empresas sejam economicamente viáveis ao longo da próxima uma década. As respostas apresentam um padrão similar no que respeita aos diversos sectores analisados, incluindo o da tecnologia (41%), o das telecomunicações (46%), o dos cuidados de saúde (42%) e o da manufactura (43%).

Quando questionados sobre as forças com maior probabilidade de gerarem impacto na rentabilidade da sua indústria nos próximos dez anos, cerca de um pouco mais de metade dos CEOs inquiridos citaram alterações nas preferências dos clientes, mudanças regulamentares, escassez de competências e ruptura tecnológica. Cerca de 40% assinalaram igualmente a transição para novas fontes de energia e a perturbação da cadeia de abastecimento como duas grandes preocupações, a par da entrada de novos operadores de indústrias adjacentes.

De acordo com a PwC, e subjacente a estas percentagens, está o facto de os líderes terem consciência de que vivemos tempos complexos e dominados por cinco grandes tendências: as alterações climáticas, a disrupção tecnológica, as mudanças demográficas, um mundo profundamente fracturado e a instabilidade social. Apesar de nenhuma destas forças ser nova, o seu alcance, impacto e interdependência estão a aumentar, com níveis de choque variados que dependem da indústria ou geografia em causa. Os CEOs no Japão (que têm sido fustigados por ventos contrários demográficos durante décadas) e na China (que está na linha da frente das incertezas sobre o comércio global de livre fluxo) foram os que mais preocupados se mostraram com a viabilidade a longo prazo dos seus modelos de negócio, com os CEOs nos Estados Unidos a assumirem-se como os mais optimistas.

  • Alterações Climáticas

Como seria de esperar, a mais importante corrida dos CEOs contra o tempo assenta nas alterações climáticas, com os CEOs globais a esperarem algum grau de impacto proveniente das alterações climáticas nas suas empresas nos próximos 12 meses – principalmente nos seus perfis de custos (onde aproximadamente 50% esperam um impacto moderado, grande ou muito grande) e nas suas cadeias de abastecimento (42%). Uma quantidade menor de líderes empresariais (24%) está preocupada com os danos relacionados com o clima no seu património físico. Mais uma vez, a China aparece destacada entre as demais regiões, com 65% dos CEOs preocupados com potencial de impacto nos seus perfis de custos, 71% nas cadeias de abastecimento e 56% no que respeita aos danos derivados do clima

Uma análise estatística mais profunda realizada pelos autores desta 26ª edição do inquérito global aos CEOs mostra que os que se sentem mais expostos às alterações climáticas têm mais probabilidades de tomar medidas para as enfrentar. Este tipo de abordagem reactiva é compreensível, mas cria os seus próprios riscos. O combate às alterações climáticas requer um plano coordenado e a longo prazo. Não será resolvido se as únicas empresas que trabalharem nele forem as que enfrentam impactos financeiros imediatos. Também não se sabe quais serão as acções – em particular no que diz respeito à descarbonização, juntamente com os esforços para inovar em produtos e serviços amigos do clima – que irão mover a agulha, particularmente a curto prazo, o que, tendo em conta as emissões já existentes na atmosfera, promete um aquecimento contínuo do tema independentemente de todos os cenários possíveis. 

Avançar ao ritmo e com a prioridade adequada para mitigar os riscos climáticos, gerar novas oportunidades e descarbonizar apresentam-se assim como desafios estratégicos gigantescos. Mais de metade de todos os CEOs  que responderam ao inquérito (incluindo 38% dos que estão nas maiores empresas globais e 70% dos líderes inquiridos nos EUA) afirmam que a sua empresa não tem planos para aplicar um preço interno do carbono na sua tomada de decisões, embora isso pudesse ajudá-los na área dos impostos e incentivos, e a clarificar compromissos estratégicos. Medir e comunicar o progresso aos stakeholders é outro grande desafio. Num outro inquérito publicado pela PwC, 87% dos investidores globais afirmaram que os relatórios das empresas contêm alegações de sustentabilidade não consubstanciadas, frequentemente referidas como “greenwashing”. 

