Quem o diz é Manuel Villaverde Cabral, do alto dos seus 70 activos anos, a propósito das políticas, ou da sua ausência, de envelhecimento. O presidente do Instituto do Envelhecimento considera a longevidade uma “bênção universal”, mas defende que o que faz realmente falta são manifestações e movimentos de expressão dos interesses e desejos dos próprios seniores, que podem não corresponder ao que defendem aqueles que falam em nome dos “idosos”
POR HELENA OLIVEIRA

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© Victor Machado
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Há cerca de três anos e a propósito da criação do Instituto do Envelhecimento, afirmou que “a política portuguesa para o envelhecimento é pensões e saúde”. Com a actual conjuntura económica a não dar margem para investir em “novas políticas”, é possível descortinar alguma melhoria na situação dos mais velhos em Portugal ou, pelo contrário, as notícias são ainda mais desoladoras?
As políticas públicas são mais uma questão de prioridades – conceitos, análises, finalidades, etc. – do que uma simples questão de dinheiro. Em termos estatísticos, as pessoas mais velhas, nomeadamente os reformados, são destinatários de fatias financeiras muitíssimo significativas (saúde, pensões, segurança social, onde se incluem, por exemplo, os chamados lares e os cuidados pessoais), mas esses recursos são, por assim dizer, inertes, contribuindo muito pouco para a activação dos seniores.

A isso acresce a falta de qualquer movimento de auto-organização por parte dos próprios seniores, de modo que a minha proposta é que seja criada uma secretaria de Estado para a 3.ª Idade, a fim, não de “dar dinheiro” aos idosos só porque são idosos, mas sim para coordenar as políticas existentes, identificar prioridades (cuidados prolongados, cuidados domiciliários de reabilitação, activação em geral, ensino ao longo da vida, mas também institucionalização, demências, etc.) e auscultar a voz dos mais velhos.

O tema do envelhecimento tem vindo a ganhar um interesse crescente, nomeadamente depois de a Comissão Europeia ter proclamado 2012 como o Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre Gerações (AEEA&SG). Que resultados se podem esperar, na prática e para além de uma maior atenção para a temática, com este tipo de proclamações?
O Ano Europeu do EA&SG, em cujas actividades tenho participado regularmente, tem sobretudo servido para colocar o tema na agenda, mas ainda não vi – talvez ainda seja cedo, veremos o que acontece até ao fim do ano – que as políticas públicas no campo estejam a ser estudadas de maneira a tentar fazer melhor com o dinheiro que temos e a prevenir algumas das tendências negativas do crescente envelhecimento da população portuguesa, incluindo a questão, cada vez mais óbvia, do declínio drástico da natalidade (Portugal tem um índice de fertilidade dos mais baixos do mundo)!

Por enquanto, do ponto de vista das políticas, parece-me que se continua a laborar em dois grandes equívocos, para não dizer dois enormes erros: (1) colocar tudo o que não são pensões nem saúde, no sentido mais restrito, nas mãos da chamada “sociedade civil”, ou seja, nas mãos das IPSS; (2) confiar nas relações intergeracionais familiares para que os mais novos tratem dos mais velhos se e quando estes perderem a autonomia, seja física, mental ou financeira, e excluindo, sequer, debater a questão da institucionalização de “fim de vida”.

Ora, na minha opinião, qualquer destas “estratégias” (?), parecendo bem-intencionadas, não deixam de estar condenadas ao fracasso diante das tarefas gigantescas que se avizinham e da própria “inversão da pirâmide demográfica” a prazo de duas ou três décadas!

Quando ouvimos a expressão “envelhecimento activo”, a imagem que habitualmente vem à ideia é a de seniores a fazerem ginástica ou a correr alegremente com os netos. Todavia, o conceito implica novas perspectivas de emprego para os mais idosos, um maior envolvimento na sociedade e também as questões de autonomia. Sendo Portugal um dos países mais envelhecidos da Europa, até que ponto é que a nossa sociedade está preparada para olhar para os mais velhos como uma mais-valia e não como “um peso”?
Do ponto de vista mental, é óbvio que a velhice é vista pela generalidade da população, incluindo os seniores, como um “peso”! Toda a gente dirá o contrário, mas é isso que pensam(os). O envelhecimento activo existe, é benéfico, mas tem o inconveniente de ser condicionado exactamente pelos mesmo determinantes que o estado de saúde das pessoas, ou seja, a idade, o género, a escolaridade e o estatuto socioeconómico; portanto, as práticas de envelhecimento activo – entre as quais as actividades intelectuais são tão importantes ou mais do que as físicas! – não deixam de repristinar, replicar, o próprio estado de saúde. Dito isto, as futuras coortes seniores, a partir já daqueles que hoje têm 60 anos e, por maioria de razão, os que estão na casa dos 50, chegarão à idade maior com atributos escolares e até socioprofissionais muito superiores aos das pessoas que têm hoje 70 ou 80 anos. Portanto, deste último ponto de vista, as coisas vão melhorar por si, sobretudo no plano da(s) autonomia(s).

Já quanto aos conflitos intergeracionais em torno, em primeiro lugar, do emprego e da reforma e, em segundo, do investimento social em saúde+segurança social vs educação, esses só ganhariam em ser explicitados e debatidos, e não varridos para debaixo do tapete, o que só nos faz incorrer no grave risco da desconfiança geracional entre “jovens” e “velhos”.

