Segundo a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), «Portugal enfrenta grandes desafios no que diz respeito à saúde psicológica e aos riscos psicossociais no trabalho. O stress e a falta de saúde psicológica no trabalho não têm apenas um custo humano enorme, mas também um impacto imenso na sociedade e na economia. O Estado e os empregadores perdem milhões de euros porque os colaboradores são menos produtivos, menos eficazes ou estão ausentes por motivo de doença»
POR PEDRO COTRIM

A saúde mental tem estado na ordem do dia. As desordens nervosas aumentam com a crise e ultimamente a comunicação social tem estado atenta aos casos de carência económica e ao stress que vive quem não tem dinheiro para pagar as contas, aos casos de sobrecarga do trabalho, aos casos de burnout e a tudo o que se relaciona genericamente com o bem-estar. A pandemia baralhou muita coisa e houve coisas alteradas para sempre.

Já todos sabemos e não vale a pena tapar o sol com a peneira; ou, como afirma Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), «Portugal enfrenta grandes desafios no que diz respeito à saúde psicológica e aos riscos psicossociais no trabalho. O stress e a falta de saúde psicológica no trabalho não têm apenas um custo humano enorme, mas também um impacto imenso na sociedade e na economia. O Estado e os empregadores perdem milhões de euros porque os colaboradores são menos produtivos, menos eficazes ou estão ausentes por motivo de doença».

A carência económica é um factor tremendo na saúde mental devido às condições de habitação e outras situações complicadas. É doloroso não ter dinheiro para reparar um electrodoméstico que pode facilitar um dia-a-dia sobrecarregado por contas que não se sabe como se vai pagar; uma obra de reparação numa casa-de-banho em que se rompa um cano é um pesadelo; mudar de casa para outra mais barata implica o stress da mudança; a mudança de casa pode implicar a mudança de escola dos filhos, com o stress agravado dos novos amigos e do novo ambiente. O acesso à saúde mental nem sempre é fácil e há muitos pobres deprimidos não diagnosticados. Existe ainda a ansiedade de não se ter nada que possa proporcionar uma sensação de segurança. As pessoas que vivem esta situação na pele relatam sentir-se deprimidas, isoladas e sozinhas, e por vezes com muita revolta. Os filhos ouvem frases como «ter de crescer rápido demais». É um drama dentro de um drama.

Contudo, nem só de pobreza vive a depressão. A OPP apresentou um estudo (1) em que se analisam os números que ilustram a sua frase de abertura: «A perda de produtividade devida ao absentismo e ao presentismo causados por Stress e problemas de Saúde Psicológica pode custar às empresas portuguesas até 3,2 mil milhões de euros por ano, uma vez que se estima que, em Portugal, os trabalhadores faltem, devido ao Stress e a problemas de Saúde Psicológica até 6,2 dias por ano e o presentismo possa ir até 12,4 dias».

Presentismo? É a «perda de produtividade que ocorre quando os trabalhadores vão para o seu local de emprego mas funcionam abaixo das suas capacidades devido a doença física ou mental» (2). É terrível e todos conhecemos casos de trabalhadores absolutamente desmotivados que estão nas suas funções de corpo presente. Já todos vimos pessoas que passam o seu dia de trabalho com o azul inconfundível do facebook a bater-lhes nos olhos, a jogarem jogos ou a fazerem as intermináveis paciências com as cartas. É mau para as empresas, é péssimo para elas. Afecta capacidades cognitivas, de concentração, a memória e as emoções. Há estudos de sobra para isso e quem os ler talvez queira largar de vez as redes sociais De acordo com um Inquérito Europeu sobre as Condições de Trabalho mais de um terço dos respondentes vai trabalhar mesmo estando doente (3).

E o absentismo? Sabemos, mas aqui fica: «O absentismo corresponde à ausência intencional e/ou habitual do trabalhador. Embora seja esperado um determinado número de faltas anuais por trabalhador, um número excessivo de ausências pode significar a diminuição da produtividade e traduzir-se num efeito negativo nas finanças de uma organização, mas não só. Por exemplo, a qualidade do serviço ou produtos pode diminuir devido à fadiga ou défice de trabalhadores; os trabalhadores que têm que fazer trabalho extra para cobrir as ausências podem sentir-se insatisfeitos e desmotivados; trabalhadores sem a formação necessária podem ter de substituir os trabalhadores em falta».

