Globalmente, existe hoje uma força de trabalho “numerosa e invisível” constituída por mais de 50 milhões de trabalhadores informais, não remunerados, que cobre “a enorme carência” de profissionais de saúde qualificados. De acordo com o mais recente relatório da OIT sobre o sector global da saúde, preencher esta lacuna (que será agravada pelo envelhecimento demográfico de forma preocupante, até 2030) irá “gerar milhões de novos empregos”
POR GABRIELA COSTA

A nível mundial, são hoje necessários mais 50 milhões de empregos para dar resposta aos cuidados básicos de saúde e garantir a segurança humana. Em 2016, grande parte dos cuidados no sector da saúde foram prestados por 57 milhões de trabalhadores informais, que não são remunerados, revela um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgado em Dezembro.

De acordo com o relatório “Health workforce: A global supply chain approach”, as principais carências em termos de recursos humanos verificam-se no combate a doenças altamente infecciosas, como o ébola, o vírus do zika, a malária ou a febre amarela, e a maioria dos trabalhadores informais na área da saúde são mulheres que trocaram o seu emprego pelo papel de ‘cuidador’.

Se nada for feito, prevê-se que nos próximos anos o envelhecimento demográfico irá agravar significativamente a falta de profissionais na cadeia global de abastecimento, no sector global da saúde: em 2030 a escassez de empregos qualificados neste sector poderá atingir os 84 milhões de postos de trabalho. Por isso, conclui a OIT, é imperativo qualificar os trabalhadores informais nesta área e melhorar as suas condições de vida, para impulsionar a economia da saúde e alcançar os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável.


Investimento em saúde multiplica emprego

A partir de dados que avaliam o impacto do sector da saúde na geração de emprego em 185 países, o novo estudo da OIT coloca em evidência que os investimentos em protecção da saúde trazem benefícios não apenas no que toca a progredir nos objectivos globais do sector, mas também no que diz respeito a criar uma importante fonte de emprego que atravessa diversas actividades económicas.

O documento fornece, pela primeira vez, informação sobre o número de trabalhadores em todas as cadeias de abastecimento do sistema de protecção de saúde global, envolvendo as economias da saúde dos 185 países; mas também sobre o potencial de emprego gerado pela resposta à escassez de mão-de-obra na saúde e através da cobertura universal dos cuidados de saúde (UHC, na sigla em inglês); sobre o rácio de empregos em ocupações na área da saúde e nas restantes áreas de actividade necessárias para alcançar os objectivos do sector, em termos globais; e ainda sobre o número de empregos dignos necessários para permitir que os trabalhadores informais, como os prestadores de cuidados familiares, colmatem a falta de mão-de-obra no sector, integrando o mercado de trabalho.

A abordagem inovadora adoptada nesta análise, que inclui todos os trabalhadores que contribuem com a prestação de cuidados médicos e de saúde e serviços associados, tanto a nível nacional como internacional, permite assim demonstrar que, globalmente, existe uma “força de trabalho numerosa e invisível” constituída por mais de 50 milhões de trabalhadores não remunerados que cobre “a enorme carência” de profissionais de saúde qualificados.

De acordo com o relatório, 234 milhões de pessoas em todo o planeta trabalham para alcançar as metas previstas na cobertura universal de saúde. Deste total, apenas 27 milhões são médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde empregados nos sectores público e privado. A grande maioria desta força laboral – 106 milhões de trabalhadores, que representam 70 por cento do mercado de trabalho na economia da saúde – não ocupa cargos profissionais em áreas médicas, mas em áreas como manutenção, limpeza e higiene sanitária, apoio administrativo e cuidado informal. E inclui 45,5 milhões de trabalhadores com empregos frequentemente mal remunerados e sem condições de trabalho digno, e os referidos 57 milhões de trabalhadores informais na área da saúde.

Para Isabel Ortiz, directora do Departamento de Protecção Social da OIT, ainda que seja previsível que a 4ª revolução industrial “possa tornar vários empregos obsoletos”, os serviços de saúde “vão gerar milhões de novos empregos” no futuro. E a criação destes empregos – que já agora fazem falta, como revela o estudo da Organização – “permitirá melhorar os níveis de vida, o desenvolvimento e o crescimento económico, particularmente nos países com altos níveis de desemprego entre os trabalhadores pouco qualificados, e que têm maiores carências de serviços de assistência médica”.

