POR MÁRIA POMBO
Em 2015, 193 países uniram-se com o propósito de definir 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e construir um planeta melhor até 2030, lutando por uma maior igualdade, prosperidade e sustentabilidade. Faltam apenas 13 anos, e o facto de a economia ainda não ter recuperado de todas as crises recentes faz com que este “mundo melhor” pareça, mais do que se esperava, um mero ideal e a muito longo prazo.
Contudo, existem soluções que podem ser postas em prática. E se for dada aos pequenos empreendedores a oportunidade de viver melhor, servindo, em simultâneo, as comunidades onde vivem e estimulando o seu desenvolvimento? E se o rápido crescimento urbano em África puder significar o nascimento de novos negócios e empresas, e estimular a “construção” de cidades mais sustentáveis? Tudo isto pode tornar-se real se todos – empresas, governos, municípios, universidades, centros de investigação, organizações sociais, etc. – se unirem, de facto, e passarem da teoria à prática.
De acordo com um relatório produzido pela Comissão Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, “pelo menos 12 triliões de dólares poderiam ser direccionados para o desenvolvimento da economia mundial, até 2030, se o sector privado adoptasse o modelo de desenvolvimento sustentável nas áreas da energia e materiais, saúde e bem-estar, alimentação e cultura, e desenvolvimento urbano”. O mesmo documento explica também que o empenho do sector privado poderia originar um aumento significativo de oportunidades de emprego nos países emergentes.
A boa notícia é que, embora o número seja ainda relativamente reduzido, existem diversas empresas autóctones do continente africano que estão a surgir e/ou a crescer, permitindo o investimento do sector privado em variadas comunidades mais remotas. A consequência positiva deste investimento é o facto de alguns países da África Subsaariana (como o Ruanda, o Quénia e a Nigéria) estarem a ser transformados em autênticos centros de inovação, transformando as enormes carências que têm (as quais são encaradas por alguns investidores e empreendedores como oportunidades de negócio) em soluções para um futuro melhor. Contudo, a má notícia é que o empreendedorismo em África ainda é bastante insuficiente. E de acordo com a OCDE, é aqui que os ODS podem fazer uma grande diferença, na medida em que estimulam muitos investidores e empresas, a nível mundial, a identificar variadas carências em determinadas comunidades e a investir nelas, potenciando o seu desenvolvimento e lucrando com ele.
Foi com o objectivo de estreitar o fosso entre o investimento que é feito actualmente e aquele que é desejado e/ou necessário para concretizar os ODS, que a OCDE organizou recentemente o seu Fórum Global para o Desenvolvimento de 2017. A importância do trabalho conjunto e da criação de sinergias entre os diversos sectores para que os ODS sejam alcançados foi uma das principais ideias presentes em todo o evento, no qual foi também sublinhado – uma vez mais – que ninguém deve ficar para trás.
Analisar as estratégias que estão a resultar e aquelas que estão a fracassar, e procurar soluções e mecanismos que podem ser postos em prática no futuro próximo foi um dos principais objectivos do encontro. Complementarmente, as hipóteses de financiamento dos ODS, a importância das pequenas e médias empresas para que estes sejam alcançados, a relevância do diálogo entre os sectores público e privado e a consequente criação de melhores políticas nacionais, em conjunto com a promoção de centros urbanos sustentáveis em África foram os principais temas debatidos no encontro.
É importante inovar e passar – de uma vez por todas – da teoria à prática
O facto de ser necessário financiar os diversos programas que promovem os ODS ficou claro na primeira sessão, a qual foi precisamente dedicada a este tema. Contudo, é importante que esta ideia seja posta em prática, já que promover financiamento à escala global requer abordagens inovadoras, como investimento de impacto social, mecanismos de investimento ecológico e sustentável, campanhas de crowdfunding, etc.