  • Riscos à espreita

Para a PwC, as alterações climáticas constituem um desafio temporal que se torna mais claro quando olhamos para um conjunto mais vasto de ameaças externas à economia global. Para os próximos 12 meses, os CEOs sentem-se particularmente preocupados com a sua exposição financeira decorrida do aumento da inflação, a par da volatilidade económica e dos riscos geopolíticos. E o quadro fica ainda mais sombrio no que respeita às perspectivas a médio prazo (cinco anos) dos CEOs auscultados. Na sua opinião, é expectável que os riscos cibernéticos e as alterações climáticas se juntem à inflação, à volatilidade macroeconómica e ao conflito geopolítico no primeiro nível da exposição ao risco..

Todavia e como existe uma desconexão no horizonte temporal dos CEOs, existe o risco de muitos deles estarem demasiado concentrados no curto prazo e nas ameaças “aqui e agora”. No caso da cibersegurança, não é difícil que os mais importantes investimentos tecnológicos para as empresas – desde o lançamento de uma aplicação voltada para o consumidor, ao desenvolvimento de uma linha de negócio construída em torno da IA, a par da expansão para um novo mercado – possam criar inadvertidamente vulnerabilidades cibernéticas

  • E qual a preocupação mais imediata?

O maior desafio a curto prazo que os CEO, enfrentam. e como seria expectável, é o estado da economia global. Não surpreendentemente, quase três quartos dos CEOs que responderam a este inquérito prevêem que o crescimento económico global irá diminuir ao longo dos próximos 12 meses. Essas expectativas, que se verificaram em todas as principais economias, representaram uma inversão acentuada em relação ao ano passado, quando uma proporção semelhante (77%) antecipou uma melhoria no crescimento global. O optimismo do ano passado, reflectindo a esperança de que as condições económicas continuariam a melhorar à medida que a pandemia global se atenuasse, foi abalado em 2022 por choques de outra natureza, como a pior guerra no terreno da Europa desde a Segunda Guerra Mundial, à qual se sucederam efeitos de arrastamento como o aumento dos preços da energia e das matérias-primas, e a aceleração generalizada da inflação dos salários e dos preços. 

A PwC tentou igualmente dimensiona o pessimismo dos CEOs comparando a sua confiança no que respeita às perspectivas de crescimento do seu próprio negócio (em oposição às da economia em geral) ao longo dos próximos 12 meses. Esta é uma pergunta que a PwC tem vindo a fazer aos líderes empresariais desde 2007. A queda nos níveis de confiança dos CEO nas perspectivas da sua própria organização entre o ano passado e este ano (cerca de 25%) foi significativamente menor do que o mergulho em águas turvas em 2009 (quando a confiança caiu mais de 50%), mas maior do que qualquer outro dos últimos 15 anos. Houve excepções: os CEOs em África, Brasil, China, Japão e Médio Oriente estão tão confiantes nas suas perspectivas de crescimento como no ano passado – e, em geral, os CEOs estão mais confiantes nas suas perspectivas de crescimento de receitas a três anos em comparação com o curto prazo. Desta forma, as perspectivas de receitas a curto prazo são fracas, particularmente para os CEOs das indústrias imobiliária e para os fundos de investimentos, que estão a sentir os efeitos do aumento dos custos de capital e do aperto das condições de liquidez.

  • Resiliência e força laboral: que estratégias as podem unir?

Em resposta aos desafios económicos a curto prazo, os CEOs afirmam que estão a tomar medidas para estimular o crescimento das suas receitas e reduzir os custos mas, e curiosamente, embora 52% dos CEOs afirmem que já começaram a cortar custos, apenas 19% estão a congelar contratações e 16% estão a reduzir a dimensão da sua força de trabalho. Estes valores contrastam fortemente com o que a PwC apurou quando inquiriu os CEOs em Outubro e Novembro de 2008, altura em que o dobro dos inquiridos afirmaram terem antecipado a redução de efectivos a curto prazo.

