Longe do(s) pequeno(s) ecrã(s), o trabalho na Sesame Workshop, organização social responsável pela produção da famosa série Rua Sésamo, não se esgota com a idade nem com os quilómetros que tem de percorrer para chegar além-fronteiras. Pelo contrário, reinventa-se à medida que as necessidades educativas surgem e os tempos mudam. Exemplo disso é a iniciativa Sesame Ventures, a qual resulta de uma parceria recente com o Collaborative Fund com o objectivo de apoiar startups cujos negócios visem a promoção de bem-estar da população infantil
POR
MÁRIA POMBO

Foi em 1969 que a Sesame Workshop (SW) lançou, nos Estados Unidos, o primeiro episódio do programa de televisão Sesame Street, com conteúdos educativos preparados especialmente para o público infantil. Este programa, conhecido em Portugal como a Rua Sésamo, foi transmitido na RTP entre 1989 e 1997, resultado de um trabalho intenso de adaptação dos conteúdos para português e para as crianças portuguesas.

De acordo com a produtora norte-americana, que é também uma organização sem fins lucrativos cujo principal objectivo é ajudar as crianças a “crescerem mais fortes, inteligentes e respeitadoras”, mais de dois terços dos miúdos que assistem actualmente ao programa acedem ao mesmo a partir do Youtube, de apps ou outros meios, e não através da “tradicional” televisão. Para que a sua missão continue a ser cumprida, e tendo em conta que as crianças de hoje em dia são bastante diferentes daquelas que há cerca de 45 anos assistiam à célebre série, os responsáveis por esta organização, que tem em curso diversos outros projectos, têm vindo a adaptar-se à “nova geração de miúdos”, procurando sempre variados mecanismos para continuar a apoiar o maior número de crianças possível.

Neste sentido, da mesma forma que os produtores da Sesame Street encontraram na televisão, há quase meio século, uma forma de educar as crianças dos Estados Unidos (e do resto do mundo), actualmente vêem as mesmas oportunidades em aparelhos como os smartphones e tablets. Para Jeffrey Dunn, CEO da Sesame Workshop, a transição da produção de conteúdos de TV para aparelhos móveis ou outros mecanismos torna-se mais fácil para esta organização se a mesma contar com a colaboração de pessoas especializadas nessas matérias “e não se tentarmos fazer tudo sozinhos”.

Adicionalmente, e para continuar a cumprir o objectivo de ajudar as crianças a crescer de uma forma mais saudável, foi recentemente estabelecida uma parceria entre a Sesame Workshop e o Collaborative Fund (um fundo de capital de risco para empreendedores criativos), com o objectivo de apoiar startups cujo negócio esteja de alguma forma alinhado ou interligado com a missão dos “pais” da Rua Sésamo e focado no desenvolvimento infantil e na promoção de bem-estar deste grupo populacional. Denominada Sesame Ventures (ou Collab+Sesame Fund), esta iniciativa apoia empresas recentemente formadas, concedendo-lhes um apoio que combina um montante total de 10 milhões de dólares (divididos, preferencialmente e segundo as expectativas, por 10 empresas e em que cada uma receberá um décimo do valor global) com a ajuda “não monetária” dos executivos da SW em termos de conhecimentos, estratégia de marketing, reputação e outras formas que poderão ser necessárias ao cumprimento dos objectivos de cada negócio.

© DR
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Porque os drones não potenciam a educação infantil

Enquanto marca mais do que reconhecida no que respeita à educação infantil e à melhoria da vida das famílias a nível mundial, respeitada um pouco por toda a parte e dando legitimidade e “bom-nome” a qualquer negócio, o Collaborative Fund considera a Sesame Workshop a parceira ideal para apoiar, em conjunto, empresas em início de vida. Craig Shapiro, fundador do Collaborative Fund, sublinha, inclusivamente, que se uma organização “pretende lançar um brinquedo, uma app ou um serviço para crianças e tiver a oportunidade de usufruir do cunho e da marca Sesame, o próprio produto terá infinitamente uma maior credibilidade”.

