Sim, é verdade que no melhor pano cai a nódoa e que a confiança pode levar anos a ser construída e demorar alguns segundos a ser destruída. E que o escândalo da Volkswagen, por muito que tenha abalado a crença no movimento da responsabilidade social e da sustentabilidade, é apenas mais um. Sim, a má reputação tem custos avultados e a boa confere mais-valias, como demonstram dois estudos em análise. Mas, e no final, que lições se retiram das persistentes faltas de vergonha que continuam a abalar o mundo empresarial?
POR HELENA OLIVEIRA

“A maneira de se conseguir boa reputação reside no esforço em se ser aquilo que se deseja parecer”
Sócrates [o filósofo]

Os CEOs e os conselhos de administração elegem, de forma rotineira e, muitas vezes, ligeira até, a reputação – ou a confiança – como um dos mais valiosos activos das empresas que lideram. Todavia, é raro o mês em que um novo desastre reputacional não apareça nas notícias, destruindo o valor para os accionistas e, talvez mais difícil de recuperar, a confiança dos consumidores e demais stakeholders. A juntar aos vários casos mais mediáticos que fizeram as manchetes devido a nódoas reputacionais nos últimos tempos, e que incluem a Toyota, a BP, o Goldman Sachs, a Johnson & Johnson, entre outros gigantes empresariais – o mais recente escândalo da manipulação dos testes de emissões poluentes de carros a diesel (e, pelos vistos, não só) fabricados pela icónica Volkswagen veio, mais uma vez, colocar o dedo numa ferida que não cessa de ser aberta: a de que, por mais ética, sustentável ou socialmente responsável uma empresa se afigure, o desmesurado pecado da ganância é sempre tentador o suficiente para se arriscar a manchar uma história de confiança e integridade que pode levar décadas a construir.

Se o início da Volkswagen – que nasceu da vontade de Hitler de proporcionar a compra de um veículo a “todos” os cidadãos do Terceiro Reich – não é muito bonito de se recordar, a verdade é que o famoso “Carocha” acabaria por se impor ao mundo como um exemplo de um carro “honesto”: reza a história que foi este o adjectivo que serviu de inspiração para a estratégia publicitária da agência DDB que, sobre a liderança do lendário Bill Bernbach, viria a produzir os primeiros anúncios da Volkswagen, absolutamente simples e geniais, não escondendo a “feiura” do carro, mas conseguindo uma ligação emocional única com os consumidores e, por conseguinte, o estatuto de marca de confiança que, até Setembro de 2015, conseguiu manter.

E é exactamente sobre esse activo “sem preço” ou, mais precisamente, sobre o seu valor, que reza também a história deste artigo. Se os custos reputacionais da Volkswagen começam já a dar um ar (ou uma ventania) da sua desgraça – o grupo já publicou os resultados do 3º trimestre deste ano com um prejuízo de 3,48 mil milhões de euros (por coincidência, um valor bastante similar aos lucros de 3,23 mil milhões obtidos no período homólogo de 2014), a primeira vez que tal acontece em pelo menos 15 anos – a verdade é que ainda é muito cedo para se avaliar até onde os mesmos poderão chegar e quantas estradas cheias de obstáculos terá a marca de palmilhar para voltar a recuperar a confiança perdida: não só a dos mercados – nos dois dias que se seguiram à divulgação do escândalo as suas acções desceram a pique, diminuindo o seu valor de mercado em quase 28 mil milhões de dólares, aumentando ligeiramente depois da demissão do presidente executivo Martins Winterkorn e da entrada de Matthias Müller – mas, e em particular, a dos demais stakeholders. Por outro lado, os dados também indicam que os consumidores não estão assim tão preocupados com esta manipulação de software ou dos males que a mesma pode causar ao ambiente.

Nem com as notícias mais recentes que apontam para a possibilidade de o Grupo estar a braços com “novos problemas”, desta feita afectando também a Audi e a Porsche. Desde o início do ano, as acções da empresa já desvalorizaram mais de 40% mas, e por exemplo em Portugal, a marca continua a estar no top 3 das preferências dos consumidores. O que também obriga a questionar a consciência e a ética do cidadão comum e o caminho que já se percorreu – aparentemente – em termos de responsabilidade e responsabilização social.