Os dados do inquérito sugerem que os CEOs não estão a despedir pessoas, em parte devido à sua recente experiência com o desgaste dos empregados, que aumentou ao longo do último ano em muitos mercados, um fenómeno que tem sido referido como a “Grande Demissão”. Na sua maioria, os inquiridos parecem acreditar que elevadas taxas de rotatividade vão continuar, com mais CEOs a prever que estas vão aumentar e não diminuir. A excepção vai para os CEOs nos Estados Unidos: mais de metade dos líderes americanos espera uma diminuição dos atritos com os seus colaboradores nos próximos 12 meses.

  • À medida que os riscos geopolíticos se avolumam, para que tipo de novas contingências têm os CEOs de se preparar?

Os acontecimentos mundiais elevaram a geopolítica a um grau extraordinário de importância e preocupação, a qual se tem feito sentir de inúmeras formas, influenciando as perspectivas dos líderes sobre a própria economia global. Os CEOs do Brasil, Canadá, China, Índia, Japão e Estados Unidos estão mais optimistas quanto às perspectivas de crescimento a curto prazo dos seus próprios países do que os do mundo em geral. A ênfase crescente nos interesses nacionais sobre os globais representa uma aceleração das tendências em curso há já algum tempo, uma vez que o consenso pós Guerra Fria no que respeita a mercados abertos e ao comércio global sem fricções tem vindo a desmoronar-se. Uma excepção são as grandes economias onde os efeitos da geopolítica estão a atingir mais duramente as vidas das pessoas. Enquanto os CEOs em França, Alemanha e Reino Unido se preparavam para um Inverno potencialmente escuro e frio, anteciparam igualmente que o crescimento dos seus mercados domésticos iria atrasar a economia global.

Os CEOs que dizem estar mais expostos aos riscos geopolíticos estão a tomar algumas medidas, investindo quase metade dos seus orçamentos em cibersegurança ou em privacidade dos dados, ao mesmo tempo que vão adaptando as suas cadeias de abastecimento ao “novo normal”. A cibersegurança é crescentemente uma enorme preocupação para as grandes empresas que estão mais expostas aos riscos geopolíticos, com as de menor dimensão a concentrarem-se mais na sua diversificação das suas ofertas de produtos e serviços. 

  • Quanto tempo e dinheiro estão as empresas a investir no futuro?

De acordo com a PwC, e para navegar no duplo imperativo definido pelas suas primeiras seis perguntas, os CEO devem realizar um acto de equilíbrio que tenha início nas suas próprias agendas. Quando questionados sobre a divisão do tempo face a um conjunto de prioridades, a maioria das respostas focam-se nos seguintes temas: a condução do desempenho operacional actual; a adaptação do seu negócio para o futuro; passar tempo com os clientes; envolver-se com os empregados e, por último, interagir com os investidores, a administração e outras partes interessadas externas. A verdade é que a condução do actual desempenho operacional consumiu a maior parte do tempo dos líderes empresariais. E inquiridos sobre o redesenho da sua agenda de prioridades, e caso o pudessem fazer, asseguraram que passariam mais tempo a desenvolver o negócio e a sua estratégia para satisfazer as exigências futuras.

Este acto de equilíbrio estende-se das agendas dos CEOs até à atribuição de recursos corporativos. Os investimentos tecnológicos são uma prioridade máxima: cerca de três quartos das empresas estão concentradas na automatização, requalificação e implementação de tecnologias avançadas como a IA. E analisando a lógica subjacente a estes investimentos, cerca de 60% em cada “categoria” está concentrada na reinvenção do negócio para o futuro, com 40% a lutar pela preservação do negócio actual. Este rácio 60/40 foi notavelmente consistente em toda a linha de investimentos – outro reflexo do acto de equilíbrio que os CEOs se esforçam por atingir.

  • Quão central é para os CEOs a reinvenção dos seus negócios?

