POR MÁRIA POMBO
De acordo com as Nações Unidas, entre 2005 e 2015 mais de 700 mil pessoas perderam a vida e 23 milhões de cidadãos ficaram sem casa, em todo o mundo, devido a catástrofes naturais. Na referida década, as perdas causadas pela natureza, em termos económicos, chegaram aos 1,3 triliões de dólares. E tudo indica que estes valores tendam a aumentar, nos próximos anos, já que também se espera o aumento – em número e em intensidade – de acidentes naturais (como tsunamis, terramotos e desabamentos de terra). A perda de vidas, de bens e a ideia de recomeçar do zero – para não falarmos da dificuldade, do ponto de vista emocional, que tal representa -, em conjunto com os danos para o próprio planeta, são as principais consequências destes fenómenos.
Contudo, não podendo ser evitados, os prejuízos destes desastres podem ser prevenidos e os seus riscos podem ser contabilizados. E, naturalmente, este é um trabalho que cabe à indústria dos seguros e que deverá ter o seu foco, de forma crescente, também na sustentabilidade do planeta, enfrentando, para isso, um conjunto de desafios e de barreiras regulatórias difíceis de ultrapassar, mas avistando também uma série de oportunidades às quais é difícil ficar indiferente.
De facto, seguros e sustentabilidade são dois termos que andam, cada vez mais, de mãos dadas. O desenvolvimento do sector financeiro, a promoção do alcance de alguns Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) – principalmente o 11º, que tem em vista a “criação” de cidades mais sustentáveis e inclusivas -, a redução do risco, e a prevenção das alterações climáticas são alguns campos onde o sector dos seguros pode – e começa a ter – um papel importante.
O impacto desta indústria no desenvolvimento sustentável do planeta foi, aliás, explicado e aprofundado, em 2015, pela Iniciativa Financeira do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, num documento denominado “Insurance 2030 – Harnessing Insurance for Sustainable Development”. Não sendo propriamente recente, este documento explica com clareza qual deverá ser o papel dos seguros, até 2030, na promoção de uma Terra mais sustentável, segura e inclusiva, revelando o que pode ser feito neste sentido. É que e na verdade, o sector das seguradoras está intimamente relacionado com inúmeros aspectos da agenda global. Os desastres naturais, o acesso por parte de todas as pessoas aos seus produtos e serviços, as alterações climáticas e a transição para uma indústria de baixo carbono, as disrupções socioeconómicas e as tendências demográficas, a inovação tecnológica, e o desenvolvimento sustentável e investimento de longo prazo constituem áreas que, directa ou indirectamente, estão crescentemente ligadas a esta mesma indústria. Senão vejamos:
Com a severidade e frequência a aumentar, os fenómenos extremos decorrentes das alterações climáticas dão origem a novos riscos e oportunidades. Com o crescimento populacional, essencialmente nos centros urbanos, e com o aumento das temperaturas, em geral, espera-se que as consequências destes sejam, também elas, mais graves, sendo cada vez mais importante accionar mecanismos de transferência de risco, como os seguros, de modo a ajudar as populações e as economias a enfrentar as mais variadas ameaças da mãe natureza, minimizando o seu impacto. Complementarmente, o investimento em matéria de redução de risco origina uma diminuição das perdas económicas, sociais e ambientais, ajudando também a criar as chamadas “comunidades resilientes” – as quais ganham uma maior capacidade de enfrentar as adversidades e de recuperar das mais variadas catástrofes.
O acesso, por parte de todas as pessoas, a produtos e serviços da indústria dos seguros é outro dos grandes objectivos para os próximos anos. Contudo, para que este seja alcançado, o sector terá de ultrapassar diversas – e complicadas – barreiras. Promover a literacia financeira e o interesse da população por produtos desta natureza é o primeiro passo, dada a elevada percentagem de iliteracia que ainda existe. Para isso, é útil pensar-se na criação e organização de informação sobre os riscos, mas também acerca da relação entre os custos e a eficiência dos produtos, e ainda sobre as leis e outros documentos regulatórios.
Alterações climáticas são um grande desafio e um mundo de oportunidades
Se é verdade que algumas iniciativas – como os “micro-seguros” – têm tido um impacto bastante positivo junto do público em geral, também é verdade que continua a existir tensão entre os seguros mais acessíveis e os custos que têm por base a medição dos riscos. Neste sentido, importa salientar que existem muitas comunidades, em países em desenvolvimento, que vivem em zonas onde é bastante elevada a probabilidade de existirem catástrofes naturais e, consequentemente, de difícil acesso para as seguradoras, dada a falta de investimento e de poder de compra que predominam naqueles locais e que continuam a fazer vítimas.