Nesta matéria, o sector privado tem, naturalmente, um papel importante, mas é fundamental que as diversas iniciativas sejam replicadas e ganhem o interesse da maioria e não apenas de pequenos segmentos populacionais. Para que isso seja possível, a OCDE criou um programa com o objectivo de garantir que os decisores políticos e a comunidade empresarial estão juntos e comprometidos, tanto em termos institucionais como no que respeita à busca de financiamento. Compreender as expectativas do sector privado e alinhá-las com os interesses do sector público, de modo a maximizar os resultados deste esforço conjunto, removendo barreiras e diminuindo os riscos de investimento em programas de promoção dos ODS, é uma dos principais compromissos que a OCDE tem vindo a assumir.
A importância das PME para que os ODS sejam alcançados foi outro tema em debate no evento. De acordo com um paper da agência Spring, as PME são os principais criadores de emprego, principalmente nos países em desenvolvimento. Reforçando esta ideia, os próprios ODS – particularmente o oitavo e o nono, que incidem, em particular, sobre a promoção do trabalho digno e da industrialização inclusiva e sustentável – reconhecem a importância das pequenas e médias empresas para a promoção de “uma economia mais sustentável, forte e inclusiva”, a qual só é possível se existir “trabalho digno para todas as pessoas”.
Contudo, as organizações de pequena e média dimensão – principalmente as que estão sediadas nas nações em desenvolvimento – enfrentam diversos obstáculos, como a escassez de trabalhadores qualificados, a falta de licenças e meios legais de funcionamento e a falta de financiamento. De acordo com um artigo publicado recentemente pelo director do Centro para o Empreendedorismo, e de Desenvolvimento Local e das PME, muitos destes problemas poderão ser ultrapassados com a existência de programas de formação, com regulação que permita a legalização dos negócios, sem esquecer a importância dos instrumentos ou outras formas de financiamento que estimulem o crescimento das empresas e o consequente desenvolvimento local.
No mesmo artigo, Lamia Kamal-Chaoui explica inclusivamente que “fontes alternativas de financiamento conseguem reduzir a dívida das PME, sendo particularmente úteis para as empresas que estão em rápido crescimento e que estão em vias de aumentar a sua produtividade e promover a criação de emprego”. Já que, nos países em desenvolvimento, o acesso a financiamento formal por parte de entidades bancárias é uma miragem para as PME, o micro-crédito poderá ser uma solução a ter em consideração.
Complementarmente, uma outra estratégia – que tem particular relevância nas economias emergentes – poderá passar pelo fortalecimento da participação de PME locais nas Cadeias de Valor Globais (CVG). Esta é uma oportunidade para as PME locais poderem participar em mercados estrangeiros, melhorando a sua produtividade e aumentando as receitas, não só pelo aumento de unidades vendidas como também pela adaptação (crucial) a novas e mais eficientes tecnologias que permitem produzir mais em menos tempo e com menor esforço. O aumento de emprego e a melhoria das competências dos colaboradores são consequências positivas desta estratégia e permitem alcançar alguns dos ODS.
A urgência do diálogo entre o sector público e o privado
Para além de promover uma maior participação das PME nas comunidades locais, importa estimular o diálogo entre o sector público e o privado. Este foi um outro tema debatido no Fórum Global para o Desenvolvimento, tendo ficado claro que, por muita vontade de investir que possam ter, as empresas necessitam que os governos criem políticas que promovam a estabilidade e a confiança destas nos mercados, de modo a poderem arriscar, inovar, procurar novos investidores e descobrir novos mercados. No evento, ficou claro que este esforço conjunto é necessário para promover o desenvolvimento de muitas zonas desaproveitadas de alguns dos países mais pobres e de economias emergentes, já que investir neles sem o apoio dos governos e das autoridades locais significa um enorme risco que muitas organizações não estão dispostas a correr.