Isto porque 91 por cento do potencial de emprego no sector global da saúde se encontra nos países com salários baixos e médios baixos, em África e na Ásia, como corrobora a autora do relatório, Xenia Scheil-Adlung. Para a Coordenadora de Políticas de Saúde da OIT, resulta deste facto que a criação dos estimados 50 milhões de postos de trabalho que fazem falta a nível mundial “estimularia o crescimento económico inclusivo e contribuiria para atingir o pleno emprego” nestes continentes. Actualmente, 15 milhões de trabalhadores africanos poderiam estar empregados na economia formal, se fossem investidos suficientes recursos na UHC. Já na Ásia, o actual potencial de emprego é de 29 milhões de trabalhadores em ocupações médicas e não médicas, no sector da saúde. Até 2030, mais 27 milhões de empregos poderiam ser criados em África, e 39 milhões na Ásia, adianta ainda a autora de “Health workforce: A global supply chain approach”.

A abordagem do relatório sobre a cadeia mundial de abastecimento da economia da saúde revela assim “os efeitos multiplicadores do emprego na UHC e em todos os sectores profissionais e económicos”. Como diz Isabel Ortiz no prefácio do documento, preencher as lacunas ao nível de mão-de-obra “proporciona a oportunidade de alcançar melhores resultados na saúde e gerar milhões de empregos”. E, segundo as contas da OIT, o investimento na colocação de um novo médico ou enfermeiro dá trabalho a 2,3 trabalhadores numa profissão não médica.

Neste contexto, o estudo agora divulgado dita que uma resposta às necessidades de mão-de-obra no sector da saúde terá de ser estruturada tendo em consideração o grande número de pessoas que trabalham na economia da saúde, incluindo em todos os serviços e ocupações não médicas ou de saúde, principalmente os trabalhadores não remunerados.


Desbloquear o potencial do trabalho digno

Considerando que a aposta em mais recursos humanos na saúde traz reconhecidas vantagens não só para o desenvolvimento do sector como para a geração de emprego em muitos sectores económicos, a nível global, a OIT recomenda que se aumentem de forma significativa os investimentos na criação de empregos dignos no sector, que contribuam para a cobertura universal dos cuidados e da assistência médica, mas também para o desenvolvimento sustentável e para o crescimento inclusivo.

Com vista a avançar na realização dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (em particular do objectivo 8 – Trabalho digno e Crescimento económico), é “fundamental colocar o foco em condições de trabalho decentes para todos os colaboradores na cadeia mundial de abastecimento da saúde, e nas economias da saúde nacionais, incluindo o pagamento de salários justos e a garantia de protecção social”, alerta a OIT. “É necessário repensar as actuais políticas para alcançar a UHC, desbloqueando o potencial do emprego digno”, esclarece a Coordenadora de Políticas de Saúde da OIT.

Para tanto os cuidados informais não remunerados têm de se transformar numa quantidade suficiente de empregos para trabalhadores qualificados, com condições de trabalho humanas. Como defende a directora do Departamento de Protecção Social da OIT, “avançar em direcção à cobertura universal dos cuidados de saúde no contexto dos ODS exige um número suficiente de trabalhadores que prestam cuidados de saúde, como médicos e enfermeiros, mas também profissionais em muitas outras áreas”, administrativas ou de serviços, por exemplo. Porque, actualmente, “na maioria dos países um grande número de trabalhadores não remunerados que prestam cuidados de saúde, muitas vezes mulheres, são indispensáveis para suprir as carências e fornecer cuidados, como aos membros familiares mais idosos”, afirma Isabel Ortiz.

Neste aspecto, a responsável da OIT insiste que a aposta na integração profissional, no sector da saúde, de tantos trabalhadores informais teria como garantidos “enormes ganhos”, ao revelar “o potencial económico de mulheres que abandonam o mercado de trabalho para fornecer cuidados familiares, na ausência de profissionais de saúde competentes”. Mas também ao considerar os investimentos em protecção da saúde como “uma fonte sustentável de emprego que gera crescimento económico inclusivo”.

Contudo, a realidade demonstra que até ao momento estes significativos impactos económicos do investimento na protecção da saúde “são em grande parte ignorados” e que os retornos do investimento em UHC, em termos de emprego, “não foram adequadamente avaliados”, como alerta, no prefácio do relatório, Isabel Ortiz.