Como explica Jeffrey Dunn, o sucesso do trabalho desta organização social “é medido pelo impacto global na vida das crianças”. Tendo passado grande parte da sua carreira a liderar empresas e organizações durante períodos de mudança, de crescimento económico e de impacto social, o director executivo da SW afirma que “estamos no meio de uma época extraordinária, onde a tecnologia tem um enorme poder para mudar a educação, a saúde e o bem-estar de crianças de todo o mundo”. Ao colaborar com estas startups e com o Collaborative Fund, a SW “apoia o crescimento desta nova geração de crianças focadas na inovação, melhorando a sua vida em qualquer lugar”, acrescenta Dunn.

Ainda sem empresas específicas em mente, os promotores desta iniciativa procuram investir essencialmente em organizações (sempre com fins lucrativos) que apostam na educação e tecnologia, nos media, no desenvolvimento familiar, social e cultural, e ainda naquelas que elegem a alimentação, a saúde e bem-estar como o seu “core business”. Nutrição familiar, refeições escolares, prevenção e tratamento de doenças, línguas e literacia, brinquedos e jogos, e ferramentas que auxiliam os pais a cuidar dos filhos são alguns exemplos de negócios que potenciam o desenvolvimento infantil e que os promotores da Sesame Ventures pretendem apoiar.

Complementarmente, e apesar de investir preferencialmente em empresas que pretendem “fazer o bem”, o objectivo do Collaborative Fund é conseguir retorno financeiro, sendo importante que as organizações que apoia revelem capacidades e estratégias para superar os obstáculos que possam enfrentar a este nível. No entanto, o que diferencia este fundo de outros que investem em startups é a sua aposta em áreas que, tendencialmente, não geram lucros astronómicos – como a crescente indústria dos drones ou da realidade virtual, por exemplo – elegendo antes a construção de um futuro melhor, mesmo que este factor limite o número e o tipo de organizações apoiadas. “Se esta empresa for bem-sucedida, irá tornar o mundo melhor ou mais interessante?” é uma das primeiras perguntas colocadas pelos responsáveis que avaliam cada oportunidade de investimento. A Revolution Foods, que pretende distribuir refeições saudáveis pelas escolas públicas dos Estado Unidos, e a Hopscotch, que ensina as crianças a programar jogos de computador sem estas precisarem de saber linguagem de programação, são dois exemplos de empresas onde este fundo já investiu, fora do âmbito da Sesame Ventures.

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Para crianças de todo o mundo e em qualquer bairro

Uma das preocupações da Sesame Workshop é que a famosa série televisiva Sesame Street – em conjunto com os demais conteúdos educativos que lhe estão associados – não seja apenas traduzida e replicada, quando implementada noutros países. Pelo contrário, a ideia da produtora é adaptá-la ao máximo ao país que a vai receber, tendo em conta o tipo de educação que é praticado, o “perfil” de crianças e as necessidades que estas revelam ter. Em alguns países, essa adaptação é relativamente simples, mas existem aqueles que requerem maiores cuidados e um maior envolvimento por parte de toda a equipa e demais parceiros.

A Índia e a Indonésia são dois exemplos de países onde a implementação do modelo original da Sesame Street não fazia qualquer sentido e onde estão actualmente em curso duas iniciativas da SW: uma que tem como objectivo educar as crianças em idade pré-escolar de bairros onde a pobreza existe em maior escala (no primeiro caso) e outra que visa criar, entre os mais novos, um sentimento de pertença e identidade (no segundo).

A Índia tem actualmente mais de 165 milhões de crianças com menos de seis anos, sendo que destas, apenas 40% frequentam o ensino pré-escolar. Por este motivo, e dado o potencial gigantesco de crescimento no país, a SW começou a desenvolver em 2006 uma versão do programa Sesame Street. Denomina-se Galli Galli Sim Sim e pretende promover a educação pré-escolar em todo o território indiano, principalmente no seio das famílias com menores rendimentos, com foco na literacia, cálculo, saúde e nutrição. Na sua quinta edição, os resultados têm sido impressionantes: mais de 20 milhões de crianças assistem ao programa, divertem-se e aprendem com os conteúdos, identificando-se com as músicas e com as histórias que, de episódio em episódio, vão reflectindo também as culturas e as tradições de diversos países do mundo inteiro.

