POR MÁRIA POMBO
“Os líderes do século XXI têm de cumprir as suas promessas de investimento no futuro, mas apostando em livros, educação e esperança, e não em armas, guerras e conflitos” – Malala Yousafzai
O Malala Fund é uma organização criada por Malala Yousafzai, a jovem paquistanesa laureada com o Nobel da Paz e que luta há já vários anos pelos direitos das raparigas, com o objectivo de levar a educação aos locais onde a mesma é mais escassa ou até inexistente (nomeadamente zonas de guerra e comunidades mais “esquecidas” de países em desenvolvimento). E é para continuar a promover a educação feminina nos países em desenvolvimento que esta organização se vai focar, ao longo deste ano, na concretização de três grandes metas: a aposta no futuro, levando os líderes das diversas nações a financiar a educação; a continuação do trabalho já iniciado em termos de promoção da educação das raparigas que vivem em zonas problemáticas, dando principal destaque às que vivem na Síria e em campos de refugiados de países vizinhos; e, por fim, o lançamento de uma nova iniciativa de apoio à educação nas comunidades mais carenciadas de diversos países.
Esta última iniciativa – que foi recentemente lançada – chama-se Gulmakai Network (que era o nome secreto utilizado por Malala quando descrevia, no seu blog para a BBC, os atentados levados a cabo pelos talibã, no seu país) e consiste na atribuição anual de 10 milhões de dólares a um conjunto de activistas – também apelidados de “campeões da educação” – que são responsáveis por projectos que fomentam o ensino das raparigas, nas mais variadas formas, nos locais mais subdesenvolvidos e desfavorecidos do planeta.
Tendo em conta que as diversas ameaças à educação – como a pobreza, a guerra e a desigualdade de género – variam de comunidade para comunidade, e que os seus habitantes são quem melhor as consegue identificar, encontrando soluções e estratégias para as ultrapassar, a rede Gulmakai decidiu promover a educação, apostando nos responsáveis por projectos que já estão em curso nas diversas comunidades (mais do que no envio de equipas para implementar programas de raiz). O primeiro grupo de “campeões” já é conhecido. São nove activistas e têm projectos em cinco países – Paquistão, Nigéria, Líbano, Turquia e Afeganistão. Importa salientar que só foram anunciados oito destes activistas e que um deles optou por manter o anonimato, para garantir a sua própria segurança.
No Paquistão, e através de um conjunto de programas promovidos pela Pakistan Youth Change Advocates, Areebah Shahid é a primeira “campeã” a receber o donativo da rede Gulmakai. A sua associação promove a paz e o desenvolvimento social, convocando os jovens a participar mais activamente na sua comunidade, e valorizando o bem-estar, o respeito pelos direitos humanos e a educação. O apoio do Fundo Malala vai permitir que diversas jovens universitárias participem numa campanha e que aprendam a implementar os direitos das mulheres nas comunidades onde vivem.
Também no Paquistão, Gulalai Ismail, uma activista na área da educação e co-fundadora da Aware Girls, foi escolhida para fazer parte do grupo apoiado pela iniciativa Gulmakai. Esta organização trabalha directamente na capacitação das mulheres, na promoção da igualdade de género e na melhoria dos níveis de paz daquele país. O montante angariado vai ajudar Gulalai a levar a educação às comunidades do noroeste do Paquistão, permitindo que mais raparigas frequentem a escola e a encarem o ensino como um direito e não como uma regalia.
Já na Nigéria, dois activistas foram igualmente escolhidos para pertencerem ao grupo dos contemplados com o apoio de Malala. Uma delas é Habiba Mohammed, professora, activista e co-fundadora do Centre of Girls’ Education (CGE), que apoia centenas de jovens do norte daquele país a regressarem ao ensino, através da criação de locais seguros onde estas podem aprender sem medo da violência. O montante da iniciativa Gulmakai vai estimular a criação de programas de e-learning com o objectivo de levar a educação às comunidades rurais e, consequentemente, a um maior número de raparigas que, por diversos motivos, abandonaram a escola.
O outro activista nigeriano chama-se Rotimi Olawale e é co-fundador da YouthHubAfrica. Esta plataforma que, no fundo, se traduz numa comunidade online, incentiva os jovens a participarem e a promoverem uma mudança social, dando-lhes ferramentas e conhecimentos em termos de liderança. Promover a adopção da Lei dos Direitos das Crianças na Nigéria é o principal objectivo de Rotimi e será aqui que este jovem irá utilizar o montante doado pela nova iniciativa de Malala.
Também no Líbano vivem dois “campeões” escolhidos para figurar neste painel de jovens promotores da educação. Nayla Fahed é presidente e co-fundadora da Lebanese Alternative Learning, uma organização que utiliza o ensino à distância como forma de educar um maior número de pessoas. Fazendo fronteira com a Síria, a sua associação irá utilizar o montante da rede Gulmakai para criar programas de apoio a jovens refugiadas da guerra que vivem no Líbano, apostando no e-learning e focando-se nas disciplinas que fazem parte da metodologia STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics).
Adicionalmente, Fadi Hallisso é o segundo libanês que, de acordo com a equipa do Fundo Malala, merece reconhecimento. A sua organização, Basmeh & Zeitooneh, promove a reinserção social da população desfavorecida, nomeadamente através da procura de oportunidades de emprego para refugiados da Síria que vivem no Líbano e na Turquia. O apoio conseguido será útil na criação de programas de captação de jovens sírias que abandonaram o ensino, incentivando-as a voltar a estudar e dando-lhes apoio na construção de um futuro melhor.