Para reinventar os seus negócios enquanto lutam para ultrapassar os desafios operacionais a curto prazo, os CEOs precisam da ajuda das suas pessoas, em particular dos executivos, gestores intermédios e funcionários da linha da frente. As organizações devidamente empenhadas e capacitadas movem-se mais rapidamente, inovam mais prontamente e colaboram mais eficazmente para que as coisas sejam feitas. Para os CEOs que esperam usufruir de tais benefícios, o inquérito deste ano aponta para alguns sinais de aviso, a par de áreas de oportunidade. Quarenta e três por cento dos inquiridos afirmaram que aqueles que têm funções de liderança na sua organização não encorajam frequentemente o debate e a discordância. Cinquenta e três por cento declararam que os seus líderes não toleram frequentemente falhas em pequena escala, com 76% a afirmar que os seus líderes não tomam muitas vezes decisões estratégicas independentes para a sua função ou divisão.

Percentagens como estas sugerem que, em muitas organizações, não existem condições para gestores e empregados tentarem, sozinhos, abraçar as novas oportunidades ou para detectarem e responderem independentemente a ameaças perturbadoras. A reinvenção empresarial será um “desporto” de pleno contacto para os CEOs e as suas equipas de topo durante os próximos anos, com os dados a sugerirem que será necessário um tipo especial de liderança porque só é possível uma mudança profunda quando indivíduos de todos os níveis hierárquicos se adaptam e crescem. Os CEO precisam de apostar na definição de uma visão partilhada, capacitando as pessoas a tomarem decisões e sendo campeões visíveis da mudança.

  • Que tipo de ecossistemas estão as empresas a construir?

A diversidade e complexidade dos desafios empresariais actuais estão a obriga a uma aposta na capacidade de colaboração para além das fronteiras empresariais. Para compeender estas dinâmicas, a PwC inquiriu os CEO sobre a forma como constroem parcerias , com quem e com que objectivo. Os resultados mostram que as empresas trabalham com uma vasta rede de colaboradores, e que essas relações são mais frequentemente estabelecidas para criar novas fontes de valor. A título de exemplo, as abordagens de questões societais como as alterações climáticas assentam fortemente num objectivo de colaboração com entidades não empresariais, tais como as ONG e as agências governamentais.

As empresas maiores, comparativamente às de menor dimensão, são mais propensas a enfrentar desafios societais através da colaboração com instituições de todos os tipos. A colaboração entre empresas e governos para fins sociais é especialmente prevalecente em África, Ásia e Médio Oriente, em particular no sector energético e no das utilities em geral. 

A importância da confiança e da liderança 

A confiança ajuda as instituições e os indivíduos a “irem longe juntos” e a ultrapassar os obstáculos de hoje ao mesmo tempo que antecipam os de amanhã. Uma análise mais aprofundada dos dados do inquérito a CEOs do ano transacto, revelou uma relação estatisticamente significativa entre a confiança dos clientes e o desempenho financeiro. 

A importância crescente da confiança está profundamente interligada com a natureza mutável da liderança, devido à crescente complexidade da dinâmica das partes interessadas, à necessidade crescente do sector privado de ajudar a resolver problemas sociais importantes, à fractura do consenso pós Guerra Fria e à intensificação das tensões geopolíticas e sociais. O diálogo explícito com as equipas de gestão de topo sobre as implicações da liderança tendo em conta estas forças turbulentas poderá ajudar os CEOs a reforçar e a libertar o seu poder, dando-lhes tempo para se concentrarem no futuro.

A PwC espera, entretanto, que as nove perguntas colocadas pela sondagem deste ano do 26º CEO Survey enriqueçam esse diálogo, de modo a capacitar os líderes e as suas organizações a ultrapassarem o status quo, a preverem o progresso e a reinventarem-se para o mundo que estão a ajudar a moldar. 

Fonte: PwC’s 26th Annual Global CEO Survey: Winning today’s race while running tomorrows

Editora Executiva