Mas e de regresso ao tema da reputação, a verdade é que em matéria de escândalos, a tendência é mais para se contabilizar os seus custos – mesmo que a tarefa não seja nem fácil, nem “fidedigna” – e não o valor intrínseco a uma boa reputação. Pode esta ser efectivamente medida?

Reputação é responsável por 11% do valor total de uma empresa, diz estudo

05112015_ReputacaoQuantoEm Outubro último, em Nova Iorque e no âmbito do COMMIT!Forum, um evento anual que reúne vários especialistas e empresas em torno das questões da responsabilidade social e da sustentabilidade, foram lançados dois estudos que analisam as duas faces da moeda da reputação.

O primeiro, denominado Project ROI: Defining the Competitive and Financial Advantages of Corporate Responsibility and Sustainability, teve como objectivo preencher a ainda persistente lacuna no que respeita ao conhecimento do verdadeiro impacto da Responsabilidade Social Corporativa (RSC) nos negócios das empresas que a praticam. O relatório, feito em co-autoria pela IO Sustainability e pelo Babson College, concluiu que pelo menos 11% do valor de uma empresa tem origem na sua boa reputação. Como afirmou Steve Rochlin, CEO da empresa de consultoria IO Sustainability, ao The Guardian, “ a maioria da pesquisa académica aponta para que 33% do valor de uma organização pode ser atribuído ao seu ‘nome’ [ou marca]”, o que significa que este “terço” de valor não é, de todo, despiciente. O relatório em causa, que teve como base a avaliação de mais de 300 estudos e a realização de entrevistas a vários executivos incidiu, em particular, em empresas de grande dimensão e cotadas em bolsa – com uma maior transparência em termos financeiros -, mas os seus autores afirmam que os resultados podem ser transferíveis para organizações de menor dimensão.

Mas os valores “directos” de uma empresa com boa reputação, ou com práticas comprovadamente éticas e consonantes com as responsabilidades sociais e ambientais que advoga, vão bem mais além destes 11 por cento. Na verdade, o mesmo relatório assegura que, em termos de valor, a “boa” reputação – ou empresas que têm programas eficazes de RSC aumentam, em média, o valor para o accionista em 1, 28 mil milhões de dólares. Complementarmente, existe também uma valorização potencial, para as organizações que possuem relacionamentos fortes com os seus stakeholders, que pode variar entre os 40% e os 80%.

Também no que respeita às mais-valias que se repercutem nos seus recursos humanos, uma empresa com boa reputação – ou a que se compromete realmente com o bem-estar e desenvolvimento dos seus colaboradores – pode ver aumentada a sua produtividade em 13% e diminuída a sua taxa de turnover em 50%, com os seus trabalhadores “dispostos” a terem um corte de 5% no salário devido ao “simples”facto de saberem que trabalham para uma organização que não só tem boa reputação, como verdadeiras motivos para a ostentar.

Como refere, no próprio estudo, o professor Richard Bliss do Babson College, na medida em que “os consumidores de hoje são mais educados, atentos e conectados, estando plenamente conscientes da sinceridade e autenticidade das empresas no que respeita aos seus impactos sociais e ambientais, aquelas que falham em reconhecer o poder da RS para além do ‘corredor das compras’ é porque são míopes”. Para Bliss, a Responsabilidade Corporativa consiste num significativo influenciador da confiança, da afinidade e da lealdade. Ou, como ainda acrescenta, “as empresas devem participar na Responsabilidade Corporativa com autenticidade e transparência, ou arriscam-se a fazer mais mal do que bem às suas reputações”.

Como sabemos, a citação do professor não é, de todo, nova. Mas também é verdade que, na medida em que as más notícias fazem mais manchetes do que as boas, são muitas as organizações que investem, por exemplo, numa gestão da reputação de forma proactiva, não porque estejam muito preocupadas com os seus stakeholders, mas porque temem que um escândalo lhes bata à porta. Ou, por outras palavras, existem ainda muitos executivos e conselhos de administração que encaram a boa reputação como uma “coisa boa” que se deve ter num tempo de crise e não como um activo corporativo significativamente importante e que deve ser “cuidado” e gerido continuamente.