Com base na ideia de que “o voluntariado é um modo de vida”, a organização Mavi Kalem apoia essencialmente mulheres em situação de vulnerabilidade, promovendo a igualdade de género, na Turquia. Com o apoio concedido pela Gulmakai Network, a sua vice-presidente, Gamze Karadag Koc, irá liderar um programa que incentiva as jovens sírias que vivem refugiadas naquele país a matricularem-se nas escolas secundárias turcas, regressando assim ao ensino.
O último, mas claramente não menos importante, dos “campeões” que, nesta primeira fase, foram escolhidos pela iniciativa Gulmakai, é Rahmatullah Arman, director-geral da Teach for Afghanistan, uma organização que promove o combate às desigualdades no ensino, ajudando actualmente 10 mil jovens em escolas do Afeganistão. O montante conseguido pelo Fundo Malala vai ajudar este activista a atrair e recrutar licenciados que possam e queiram dar aulas nas regiões mais desfavorecidas e desertificadas daquele país.
A educação é um direito de todos e não uma regalia de alguns
A Gulmakai Network é uma das maiores e mais recentes iniciativas promovidas pelo Malala Fund, mas o trabalho desta organização está longe de se esgotar no apoio monetário a diversos projectos. Em conjunto com a sua equipa, Malala Yousafzai tem vindo a promover o ensino através de diversas campanhas, utilizando a sua voz para representar todos os que vivem com medo.
Já quando se escondia atrás de um nome secreto, Malala sentia que devia fazer algo pela promoção dos direitos das mulheres, denunciando as situações terríveis que vivia, na sua comunidade do noroeste do Paquistão, e descrevendo, por exemplo, os episódios em que as escolas femininas eram atingidas e fechadas pelas forças talibã e em que as jovens eram impedidas de estudar.
Em 2014, a jovem activista foi galardoada, juntamente com o indiano Kailash Satyarthi, com o Prémio Nobel da Paz, resultado do seu esforço em fazer chegar a educação a todas as crianças, principalmente àquelas que vivem nos locais mais esquecidos e desfavorecidos, ou que são obrigadas a permanecer em locais de conflito armado e dominados pela guerra. E a sua organização acredita que a educação básica é insuficiente, e por isso não promove “apenas” a literacia mas sim o ensino secundário, lutando para que em qualquer parte do mundo este seja gratuito e de elevada qualidade. Neste sentido, e como explica Ziauddin Yousafzai (pai de Malala), “a educação básica começa a desbloquear o potencial, mas é a educação secundária que dá as asas que permitem que as raparigas possam voar”.
Como sustenta a organização da jovem paquistanesa, 12 anos de educação (que vão desde o ensino básico ao secundário) conferem às jovens as competências, a confiança e os conhecimentos necessários para que possam ser bem-sucedidas, tanto em casa, como no trabalho e na própria comunidade. É que a educação é fundamental para que seja construída uma sociedade justa, saudável e próspera, onde os seus membros podem tomar decisões informadas sobre a própria vida e lutar pelos seus direitos.
Que os governantes, a nível mundial, apostem mais na educação e menos na guerra é um dos principais objectivos deste projecto e um dos principais sonhos da “jovem-coragem”. Contudo, os números comprovam que esta meta está longe de ser cumprida. Mais de 130 milhões de raparigas, a nível mundial, não frequentam actualmente nenhuma escola por motivos tão “desnecessários” como casamentos precoces, falta de infra-estruturas, ou porque têm que ficar em casa a tomar conta de irmãos mais novos, sendo-lhes negado este direito. De acordo com a UNESCO, e embora a taxa de frequência escolar tenha melhorado nos últimos anos, existem ainda 32 milhões de meninas entre os seis e os 10 anos que continuam a não ir à escola, sendo preocupante o facto de que muitas destas provavelmente nunca irão ter esta oportunidade.
Também grave é o facto de mais de 98 milhões de raparigas não chegarem sequer a ter acesso ao ensino secundário, sendo forçadas a desistir de estudar após adquirirem os conhecimentos básicos relacionados com a leitura e o cálculo. E os apoios ao estudo são, nos países em desenvolvimento, tão escassos que mesmo daquelas que chegam a frequentar o 10º, 11º ou 12º anos, muitas são as que acabam sem aproveitamento. Impressionante é também que, em pleno século XXI, estes números não passem de meras suposições, já que existem milhares e milhares de cidadãos (e não apenas mulheres) que nunca foram registados e que simplesmente “não existem”.
Inverter esta elevada taxa de abandono (ou de “não frequência”) escolar ajuda fortemente a diminuir o elevado número de casamentos na infância, dando às mulheres as competências para que estas continuem a lutar por uma sociedade desenvolvida e sustentável, onde o acesso a bens e serviços é igual para ambos os géneros. Não podemos esquecer que, de acordo com o Fundo Malala e como é do conhecimento geral, a desigualdade de género é uma realidade presente nas nações desenvolvidas, mas a mesma assume uma expressão muito maior nos países em desenvolvimento. Nas próprias escolas, logo desde a infância, as raparigas têm um tratamento muito diferente daquele que é dado aos rapazes, sendo muitas delas desencorajadas de assumir funções de liderança.
Apoiando os projectos levados a cabo por variadas organizações locais, a rede Gulmakai tenciona precisamente inverter esta tendência de discriminação feminina na educação. Através do apoio financeiro, esta iniciativa procura estimular os jovens activistas que lutam, corajosamente e muitas vezes com poucos recursos, para levar o ensino mais longe e ajudar o maior número possível de raparigas que, todos os dias e pelos mais variados motivos, são forçadas ou estimuladas a abandonar os estudos, desistindo assim do seu próprio futuro. Através desta iniciativa, Malala Yousafzai, em conjunto com a sua equipa, espera poder apoiar e acelerar a promoção da educação secundária, principalmente entre as raparigas, a nível mundial.
Jornalista