Absentismo e presentismo, duas faces da mesma moeda. Segundo a OPP, «têm sido realizadas várias estimativas do custo do presentismo com base na informação existente sobre absentismo e algumas investigações concluem que o custo do presentismo pode ser até 3 vezes superior ao do absentismo. Por exemplo, Cooper & Dewe (2008) estimam que os custos do presentismo são 1,8 vezes superiores aos custos do absentismo. A EU-OSHA (2014) considera que o presentismo devido a problemas de Saúde Psicológica pode custar 2 vezes mais do que o absentismo». (4)

O estudo da OPP adianta percentagens e surge a resposta para o problema «No total, a perda de produtividade pode custar às empresas portuguesas até 0,9% do seu volume de negócios. No entanto, a prevenção e a promoção da Saúde Psicológica e do bem-estar nas empresas portuguesas podem reduzir as perdas de produtividade pelo menos em 30% e, portanto, resultar numa poupança de cerca de mil milhões de euros por ano».

Vale a pena notar que estes números se referem apenas a riscos indirectos. Não estão incluídos os acidentes de trabalho nem as doenças profissionais. Para chegar a contas totais devidas ao bem-estar, seria necessário incluir muitas mais variáveis. A factura por quem não está bem é mesmo muito pesada.

As empresas mudaram com a pandemia. Há um antes e um depois no que toca a condições como trabalho remoto, facilidade de escolha entre as instalações da empresa e muito mais detalhes. Há ainda nomadismo digital. Há estudos de produtividade há muito e em todos se teima mostrar que a satisfação de quem trabalha é um factor preponderante na prosperidade das empresas. Se o trabalhador não gostar da empresa, quem gostará?

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estipula um local de trabalho saudável e a OPP repesca a definição: «é aquele em que todos os membros da organização (empregadores, gestores e colaboradores) cooperam com vista ao melhoramento contínuo dos processos de protecção e promoção da saúde, da segurança e do bem-estar». Não é uma definição que ofereça grandes dúvidas.

O mundo empresarial de hoje é complexo, seja qual for a dimensão da empresa ou o seu ramo de actuação. Há globalização, há marcas que se estendem por toda a terra. Ouse-se: uma rua central numa cidade europeia é quase igual a outra rua central de outra cidade europeia. O mundo está globalizado convergente em termos linguísticos: há shop, boutique, bar, restarant, pizza, beer e muito mais concordâncias lexicais do que nunca. Desafia-se o maior globe-trotter a afirmar o contrário. É difícil prosperar num mercado tão imenso; ou antes, não é difícil, basta ter um bom produto e colaboradores satisfeitos. E felizes. E saudáveis.

A OPP alerta que «no entanto, as mudanças ocorridas no mundo do trabalho, nomeadamente, as transformações socioeconómicas, o aumento do desemprego, o aumento da incerteza e da instabilidade laboral, os contractos precários, o aumento da carga e do ritmo de trabalho, a insegurança causada pela imprevisibilidade das mudanças e reestruturações nas empresas, entre outros, estão associadas ao aumento dos riscos psicossociais com um forte impacto na Saúde Física e Mental dos colaboradores das diferentes organizações». A cada acção sucede uma reacção e comportamento gera comportamento.

Adianta ainda a OPP que o stress no trabalho ocorre quando alguém sente que as exigências são maiores que as suas capacidades. Também é possível experienciar stress ocupacional quando, pelo contrário, as exigências e expectativas sobre o desempenho são poucas ou nenhumas. Entregar demasiadas tarefas a um colaborador ou entregar trabalho a enos são factores de risco. É um risco psicossocial que pode contribuir para problemas de saúde psicológica no trabalho. Claro que com outros factores entrópicos, o resultado piora. Por exemplo, de acordo com um estudo de 2017 claramente referenciado, os trabalhadores nocturnos correm um risco de depressão 42% superior em relação aos colegas que trabalham durante o dia. É um número espantoso.

