Vivemos e operamos num mundo cada vez mais polarizado, devido à forma como o sistema de informação está construído. Um enorme desafio não só para os consumidores, mas também – e especialmente – para as organizações que realmente querem (e merecem) ser encontradas, destacar-se e gerar impacto significativo
POR IRENE PADOVESE
Há dez anos, quando comecei a trabalhar em Comunicação e Marketing, publiquei um pequeno artigo num jornal local. Era sobre as chamadas filter bubbles (ou bolhas informativas).
Era 2015. As redes sociais ainda não tinham entrado plenamente no nosso quotidiano nem dominavam o debate público, e o conceito era ainda bastante novo e pouco abordado – pelo menos na Europa. No entanto, os perigos da polarização e o surgimento de múltiplas camadas de “verdade” já pairavam no ar.
Para quem ainda não está familiarizado com o conceito, uma filter bubble (ou echo chamber) é um universo de informação pessoal e feito à medida, moldado por algoritmos com base no nosso comportamento online. Tudo o que fazemos no mundo virtual é rastreado e processado para criar o feed mais personalizado possível.
Todos nós vivemos dentro de uma bolha informativa A minha pode ser muito parecida com a tua, ou completamente diferente. Depende dos nossos gostos, dos temas que nos apaixonam, e daquilo em que acreditamos. Mas isso também significa que só vemos uma parte da realidade – aquela que nos agrada. Não escolhemos o que entra na nossa bolha e, talvez mais importante, não vemos o que é excluído.
Isto explica porque é que encontramos tantas publicações que confirmam as nossas opiniões ou estão alinhadas com as nossas crenças pessoais – reforçando os nossos preconceitos e criando a ilusão de que a maioria das pessoas pensa como nós, ou que um “tema quente” o é porque “toda a gente está a falar disso”.
Estas dinâmicas já eram visíveis em 2011 (Eli Pariser explicou-as muito bem na sua TED Talk aqui). E podemos apenas imaginar até que ponto esta tendência se agravou agora, com algoritmos cada vez mais precisos e personalizados… e com a chegada definitiva da inteligência artificial às nossas vidas.
Impactar a verdade (e no alcance)
A evolução das bolhas informativas chegou a um ponto em que compreender o sistema de informação atual se tornou extremamente desafiante, tanto para utilizadores como para profissionais. Sem falar da erosão do próprio conceito de verdade.
As consequências são vastas: do ponto de vista educativo, muitos grupos demográficos (como adolescentes ou pessoas com menos literacia digital) têm dificuldade em navegar o enorme volume de informação e estímulos. Ao mesmo tempo, a democracia está a ser afetada, marcada por debates polarizados e uma multiplicidade incontrolável de “verdades” fragmentadas.
Isto torna-se particularmente problemático também para organizações sem fins lucrativos, empresas ou startups, especialmente aquelas que trabalham para gerar um impacto positivo na sociedade ou no ambiente. Falamos de empresas como as B-Corp ou de organizações que lançam projectos educativos, promovem a inclusão social, entre outros.
Ou seja: aquelas que mais deveriam amplificar o impacto do seu trabalho, posicionando-se como agentes ativos de mudança, muitas vezes nem sequer fazem parte das bolhas informativas mais influentes – aquelas que moldam o debate público ou que influenciam a forma como pensamos.
Conseguir que a voz das organizações seja ouvida é um desafio enorme
Por vezes, a razão é a ausência de uma equipa estruturada; outras vezes, é a dificuldade em acompanhar a constante evolução das redes sociais, dos canais digitais e dos algoritmos. De forma mais geral, as equipas que trabalham pela geração de impacto positivo tendem a ficar para trás em termos de estratégia de comunicação. Muitas vezes continuam a usar abordagens de marketing ultrapassadas, acreditando que basta publicar com frequência nas redes sociais para ter sucesso.