Afirmou também, numa conferência recente, que é necessário desconstruir o paradoxo do envelhecimento. Pode explicitar melhor?
Acabo de falar desse paradoxo, a saber: se é verdade que o aumento da esperança de vida e dos anos de vida com qualidade constitui uma “bênção universal” para cada um de nós, não deixa de ser exacto, também, que o envelhecimento demográfico, este aumento da longevidade combinado como decréscimo acentuado da natalidade (muito abaixo da chamada taxa de reposição: 2,1 filhos por mulher em idade fértil), traz consigo toda uma série de riscos aos quais aludi acima: dependência dos muito idosos, insustentabilidade dos sistemas de segurança social e de saúde, conflitos intergeracionais, etc.

A solidão e o isolamento continuam a ser a face mais visível dos idosos em Portugal, sobretudo nas cidades, onde as redes de interajuda parecem ser quase inexistentes?
Não é verdade. Pelo contrário, as redes sociais dos seniores são tendencialmente fechadas sobre a família e a vizinhança próxima, mas são extremamente eficazes e resilientes. Na verdade, segundo o estudo que fizemos a este respeito, há mais seniores a ajudar outros seniores (e crianças) do que o contrário, isto é, pessoas idosas a receberem apoio regular de outras pessoas, incluindo ajuda profissional. O velho só e abandonado é, literalmente, um “mito urbano” que renasce cada vez que uma pessoa de idade morre efectivamente sozinha, coisa que a nossa demografia dificilmente evitará, mas que só prova que essa pessoa faleceu de causas associadas à própria idade, pois se estivesse doente e necessitasse de cuidados diários, a sua morte teria sido descoberta mais cedo ou teria mesmo sido acompanhada. O que é verdade é que se morre cada vez mais nos hospitais e nos chamados “lares”.

Que tipo de reflexão advoga para os “seniores do futuro” e que novas questões terão de ser abordadas?
A principal coisa que está a faltar, até por comparação com países como a Espanha, é algo a que chamo a biopolítica do envelhecimento, a saber, a emergência de manifestações e movimentos de expressão, por parte dos próprios seniores, dos seus interesses e desejos, os quais talvez nem sempre correspondam àqueles que são defendidos pelas instituições e as pessoas que, actualmente, falam em nome dos “idosos”.

Envelhecimento activo: problema ou realidade com tomada de consciência tardia?
© DR

O Instituto do Envelhecimento (IE) da Universidade de Lisboa tem parcerias firmadas com a Fundação Calouste Gulbenkian e com a Fundação Francisco Manuel dos Santos. A funcionar há quase três anos, são já várias as iniciativas que constam do seu currículo.

Como exemplificou Villaverde Cabral, “já fizemos uma série de estudos importantes, de que são exemplo um sobre os Seniores (50+) de Lisboa; outro sobre o preconceito e a discriminação etária, o “idadismo”; e um último sobre “os usos do tempo e as redes sociais dos seniores portugueses”. Está também em curso um estudo retrospectivo e prospectivo sobre o envelhecimento demográfico.

Entretanto, fizemos já vários workshops abertos e um Curso de Formação para Decisores e Responsáveis no campo do envelhecimento. O IE tem ainda protocolos com as câmaras municipais de Lisboa e Loures, para apoiar as suas actividades para a 3ª Idade, nomeadamente o programa das “Cidades Amigas dos Seniores”. Temos igualmente participado em inúmeros eventos, de todos os tipos e dimensões, realizados por todo o país, sobre os mais variados aspectos da problemática do envelhecimento populacional e individual.

E, como sublinha o seu presidente, “temos, creio, contribuído para chamar a atenção da opinião pública e da comunicação social para este ‘problema’, se é que se trata de um problema e não, simplesmente, de uma realidade da qual estamos a tomar consciência, aliás tardiamente, como é costume”.

Questionado igualmente sobre o tipo de práticas de envelhecimento activo já comprovadamente benéficas, o investigador é peremptório: “Essas práticas estão hoje perfeitamente identificadas e têm vindo a ser gradualmente aperfeiçoadas pela investigação biomédica, mas também sócio demográfica, como aquela que nós próprios fazemos no IE”, diz, elencando as mais conhecidas: “desde os estilos de vida saudáveis e os bons hábitos de saúde até à actividade intelectual, à intensificação das redes sociais (mais as efectivas do que as virtuais…) e à manutenção da vida profissional, tudo isso é conhecido; só que a adopção dessas práticas não depende apenas da vontade das pessoas nem das próprias políticas”. O professor alerta ainda que “faltam as políticas de envelhecimento activo, de que são exemplo o ensino ao longo da vida, a flexibilização da aposentação e do trabalho em part-time, entre outras”.

 

Villaverde Cabral: o professor dos sete ofícios
Nascido nos Açores em 1940, Manuel Villaverde Cabral tem tido uma vida particularmente activa e diversificada, tanto a nível académico, enquanto professor e investigador, como também na vida pública, enquanto colaborador regular na comunicação social escrita, radiofónica e televisiva. Licenciado em Letras pela Universidade de Paris, foi também em terras francesas que tirou o seu doutoramento em História, com posterior equivalência a doutoramento em Sociologia do Desenvolvimento. Investigador e docente em várias universidades portuguesas e estrangeiras, o homem que foi exilado político durante 11 anos antes do 25 de abril, é igualmente prolífico na escrita e na oratória, tendo organizado e co-editado mais de 20 livros, publicado mais de 70 artigos científicos e participado em inúmeras conferências.

Entrevista originalmente publicada no suplemento Mais Responsável do jornal OJE

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