E se as alterações climáticas foram responsáveis por 80% dos desastres naturais, na última década, estas só podiam estar no topo da lista de temas que preocupam as seguradoras, dados os enormes desafios e riscos que as mesmas implicam, principalmente se pensarmos que tudo indica que as consequências deste problema são cada vez maiores, e que os episódios são cada vez mais intensos e frequentes. O copo meio cheio indica, então, que as alterações climáticas acabam por ser uma alavanca à inovação deste sector e à criação de novas abordagens, também em termos de regulamentação e de novos produtos – como os edifícios “verdes”, veículos eléctricos e híbridos e outros produtos que têm por base as energias limpas – também com vista à protecção ambiental e à prevenção do aquecimento global.
Para além das alterações climáticas, as mudanças socioeconómicas e as tendências demográficas constituem uma outra preocupação, essencialmente nos países emergentes e em desenvolvimento, dada a elevada desigualdade social que existe nos mesmos entre os que são muito ricos e os que mal conseguem sobreviver à fome e às doenças. Entre os diversos grupos, a população sénior é aquela que representa o maior desafio, tanto para as seguradoras como para os líderes dos diversos países, já que, para sobreviverem, necessitam de produtos e serviços – relacionados essencialmente com cuidados de saúde – que, por um lado, sejam acessíveis e, por outro, estejam disponíveis de forma quase instantânea para que possam mesmo salvar vidas e ajudar este segmento populacional fragilizado.
A relação entre a urbanização, os diversos estilos de vida e a saúde da população é considerada como um desafio enorme, tendo em conta que tem vindo a crescer o número de doenças crónicas – como a obesidade – que resultam das alterações feitas, por exemplo, no tipo de alimentos que estão disponíveis ou que se escolhem para fazer parte da dieta da população. Complementarmente, é enorme o impacto da poluição atmosférica para o sistema respiratório, e a má qualidade do ar assume-se como um desafio para o sector dos seguros em diversos países – como a China, a Índia, o México e o Brasil – cujas economias em rápido crescimento (associadas ao desenvolvimento industrial) originam o igualmente veloz crescimento urbano que ainda é escassamente acompanhado da utilização de energias renováveis e limpas.
As inovações tecnológicas disruptivas relacionadas com a análise de dados e com as tecnologias móveis conferem novos desafios e oportunidades ao modelo de negócio do sector segurador e ao longo de toda a sua cadeia de valor, desde o preço dos riscos à distribuição de produtos. E tanto assim é que as Nações Unidas acreditam que, sob a forma de analogia, os Big Data podem representar um “recurso natural renovável com potencial para revolucionar o desenvolvimento sustentável e para a prática humanitária”.
Todas as questões acima referidas estão ligadas entre si e ainda a uma outra: ao investimento de longo prazo. De facto, e considerando que a indústria dos seguros move milhões, estes devem ser alocados a projectos de longo prazo e em zonas potencialmente de risco. A confiança, a reputação, a responsabilidade e a transparência são valores que devem estar presentes neste esforço de alocar recursos em prol da sustentabilidade do planeta e que, de acordo com o documento acima referido, são considerados como um desafio, tanto para as seguradoras, como para os cliente e investidores.
Centros urbanos e seguradoras: porque mais vale prevenir do que remediar
Com vista à promoção da sustentabilidade do planeta, e com foco especial no alcance do 11º Objectivo de Desenvolvimento Sustentável, a Rede ICLEI (uma associação de governos locais em prol da sustentabilidade) promoveu, na Alemanha, entre os dias 4 e 6 do presente mês, a Conferência sobre Cidades Resilientes, reunindo representantes da indústria dos seguros e líderes locais e nacionais. Discutir a promoção do crescimento seguro e sustentável dos centros urbanos, procurando as diversas oportunidades de investimento para as empresas seguradoras – nomeadamente no que respeita à energia, transportes, água e outras infra-estruturas – foi um dos grandes objectivos deste certame.