Mas há muito mais por trás da superfície. É essencial adotar uma abordagem altamente estratégica e com um pensamento fora da caixa.
Precisamos reconhecer que estamos a operar num sistema onde:
Os conteúdos mais vistos não são necessariamente verdadeiros, mas são os que geram envolvimento.
Muitas vezes, partilhar algo – por mais relevante que seja – não gera impacto se não atrair cliques ou reações imediatas. Isso leva muitos profissionais a criar conteúdos com títulos sensacionalistas (clickbait). As mensagens acabam por ser distorcidas, simplificadas ou “gamificadas” para atrair atenção a qualquer custo.
O que é mais visto é simples e fácil de digerir
O sistema favorece a rapidez, a certeza e a polarização e não a nuance ou a complexidade. Conteúdos demasiado técnicos, elaborados ou que misturam demasiadas ideias tendem a perder-se no ruído.
Quem tem orçamento, tem alcance
As grandes oragnizações continuarão a beneficiar de orçamentos elevados e da autoridade das suas marcas. Hoje em dia, infelizmente, a publicidade paga continua a ser o meio mais eficaz de chegar a audiências de nicho ou a grupos sociais específicos.
No fim de contas, não se trata de visibilidade, mas de confiança. A comunicação verdadeira vai além dos números. Trata-se de criar credibilidade, construir relações e ser transparente. A visibilidade pode fazer com que te vejam, mas é a confiança que faz com que te ouçam, se envolvam e atuem, e isso é frequentemente negligenciado.
Romper a bolha
Dez anos depois daquele primeiro (talvez ainda ingénuo) artigo, sinto que chegou o momento de voltar a este tema. Num cenário moldado por AI, bolhas informativas e sobrecarga de informação, a Comunicação tornou-se discretamente uma das áreas mais complexas e estratégicas para qualquer organização.
Já não basta criar mensagens ou gerir canais. Hoje, Comunicação é também automação, conteúdos orientados para a experiência do utilizador, e posicionamento. E, mesmo assim, continua muitas vezes a ser subestimada ou tratada como uma função secundária quando, na verdade, está no centro de como o impacto é percebido, compreendido e partilhado.
Somos todos atores e partes interessadas neste sistema de informação. Todos moldamos o que circula – e o que fica de fora. Por isso, deixo três perguntas éticas para nos orientarmos, seja qual for o nosso papel:
- Enquanto utilizadores: Podemos aprender a usar os sistemas de informação de forma mais consciente? A manter uma mente aberta, reconhecer os limites da nossa bolha e refletir sobre como os conteúdos afetam as nossas emoções?
- Enquanto profissionais de comunicação ou marketing: Como podemos prestar uma consultoria eficaz e adaptada aos tempos atuais, desafiando as bolhas de filtro sem ultrapassar fronteiras éticas ou contribuir para a desinformação?
- Enquanto organizações: Como podem equipas orientadas para o impacto alcançar públicos além da bolha com orçamentos reduzidos? Estão prontas para aceitar a complexidade do sistema e investir em estratégias alternativas e de longo prazo?
O futuro exige consciência e capacidade de adaptação. Se conseguirmos comunicar com integridade, mesmo num sistema imperfeito, talvez possamos começar a transformá-lo.
Imagem: © Rubaitul Azad/Unsplash
é consultora sénior de Marketing e Comunicação, com 10 anos de experiência a apoiar organizações internacionais, startups e organizações sem fins lucrativos. Com um mestrado em Política Internacional e Diplomacia, desenvolveu a sua especialização em Growth Marketing e Comunicação Estratégica através de funções no Conselho da Europa, Bridge for Billions, agências de comunicação e startups em fase inicial. Atualmente, foca-se em estratégias orientadas para o impacto (ESG, clima e inovação social) combinando o storytelling com estrategias digitais. Sediada em Madrid, é também responsável de Comunicação da Stone Soup Consulting, apoiando a sua missão