Por estes motivos, o diálogo entre o sector público e o privado é reconhecido como uma forte medida que encoraja o investimento e que tem potencial para alcançar alguns dos 17 ODS. Este diálogo visa promover a união de funcionários públicos, líderes empresariais e outros agentes, promovendo a confiança entre todos em termos de colaboração e adaptação de instrumentos, recursos e de projectos que poderão ser postos em prática. Uma forte liderança é essencial para que este trabalho conjunto tenha frutos, e o diálogo político é considerado necessário para que se efectivem parcerias fortes entre governos, a sociedade civil e o sector privado. Os desafios são muitos mas as oportunidades – algumas das quais foram discutidas e analisadas no evento – fazem com que o esforço seja compensado e tenha frutos num futuro relativamente próximo.
Estas oportunidades são visíveis essencialmente no continente africano, onde aliás também existe uma enorme necessidade de investimento. Um dos problemas que África enfrenta está relacionado com o elevado número de países em desenvolvimento que acolhe, o que faz com que seja também elevado o número de pessoas que não têm acesso a educação básica nem a oportunidades de trabalho digno. Urbanizar o território africano tem sido uma acção praticada desde há algum tempo, e continuar a fazê-lo é essencial para que sejam alcançados os ODS.
O Ruanda foi um exemplo referido no evento, tendo em conta a sua Estratégia para o Desenvolvimento Económico e Redução da Pobreza, implementada em 2013. Esta estratégia é considerada importante para a redução das disparidades em termos de rendimentos entre as cidades, mas é também uma chave que tem conseguido “desviar” o interesse em excesso por cidades como Kigali, dando a conhecer outras cidades secundárias, para que estas possam igualmente ser alvo de investimento e desenvolvimento.
Todavia, o rápido crescimento urbano de alguns países em desenvolvimento, promovido, em grande parte, pela criação das chamadas “economias de aglomeração” – em que as empresas se concentram num determinado local em busca de vantagens relacionadas com a cadeia produtiva (como fabricantes de matéria prima, mão-de-obra, etc.) – também traz alguns desafios, como o saneamento básico insuficiente, a dificuldade de acesso a água potável, ou rendas das habitações demasiado elevadas em alguns locais onde as empresas se encontram ou que têm condições para se instalar.
Para ultrapassar alguns destes problemas – que em pleno século XXI continuam a persistir –, é necessária a intervenção do sector público, já que este é o único que consegue diminuir o valor das habitações, melhorar as condições de saneamento e o acesso a água e alimentação, e também promover a educação de qualidade nestas novas comunidades, a qual dará às gerações futuras as ferramentas e os conhecimentos necessários para que estas prossigam com o seu desenvolvimento e crescimento social e económico. E tudo isto só será possível se os fundos disponíveis forem geridos de uma forma inteligente, sendo necessária a busca constante de novos recursos que, de modo a aumentar a prosperidade daquele continente, a longo prazo e não apenas num curto período de tempo.
No fundo, e embora o evento tenha sido dividido em diversas partes, os vários temas foram abordados em todas as sessões, já que se interligam. Se é verdade que África é o continente que exige um maior investimento e esforço por parte dos líderes empresariais e dos governos, também é verdade que este diálogo é fundamental em qualquer parte do mundo (tendo em vista a promoção do desenvolvimento económico e social a nível global). No sector privado, as PME têm um papel vital e nem sempre reconhecido, já que são responsáveis pela criação de uma elevada percentagem de emprego e pelo desenvolvimento de diversas comunidades recônditas, enfrentando, contudo, variados obstáculos, nomeadamente em termos de acesso a financiamento.
Diminuir as disparidades entre o investimento que é feito actualmente e aquele que é desejado, promovendo o interesse e o empenho de todos os sectores e da própria sociedade no desenvolvimento das comunidades mais esquecidas (essencialmente em termos de saúde, educação e trabalho) é fundamental para a construção de um mundo mais próspero, sustentável e que dá iguais oportunidades a todos os seus habitantes. E só quando esta for uma realidade é que os ODS serão alcançados. Até lá, resta organizar fóruns e cimeiras para discutir estratégias e para promover a união de todos em prol de um mundo melhor.
Jornalista