POR GABRIELA COSTA
Há uma nova organização social em Portugal dedicada ao envelhecimento activo. Apresentada publicamente a 30 de Janeiro, em Lisboa, a Ser Mais Valia – Associação de Voluntariado para a Cidadania e Desenvolvimento inspira-se no Projecto Mais-Valia, programa de bolsas de voluntariado para profissionais experientes com mais de 55 anos na área da cooperação para o desenvolvimento, nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) e que decorreu entre 2012 e 2016.
Deste projecto-piloto resultaram cerca de 40 missões nas áreas da educação, saúde, capacitação de formadores, diagnóstico de necessidades e reforço institucional, as quais deram resposta às carências identificadas por Organizações Não Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD) e outras instituições de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Contribuindo para a capacitação destas organizações, sem a substituição de recursos humanos locais, a iniciativa desenvolvida por voluntários qualificados e com experiência profissional, que partiram em missões durante alguns meses após um período de formação intensiva, integra-se no Programa Gulbenkian Parcerias para o Desenvolvimento (PGPD), que actua em prol do desenvolvimento dos PALOP e de Timor-Leste.
Ao cabo de quatro anos de voluntariado em cooperação nos referidos países, os profissionais seniores do Projecto Mais-Valia lançaram a nova associação que irá promover o envelhecimento activo não só na Comunidade de Países de Língua Portuguesa mas também em Portugal e, a prazo, em outros destinos europeus. O desafio passa por integrar projectos que visam o desenvolvimento sustentável, endereçando as prementes questões políticas e sociais que se levantam a partir do aumento da esperança de vida e do prolongamento da carreira profissional.
[quote_center]A Ser Mais Valia integra projectos de cooperação nas áreas da saúde, educação, direitos sociais, gestão e consultadoria[/quote_center]
Em entrevista ao VER, Mafalda França Luz Pedro, presidente da nova Associação Ser Mais Valia, explica como esta irá contribuir “ao nível da cooperação para o desenvolvimento e no debate da sociedade civil, para a definição de políticas sobre o envelhecimento activo”. Com 69 anos, a educadora de infância que integrou a 1ª edição da bolsa de voluntários da FCG defende que “é importante ouvir as pessoas, colocando-as no centro da discussão sobre quais as medidas que é necessário tomar para que, em todas as fases da vida, se sintam com direito de participação”. Porque “chegados à reforma, os cidadãos querem desvincular-se dos ritmos da vida profissional, mas não querem deixar de participar na comunidade ou de devolver conhecimento à sociedade”, desenvolvendo competências e novas relações.
Na sequência do projecto de voluntariado sénior liderado pela Fundação Calouste Gulbenkian, como surgiu a oportunidade de criar a Associação Ser Mais Valia?
A Ser Mais Valia – Associação de Voluntariado para a Cidadania e Desenvolvimento constituiu-se sustentada pelo conhecimento e experiência resultante das missões realizadas ao longo de quatro anos nos PALOP e pela vontade dos voluntários em continuar a partilhar conhecimentos e experiência profissional acumulada, em projectos de cooperação e desenvolvimento.
O apoio da Fundação Calouste Gulbenkian foi fundamental no processo de criação da Associação, e a assinatura do protocolo de colaboração entre esta instituição e a Ser Mais Valia, realizada em sessão pública no passado dia 30 de Janeiro, no auditório da FCG, permite-nos consolidar a Associação e os objectivos a que nos propomos.
Na ocasião, o administrador da FCG, Guilherme d´Oliveira Martins dirigiu palavras de apoio ao contributo que a Ser Mais Valia pretende dar, ao nível da cooperação para o desenvolvimento e no debate da sociedade civil, para a definição de políticas sobre o envelhecimento activo. A leitura de uma mensagem do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que não podendo estar presente quis manifestar o seu apreço pela constituição de uma associação sénior que pretende dar tradução prática ao envelhecimento activo dos cidadãos, constituiu igualmente um ponto forte na apresentação pública da Ser Mais Valia.
Em que áreas de actuação irão desenvolver projectos de voluntariado e cidadania com vista à ajuda ao desenvolvimento, nos PALOP, em Portugal e até noutros países europeus? De que modo é que esta iniciativa permite simultaneamente capacitar e reforçar institucionalmente as ONGD?
As áreas de actuação da Ser Mais Valia são fundamentalmente a saúde, a educação, os direitos sociais, a gestão e a consultadoria. No âmbito das diversas áreas de competência dos voluntários, actuamos integrando projectos que visem a capacitação dos indivíduos e das suas comunidades, promovendo o desenvolvimento sustentável, em alinhamento com as necessidades identificadas localmente pelas instituições com as quais estabelecemos cooperação e através de missões definidas conjuntamente.
A nossa intervenção é sempre efectivada numa visão de reforço institucional, criando oportunidades de realização de acções complementares ao trabalho das ONGD e de outras instituições.
Quais serão as prioridades imediatas, atendendo aos objectivos da Associação e às necessidades identificadas pelas ONGD nas missões de cooperação desenvolvidas no âmbito do projecto-piloto desenvolvido entre 2012 e 2016?