A OPP adianta mais números e recorre a mais estudos. Se se assumir que, numa empresa, a prevalência da Depressão é equivalente à da população portuguesa, ou seja, 6,8% e tomarmos como pressuposto que, em média, cada colaborador a tempo inteiro, com uma Depressão que não seja tratada, custa à organização €8794 por ano (Hilton, 2004), então uma empresa com 250 colaboradores pode ter 17 colaboradores com depressão que, se não for tratada, custará à empresa cerca de €149 500, por ano. (5)

A OPP alertou o Banco de Portugal, para o impacto negativo do stress e dos problemas de Saúde Psicológica, e dos erros e enviesamentos acrescidos que podem provocar, especificamente, nas instituições bancárias e nas suas lideranças, dadas as possíveis repercussões sistémicas, com prejuízo financeiro para todos os contribuintes e o potencial desestruturador na vida dos cidadãos portugueses.

Há ainda o risco das tarefas monótonas. Quem já as fez sabe o que são, quem não as fez não sabe a sorte que tem. Sabemos da indústria têxtil no norte, da agricultura mais ou menos intensiva, das fábricas de conservas, das unidades de montagem de componentes e de muitos mais sítios onde a repetição das tarefas traz a excelência. Em Portugal, a percentagem de empregos que envolvem tarefas monótonas aproxima-se dos 60% – percentagem superior à média europeia, que é inferior a 50%. Por seu lado, a intensidade do trabalho é associada com resultados negativos de saúde e de bem-estar, especialmente o stress ocupacional.

A maioria dos gestores (quase 80%) dos gestores mostram-se preocupados com o stress ocupacional, por exemplo. No entanto, menos de um terço das empresas têm procedimentos para lidar com estes riscos. Infelizmente, em Portugal, pouco mais de 10% das empresas possuem procedimentos para lidar com os riscos psicossociais (por exemplo, o stresse ocupacional e a violência relacionada com o local de trabalho) em contexto laboral.

Voltamos aos números: A EU-OSHA (2014) reporta que o custo total dos problemas de Saúde Psicológica na Europa corresponde a 240 biliões de euros por ano, sendo que, destes, 136 biliões de euros por ano se devem aos custos da redução da produtividade (incluindo o absentismo).

É bem visível que os custos dos problemas de saúde psicológica no trabalho para os indivíduos, as organizações e a sociedade são enormes. Para os indivíduos incluem a perda de salário e os gastos adicionais com consultas e tratamentos médicos. Para os empregadores, os custos directos incluem as despesas de saúde e aquelas relativas à incapacidade, assim como os custos indirectos, que incluem o absentismo, o presentismo, a reforma antecipada, a necessidade de substituir os trabalhadores e a redução da produtividade. A sociedade suporta os custos com a saúde e o impacto económico da diminuição da produtividade.

O estudo inclui mais números. Neste artigo será impossível sermos exaustivos. Recomendamos a leitura da bibliografia que se apresenta e terminamos com os números previstos num cenário em que ue os dias perdidos de trabalho atribuíveis a Stresse ou problemas de Saúde Psicológica relacionados com o trabalho corresponde a 50% dos dias de absentismo laboral, utilizando os dados, referidos acima, de acordo com os quais, por motivos de saúde se perderam, em Portugal, o equivalente a 12,3 dias de trabalho. De acordo com este Cenário esti_mamos que, em Portugal, os trabalhadores faltam 6,2 dias por ano devido a Stresse ou problemas de Saúde Psicológica. Neste Cenário assumimos ainda, tal como a EU-OSHA (2014), que o presentismo devido a problemas de Saúde Psicológica pode custar 2 vezes mais do que o absentismo, e que, portanto, em Portugal, o presentismo atribuível ao Stresse ou problemas de Saúde Psicológica é de cerca de 12,4 dias. 


(1) Ordem dos Psicólogos Portugueses (2020). «Prosperidade e Sustentabilidade das Organizações. Relatório do Custo do Stresse e dos Problemas de Saúde Psicológica no Trabalho».

(2) https://doi.org/10.1002/job.630

(3) Eurofound and EU-OSHA (2014). «Psychosocial risks in Europe: Prevalence and Strategies for Prevention. Publications Office of the European Union»

(4) National Institute of Mental Health (2008). «Depression – a treatable illness»

(5) VVAA, Managing Shiftwork – Health and Safety Guidance. HSE Books.