Do evento resultaram algumas ideias importantes, sendo que a primeira foi que são infinitas as “coisas” sobre as quais se podem criar seguros, sendo o preço o denominador que determina se “vale a pena” fazê-lo. O campo de protecção é vasto e pode ajudar os países a recuperar facilmente de catástrofes naturais, mas a verdade é que as seguradoras têm pouca expressão nos países em desenvolvimento, o que não faz muito sentido, já que o rápido crescimento urbano de algumas destas nações surge como uma oportunidade de investimento nesta área. Algumas ferramentas inovadoras – como os “seguros paramétricos” (que são accionados de acordo com critérios definidos caso a caso, como a magnitude de um terramoto, por exemplo) ou as “obrigações de catástrofe” (que são seguros da responsabilidade dos governos) – são úteis porque ajudam a resolver esta falta de protecção em diversos países onde os seguros ainda são pouco comuns e conhecidos, e revelam ser uma boa forma de a indústria dos seguros começar a entrar nestas comunidades mais ‘cépticas’.
Tendo em conta que os centros urbanos acolhem uma grande quantidade de pessoas e bens e que por esse motivo, em caso de desastres, são os locais onde se contabilizam as maiores perdas, é fundamental que os seus habitantes – e principalmente os seus líderes – conheçam os riscos que correm, desnecessariamente, por não terem os bens – materiais e imateriais – “segurados”. Paralelamente, as cidades dispõem de informações valiosas que podem ser bastante úteis às seguradoras, nomeadamente em termos de demografia, da qualidade do ar e da água, da indústria e dos solos, revelando quais são as suas principais carências e as áreas mais vulneráveis e em que o sector dos seguros pode e deve investir, reduzindo assim os riscos e prevenindo diversas situações desagradáveis.
Se a indústria dos seguros tem a capacidade de ajudar a construir cidades mais inclusivas e sustentáveis, promovendo assim, e como já foi referido, o alcance do 11º ODS, o investimento que, nos centros urbanos, seria destinado a iniciativas com este mesmo fim pode ser direccionado para as seguradoras, prevenindo, simultaneamente, diversas catástrofes e diminuindo os riscos. A outra vantagem/oportunidade que isto representa é a diminuição do défice financeiro das cidades, já que uma parte deste capital significa investimento de longo prazo (que é um dos objectivos, tanto das seguradoras, como dos investidores institucionais) e pode ser utilizado precisamente para recuperar de variadas tragédias naturais (como terramotos), ou humanas e intencionais (como ataques terroristas), ou até mesmo para as evitar.
Todavia, e sabendo que a teoria pode ser muito bonita, a verdade é que a prática é, nestes casos, sempre demasiado morosa e delicada. E esta relação entre os líderes dos centros urbanos e as empresas de seguros está apenas a começar. Por um lado, os primeiros querem ter a certeza e a garantia de que compreendem o funcionamento dos produtos e serviços em que será feito o investimento, de que modo é que os mesmos podem mesmo ser úteis em termos de crescimento urbano, de prevenção de riscos e de promoção da sustentabilidade ambiental. Por outro lado, os executivos que dominam a indústria das seguradoras querem ter mais informações sobre as cidades e os seus planos de expansão, essencialmente nas nações em desenvolvimento e nas economias emergentes, onde os riscos são mais elevados e as garantias podem não ser as desejadas.
A boa notícia é que ambos os lados revelaram, na conferência, o seu desejo de continuar este diálogo, contando com o apoio das Nações Unidas, nomeadamente em matéria de sustentabilidade e com olhos postos nos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável que, em última instância, funcionam como uma alavanca de diálogo entre todos, e como uma garantia de que os interesses privados não se sobrepõem às necessidades do planeta.
Sector dos seguros pretende ser mais responsável, sustentável e transparente
Para que a sustentabilidade não seja esquecida, a Iniciativa Financeira do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (já citada em cima) criou os quatro Princípios para a Sustentabilidade em Seguros. Incluir as questões ambientais, sociais e governativas nos processos de tomada de decisão é o primeiro princípio, o qual pretende, por exemplo, promover a criação de produtos e serviços que tenham um impacto positivo nas mesmas. Aumentar a consciência ambiental, social e governativa dos diversos stakeholders, nomeadamente clientes e parceiros comerciais, procurando prevenir os danos e encontrar as melhores soluções para cada caso é o segundo princípio.
Trabalhar em conjunto com os governos, órgãos reguladores e outros públicos que tenham um papel importante em matéria de tomada de decisões, promovendo um conjunto amplo de acções que ajudem a transformar as questões ambientais e sociais em temas de interesse geral é o terceiro princípio. Por fim, o quarto princípio prende-se com a demonstração de resultados alcançados ao público em geral, revelando o elevado sentido de responsabilidade e transparência que predomina no sector dos seguros.
Jornalista