Para além do programa de televisão, equipas constituídas por professores locais marcam presença regularmente em diversos bairros desfavorecidos, de forma a garantir que também, e principalmente, as crianças mais novas que neles residem tenham acesso a diversos conteúdos educativos, mesmo que não frequentem a escola nem assistam ao programa de televisão.

Também na Indonésia está a ser produzido um programa com foco na educação pré-escolar. Chama-se Jalan Sesama e chegou ao país em 2008, desta feita com o principal objectivo de criar um sentimento de identidade num arquipélago com tantas discrepâncias. Promover a literacia, a consciência ambiental, o carácter e o apreço pela diversidade é o principal objectivo desta iniciativa, num país onde duas em cada três crianças vêem o programa. Até ao momento, o impacto deste projecto tem sido bastante positivo: as crianças que assistem ao mesmo aumentaram em cerca de 15% o seu conhecimento em diversas áreas, em comparação com aquelas que não têm contacto com a série televisiva.

© Sesame Workshop
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Porque uma criança nunca se deve sentir só

Para além dos programas de televisão, a SW tem em curso nos Estados Unidos diversas iniciativas com o objectivo de promover o estudo da matemática ou hábitos saudáveis entre os mais novos, ou ainda para desmistificar síndromes com o autismo e promover a inclusão social de diversos grupos, por exemplo. Adicionalmente, para manter unidas as famílias quando estas se deparam com situações de desemprego ou perda de entes queridos, a SW está a promover dois projectos que se afastam do tradicional modelo da Sesame Street, pautado pelo ensino de diversas matérias de uma forma divertida, a que muitos estão habituados.

Segundo a organização social sem fins lucrativos, duas em cada três famílias da classe média correm riscos elevados de perder poder de compra, deparando-se com decisões financeiras difíceis que põem em risco a própria estabilidade familiar. Tendo em conta que alguns valores familiares, como passar tempo juntos, são difíceis de manter em tempos de crise, a SW criou a iniciativa Families Stand Together, um kit de multimédia que ajuda os pais e os filhos a manterem-se unidos quando a crise bate à porta e exige que sejam feitas algumas mudanças drásticas e difíceis.

O kit é composto por DVD, livros de histórias, actividades e diversos conselhos e dicas que ajudam as famílias a ultrapassar os problemas e a permanecer optimistas, sempre com base naquilo que, para a organização, é realmente importante: passar mais tempo juntos.

Também para apoiar as famílias, mas desta vez para ajudar a lidar com a perda de um ente querido (pai ou mãe) está em curso a iniciativa When Families Grieve. Nos últimos oito anos, mais de 12 mil crianças americanas perderam um dos pais em conflitos armados e cerca de dois milhões e meio de crianças e jovens com menos de 18 anos são órfãs. Através de eventos públicos, actividades em família e também a partir de livros, a ideia passa por encorajar estes jovens a partilhar a sua dor e outros sentimentos negativos, libertando-se deles o mais possível. Neste kit, podem encontrar-se ainda estratégias que promovem o diálogo saudável entre as crianças e os seus familiares e cuidadores, demonstrando que com tempo e amor tudo vai ficar melhor. Cerca de 81% dos cuidadores que já tiveram acesso a este material revelam ter uma linguagem mais adequada para abordar o tema da morte junto dos mais novos.

Ajudar as crianças a crescer mais inteligentes, fortes e respeitadoras é a grande missão assumida pela Sesame Workshop, à qual se tem mantido fiel, multiplicando-a por diversas iniciativas, e tendo sempre em conta o país a que se dirigem e as “particularidades” que vão distinguido, sucessivamente, diferentes gerações de crianças. Conscientes de que as necessidades actuais, assim como os meios utilizados, são bastante diferentes daquilo que eram quando a própria SW estava a dar os primeiros passos, os promotores da Sesame Ventures (ou Collab+Sesame Fund) estão agora preparados para apoiar empresas em início de vida que queiram continuar a cumprir a missão acima enunciada. As crianças de hoje, adultos de amanhã, ficarão a ganhar e o mundo também. E talvez um dia esta iniciativa chegue a Portugal.

Jornalista