De acordo com o objecto inscrito nos Estatutos da Ser Mais Valia, “constituir uma bolsa de voluntários com idade igual ou superior a 55 anos, para desenvolver projectos de voluntariado e cidadania, essencialmente no âmbito da partilha de conhecimentos, de competências e saber acumulado, em Portugal, nos PALOP ou noutros países”, as prioridades da Associação situam-se nos seguintes níveis:
. Reforçar os contactos Institucionais com as organizações com as quais o Projecto Mais Valia da FCG desenvolveu trabalho nos PALOP; estabelecer novas parcerias nacionais e internacionais para desenvolvimento e financiamento de missões;
. Dinamizar a bolsa de voluntários activando a participação dos associados; reforçar a bolsa com novas competências e promover a formação dos associados, nas área da gestão e do desenvolvimento.
[quote_center]A Associação visa a capacitação dos indivíduos e das suas comunidades, actuando numa visão de reforço institucional[/quote_center]
Que balanço faz das 40 missões realizadas no âmbito desse piloto em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe?
As missões realizadas no âmbito do Projecto Mais Valia da FCG constituem para a Associação uma “mais valia”, na medida em que permitiram o acesso ao conhecimento de uma diversidade de experiências de cooperação e de realidades territoriais, que ajudaram a definir o nosso modelo de constituição.
Os relatórios elaborados pelos voluntários que saíram em missão e que desenvolveram projectos de cooperação em diferentes áreas de actuação e o feedback dado pelos parceiros, permitem-nos hoje definir, com maior segurança, como continuar o trabalho em projectos de cidadania e desenvolvimento.
Como é que os profissionais com mais de 55 anos com experiência na área da cooperação para o desenvolvimento e demais voluntários podem integrar a Associação?
De acordo com o perfil definido (idade igual ou superior a 55 anos; formação e experiência profissional nas áreas de intervenção da Ser Mais Valia) os interessados poderão fazer a sua inscrição na Associação. A incorporação na bolsa de voluntariado é efectivada através de um processo de selecção com diferentes fases. A abertura de concurso e as condições para a candidatura são publicitadas na nossa página na Internet.
[quote_center]O objectivo é colocar experiência acumulada ao serviço de outros, num exercício de cidadania e intervenção social[/quote_center]
Na sua opinião, qual é a relevância de promover o envelhecimento activo, proporcionando experiências de trabalho e voluntariado a seniores que podem, assim, partilhar conhecimentos e competências a favor de projectos de cooperação para o desenvolvimento?
Quando se atinge uma idade que convencionalmente se definiu como “a idade da reforma” e na qual, independentemente do bem-estar físico, psíquico e/ou intelectual de cada um, é suposto “termos de abandonar a actividade profissional”, nem sempre é fácil. Algumas pessoas nunca se resignam com esse facto. Mas também há situações em que se espera por esse momento para potenciar os conhecimentos e a experiência profissional noutros contextos.
Quando, em 2013, a FCG, através do Programa Parcerias para o Desenvolvimento, lançou o Projecto Mais Valia, muitos de nós vimos nesta iniciativa a oportunidade de continuar um percurso profissional colocando saberes e experiência acumulada ao serviço de outros, num exercício activo de cidadania e intervenção social. É este o caminho que a Ser Mais Valia pretende continuar, pelo que inscreveu no seu plano de actividades para 2017 a implementação de projectos de cooperação, permitindo desta forma aos voluntários seniores partilharem competências técnicas e experiência profissional, respondendo a necessidades identificadas pelas organizações com as quais estabelecemos parcerias.
Face ao Inverno demográfico que se faz sentir em Portugal há já tantos anos devido a um prolongado ciclo de envelhecimento – com o aumento da esperança de vida e as crescentes quebras da natalidade a impedirem a renovação das gerações -, que políticas e que medidas de intervenção social é urgente implementar no País?
No referido evento de apresentação pública da Ser Mais Valia promovido pela FCG foi realizada uma conferência sobre o tema “O que fazemos com o tempo que temos; Trabalho, Voluntariado; Envelhecimento Activo”, na qual participaram Helena André, da Organização Internacional do Trabalho e Suzana Refega, da FEC – Fundação Fé e Cooperação, e cujos contributos enriqueceram o debate integrado na conferência.
O aumento da esperança de vida e o prolongamento da vida profissional são inegáveis e obrigam a ajustes nas respostas políticas e sociais a novos desafios, novos constrangimentos e novas potencialidades.
Chegados à reforma, os cidadãos querem desvincular-se dos ritmos a que a vida profissional os condicionava, mas não querem desintegrar-se da vida activa ou deixar de participar na comunidade, de devolver conhecimento à sociedade, desenvolver competências, construir novos ritmos e novas relações.
Neste debate foram tratadas questões como: Quais são os desafios que se colocam à sociedade? Queremos ter um modelo de sociedade que responde às necessidades da organização esquecendo as pessoas? Porquê desprezar o manancial dos mais velhos em vez de contar com eles na integração dos mais novos? No final da discussão pudemos concluir que é importante ouvir as pessoas, colocando-as no centro da discussão sobre quais as medidas que é necessário tomar para que, em todas as fases da vida, se sintam com direito de participação; e não, pelo contrário, se sintam excluídas porque atingiram uma idade em que socialmente já não contam.
O Ano Europeu para o Envelhecimento Activo (2012) constituiu um momento de sensibilização de governos e da sociedade civil para a necessidade de se adoptarem novas medidas para o envelhecimento, valorizando a importância do envolvimento destes cidadãos na tomada de decisões políticas. Este é um debate que está na agenda do dia e para o qual a Ser Mais Valia-Associação de Voluntariado para a Cidadania e Desenvolvimento pretende contribuir.
Jornalista