Na cadeia de valor da inovação, Portugal tem um perfil ‘desperdiçador’ que revela falta de capacidade para transformar o seu potencial em resultados concretos com impacto económico-social. Em entrevista, o director geral da COTEC Portugal, Daniel Bessa, traça o retrato de um sistema que se debate com a ineficácia e fraca produtividade, e aponta o caminho: “melhorar processos e adoptar uma atitude de rigor e exigência”
Perante o desempenho de Portugal na generalidade dos rankings de inovação, que se caracteriza por piorar à medida que avançamos de montante para jusante na “cadeia de valor da inovação”, o professor e director geral da COTEC Portugal defende que o sistema português de inovação precisa de superar o problema de eficiência e de produtividade com que se debate. Frontal, Daniel Bessa diz que aprendeu a valorizar “mais do que o programa, a capacidade de execução de quem tem de o implementar”, o que obriga muitas vezes “a ter também alguma capacidade para enfrentar interesses instalados”. Hoje “não há comunicação que nos valha se não puder ser suportada por resultados concretos”, e não é o reconhecimento do “carácter estratégico” do empreendedorismo ou da inovação que vai contribuir para criar emprego em Portugal nos próximos anos, alerta. Até porque “estratégico é algo feito com tempo e perseverança, para que possa produzir resultados a médio e a longo prazo”, esclarece. Quanto à necessidade de reforçar a ligação entre meio académico (concretamente Universidades, nas suas competências de I&D) e meio empresarial, para consolidar projectos inovadores de uma forma sustentável, o director geral da COTEC Portugal acredita que a maior batalha será conseguir o empenho “de todos para que se crie um sistema de informação consistente, de base quantitativa, que nos ajude a saber do que é que estamos a falar: quantas patentes e quanto valor criado pelas mesmas; quanto valor criado através de contratos de cedência de tecnologia não proprietária; quantas empresas criadas e com que capitais; quantos postos de trabalho criados e com que salários médios; quantas vendas efectuadas; quanto valor acrescentado. E remata: “sem esta informação presente de forma inteiramente transparente, para mim, não haverá mais casos de sucesso”. Qual é o estado da inovação em Portugal, de acordo com a opinião do Painel de Líderes que integra o Barómetro de Inovação da COTEC Portugal e na sua visão enquanto especialista em boas práticas de gestão?
Segundo a avaliação da COTEC, Portugal tem um perfil ‘desperdiçador’ que revela falta de capacidade para transformar o potencial de inovação em resultados concretos com impacto económico-social. Não obstante, a inovação portuguesa tem talento e originalidade. O que falta então, para se tornar competitiva? Ou seja: o sistema português de inovação debate-se com um problema de eficiência e de produtividade, que teremos de superar, melhorando a nossa forma de trabalhar (os nossos processos), e enquadrando tudo isso com uma atitude geral de maior rigor, e de maior exigência. A nível de apoios estatais, que leitura faz do Programa Estratégico Mais Empreendedorismo, Mais Inovação (que, como já sublinhou, estabelece um elevado nível de sinergia com as iniciativas do sector privado, mas peca pela ausência de um plano de acção concreto), e do Sistema de Incentivos Fiscais à Inovação e Desenvolvimento Empresarial (que se mantém, alargando os benefícios às PME)? Que importância tem a manutenção dos apoios financeiros do QREN à inovação e I&D, para o crescimento da inovação em Portugal? A mesma falta de recursos condiciona o mais recente destes programas, o “+E, +I”, em que, de qualquer modo, me permito assinalar a abordagem integrada do processo de inovação e empreendedorismo, e a procura de uma complementaridade acrescida entre as iniciativas do sector público e do sector privado neste domínio. Tanto quanto sei, o QREN, nomeadamente na vertente de apoio financeiro à inovação empresarial, será, de todos estes programas, o menos afectado pelas restrições financeiras a que comecei por aludir. Na sua opinião, em que medida é o desenvolvimento deste sector (Inovação e Empreendedorismo) estratégico para a geração de emprego no País, nomeadamente entre os jovens (geração atingida por uma taxa de desemprego superior a 35%)? Portugal reúne alguns centros de excelência e incubadoras que são casos de sucesso. Que necessidade existe, na sua perspectiva, de reforçar a ligação entre meio académico (concretamente Universidades, nas suas competências de I&D) e meio empresarial, para a consolidação de projectos inovadores de uma forma sustentável? Que políticas públicas de incentivo deveriam existir, para que tal aconteça?
Com estes números na frente (para Universidades, para Institutos Politécnicos, para incubadoras, para parques de ciência e de tecnologia, etc., etc.), poderei começar a discutir desempenhos, e a pronunciar-me sobre casos de sucesso. Sem esta informação presente, de forma inteiramente transparente, para mim, não haverá mais casos de sucesso. Trata-se, se preferirmos, de uma indústria. E nenhuma indústria poderá almejar qualquer tipo de reconhecimento público se ela própria não se organizar no sentido de produzir uma informação pública consistente e credível sobre as actividades que desenvolve. As actuais condições macroeconómicas são muito desfavoráveis ao empreendedorismo, que tem custos elevados relativamente à produtividade. Mesmo num contexto de agravamento dos impostos, dificuldade na obtenção de crédito e retracção do consumo, acredita que a crise, se encarada como uma oportunidade, pode funcionar como catalisador de novos negócios para novos mercados? Há também a questão do financiamento, que pode prejudicar empresas com mercado, e rentáveis – bastando, para o efeito, que não se apresentem com balanços suficientemente sólidos. Dito isto, sei “de ciência certa” que há muitas empresas portuguesas que estão a crescer, e a crescer bem, de todos os pontos de vista – residindo a nossa única esperança em que se alargue, muito, o número e a dimensão destas empresas. Quais são as consequências mais visíveis da austeridade no processo de inovação no nosso País? Concorda que as políticas de austeridade são hoje o principal constrangimento ao desenvolvimento da inovação, nomeadamente porque “estão a sufocar os centros de formação de saber”? No que se refere aos “centros de formação de saber”, acredito que muitos deles, antes de se deixarem “sufocar”, saberão encontrar novas áreas de actividade e de obtenção de receitas, e novos clientes. Nada disto que acabei de expor se aplica, como é evidente, aos centros de investigação de carácter mais fundamental, onde, num país como Portugal, o financiamento público directo das actividades continuará a ser determinante. Para se tornar atractivo aos olhos dos investidores estrangeiros, Portugal tem de evoluir, criando uma máquina fiscal eficiente e um sistema judicial eficaz. Quais são as condicionantes, por um lado, e as ferramentas possíveis, por outro, para valorizar o País como destino para novos negócios? Com o decorrer do tempo, aprendi a valorizar também, mais do que o programa, a capacidade de execução de quem tem de o implementar, obrigando, as mais das vezes, a ter também alguma capacidade de enfrentar interesses instalados – veja-se, por exemplo, a dificuldade com que depara a implementação de uma reforma sobre um assunto apesar de tudo tão circunscrito, como é o caso do mapa judiciário. Houve tempos em que apostámos muito na área da comunicação. Hoje, penso que não há comunicação que nos valha se não puder ser suportada por resultados concretos, que evidenciem uma efectiva capacidade de concretização, em domínios escolhidos de forma quase cirúrgica: não tanto pela sua dimensão, ou pela sua vastidão, mas pelo obstáculo que efectivamente constituem ao bom funcionamento de tudo o resto. Tudo o que se relacione com Administração Pública, em particular com o Fisco e com os Tribunais, reveste-se, deste ponto de vista, da maior importância. |
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Jornalista