Resolver a falta de mão-de-obra no sector global da saúde e criar crescimento económico inclusivo e sustentável, tendo por base o emprego na economia da saúde, exige um conjunto de medidas, que a OIT sumariza neste relatório e enuncia enquanto recomendações:

  • Colocar o foco em investimentos adequados em UHC para criar procura e gerar fundos para os requeridos empregos, o que implica a aplicação dos princípios fundamentais da protecção social no sector da saúde, garantindo igualdade no acesso a assistência de qualidade e a solidariedade no financiamento.
  • Fornecer condições de trabalho dignas a todos os trabalhadores da cadeia de abastecimento, incluindo salários justos.
  • Transformar o trabalho não remunerado gerado pelo abandono do mercado de trabalho devido à falta de mão-de-obra na saúde em empregos pagos, para acelerar o crescimento inclusivo e reduzir as desigualdades de género.
  • Considerar que gerar empregos nos países de baixo e médio rendimento, e particularmente em zonas rurais de África e da Ásia, irá maximizar os retornos dos investimentos.
  • Reconhecer que a migração de trabalhadores na área da saúde irá continuar a aumentar, atendendo aos benefícios para os cidadãos e para os seus países de origem e de destino, e deve ser regulada de acordo com as respectivas Convenções e Recomendações da OIT, a fim de compensar efeitos negativos.

Gerar os necessários 50 milhões de empregos no sector da saúde global e combiná-los com salários justos, protecção social e direitos no trabalho irá produzir retornos de investimento importantes, concretamente em países com graves défices ao nível da prestação de cuidados de saúde, e onde os mercados de trabalho informais são mais expressivos. Por isso, e com base nas conclusões do relatório sobre mão-de-obra no sector elaborado no final de 2016, a partir de dados de 185 países, a Organização Internacional do Trabalho não tem dúvidas de que uma estratégia alargada de criação de empregos dignos irá contribuir, no futuro, para alcançar as metas globais estabelecidas para a economia da saúde, mas também para o desenvolvimento económico e social sustentável.


Criança em Dhaka, no Bangladesh © Unicef / Noorani

ONU lança plano sobre riscos ambientais para a saúde

Mais de 12,5 milhões de pessoas morrem anualmente devido a doenças relacionadas com a poluição do ar, da água ou do solo, e em consequência das alterações climáticas. Para contrariar este flagelo, três agências das Nações Unidas estão a preparar um plano sobre os riscos ambientais na saúde, cujas medidas serão divulgadas em Junho

A Organização Mundial de Saúde (OMS), a Organização Meteorológica Mundial (OMM) e o PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente estão desde o início do ano a unir esforços para chamar a atenção sobre os impactos fatais da poluição ambiental. A cada ano, quase 12,6 milhões de pessoas morrem devido a doenças associadas à poluição do ar, da água e do solo, ou em consequência dos efeitos das alterações climáticas. De acordo com uma nota conjunta, em Junho de 2017 as três agências da ONU vão lançar um plano que visa reverter os efeitos negativos do meio ambiente sobre a saúde.

Até 2050, prevê-se que 66% da população global estará a viver em áreas urbanas, que, como é sabido, concentram elevados níveis de poluição, tráfego de veículos, más condições de habitação e, por vezes, acesso limitado a água e a saneamento. Defendendo que os riscos ambientais para a saúde são “muito complexos”, demasiado complexos para serem tratados com soluções “simplistas e de curto prazo”, as organizações das Nações Unidas recordam que na recente assinatura da Declaração de Marraquexe sobre Saúde, Ambiente e Alterações Climáticas os países reconhecem que não existe ainda nenhum “mecanismo global para que os sectores da saúde e do ambiente trabalhem juntos, salvando vidas e protegendo o planeta”.

Com o novo acordo, cujo mecanismo de intervenção fica a cargo das agências da ONU, caberá aos países colocarem em prática várias acções ambientais e de protecção da saúde. Cidades como Atenas, Madrid, México e Paris, por exemplo, pretendem acabar com a circulação de veículos a diesel até 2025.

Segundo as contas das três agências, implementar medidas de combate às emissões poluentes pode salvar 2,4 milhões de vidas por ano e reduzir o aquecimento global em 0.5º C até 2050. Pelo contrário, não ter em consideração os impactos da poluição do ar para a saúde pode resultar em investimentos na ordem dos 5,3 triliões de dólares em subsídios para fontes de energia que poluem o ar.

Trabalhando em conjunto para apoiar os países na implementação da Declaração de Marraquexe, a OMS, a OMM e o Pnuma afirmam-se comprometidos em reunir especialistas na criação de uma estratégia única sobre ambiente e saúde.


Jornalista