O que nos leva ao segundo estudo divulgado no COMMIT!Forum e intitulado “The Cost of a Bad Reputation: the impacts of corporate reputation on talent acquisition”, patrocinado pela CR Magazine o qual explora, em particular, a relação existente entre a Responsabilidade Social Corporativa e a produtividade dos trabalhadores e cuja conclusão mais animadora diz respeito ao facto de as empresas que têm uma boa reputação atraírem – e reterem – os melhores talentos, por menos dinheiro, que os seus concorrentes.

Má reputação dificulta contratação de talentos

05112015_ReputacaoQuanto2Em termos gerais, as implicações de uma má reputação – que, de acordo com o estudo em causa, se mantêm persistentes ano após ano – afectam o talento nas organizações mediante formas bem diversas, apesar de, na verdade, existir sempre maneira de fechar os olhos à mesma, quando outros valores falam mais alto. Exemplo disso é a “indisponibilidade” e “reticências” de determinados empregados para trocarem a empresa com boa reputação onde trabalham por uma outra com reputação duvidosa: só o fazem quando existe um “significativo aumento de salário”. Ou, como também pode ser interpretado, “os trabalhadores podem ser tentados a ganhar menos dinheiro numa empresa de boa reputação que lhes ofereça um lugar”. A verdade é que, em 2015, o estudo em causa aferiu que 67% dos inquiridos, todos eles com emprego, estariam dispostos a trabalhar numa organização com má reputação, desde que esta lhes pagasse significativamente mais.

Um outro dado a sublinhar diz respeito às diferenças de género no que ao impacto financeiro diz respeito se a ideia é considerar aceitar um emprego numa empresa com a reputação manchada: em 2015, 58% das mulheres considerariam deixar o seu actual empregador, versus 75% dos seus pares masculinos, por um outro (com menor reputação), apesar de ambos os géneros admitirem que só o fariam se o seu salário sofresse um aumento de 57%. O que implica que para uma empresa “manchada”, contratar talentos significa gastar muito mais dinheiro do que o “normal”.

E, para contrariar tudo o que temos vindo a ler e a escrever sobre a geração “millenial”, aquela que está a engrossar as fileiras laborais e, diz-se, é apaixonada por causas e por empresas que querem mudar o mundo, o presente estudo conclui que são os mais novos que menos se preocupam com a reputação empresarial, contrariando os seus pares mais velhos e experientes, que são os mais difíceis de convencer a mudar para uma organização cujas nódoas reputacionais a colocaram já várias vezes na “má” ribalta. Para as empresas de reputação duvidosa, a boa notícia é que 77% destes jovens com idades compreendidas entre os 18 e os 34 anos não se importam nada de nelas trabalhar.

Ainda sobre recrutamento, as empresas “más” acabam por ser castigadas devido ao enorme diferencial de custos com a contratação, caso queiram ter nos seus quadros trabalhadores talentosos. Os custos “inflacionados” inerentes aos processos de recrutamento, em conjunto com os danos provocados na reputação devido a práticas discriminatórias ou a escândalos ambientais, por exemplo, poderá ser completamente desastroso para os seus resultados financeiros. Pelo contrário, empresas que têm boa imagem no mercado, gozando de uma maior consideração por parte de potenciais candidatos, ganham não só em termos de custos de contratação menos elevados, como também na retenção desses mesmos talentos.

Ou, em suma, organizações que sofrem de uma reputação “enlameada” devem esperar custos adicionais e dificuldades acrescidas em atrair e reter talentos.

Mas, e depois de sublinhados os principais resultados destes relatórios recentemente lançados, é legítimo questionar: são necessários estudos que comprovem (para além dos “números”) estas evidências? Ou, mais importante ainda, servem estes estudos de alguma coisa quando uma empresa resolve prevaricar? Ou o que importa mesmo são os resultados trimestrais, seja por culpa das pressões dos accionistas, ou dos mercados, ou do business as usual?

A Volkswagen, ou as suas congéneres fraudulentas, pensou nestes “senões” depois de ter falseado as suas emissões e enganado os seus stakeholders? E o movimento da responsabilidade social? Está assim tão maduro e disseminado? As empresas estão realmente a integrá-lo nas suas estratégias? E para que servem os códigos de ética, como as 16 páginas que a Volkswagen oferece no seu site para download?

O rol de perguntas poderia continuar. Mas o que realmente preocupa é que não existem valores seguros. No final, é só mais um escândalo, uma má prática, um deslize. E o mundo continua a girar.

Editora Executiva