POR MÁRIA POMBO
Setenta e cinco minutos. Este foi o tempo aproximado que muitos dos cerca de 2500 líderes mais poderosos do planeta – presentes na última edição do Fórum Económico Mundial (FEM), em Davos, –tiveram para poder imaginar o que sentem, durante 24 horas por dia e sete dias por semana, os milhares e milhares de refugiados que tentam constantemente e a todo o custo chegar à Europa em busca de alguns minutos paz.
Apesar de ser um contra-senso, a verdade é que no mesmo evento onde se discutiu o futuro de uma Europa economicamente frágil, aqueles que pagaram 30 mil dólares para nele participar, foram os mesmos que aceitaram viver, embora apenas por um curtíssimo período de tempo, do mesmo modo que os sobreviventes da guerra síria (os quais dispõem, em média e por família, de apenas 155 dólares – ou 137 euros – por mês para tentar sobreviver, de acordo com o que escreve a revista digital Vocativ).
[pull_quote_left]A Day in the Life of a Refugee at Davos foi um simulacro preparado por um grupo de refugiados com base no seu próprio dia-a-dia[/pull_quote_left]
O que vale – para estes pobres senhores ricos – é que a experiência durou apenas um pouco mais de uma hora e, no final de contas, tudo não passou de uma espécie de filme de terror. Ou melhor, de uma simulação conduzida pela Fundação Crossroads, sediada em Hong Kong e especializada neste tipo de eventos com o objectivo de unir pessoas, dando-lhes a possibilidade de conhecer, de uma forma mais profunda, algumas realidades e criar empatia com as vítimas das mesmas, comprometendo-se a melhorar alguma coisa nas suas pobres existências. Um aspecto curioso deste simulacro, denominado A Day in the Life of a Refugee at Davos e que se replicou, por várias sessões vezes ao longo de todo o encontro, consistiu no facto de o mesmo ter sido organizado e preparado por um grupo de refugiados com base no seu próprio dia-a-dia, tornando assim toda a experiência mais autêntica e real.
Suzi G. LeVine, embaixadora norte-americana para a Suíça e Liechtenstein e membro do Departamento de Estado dos Estados Unidos, participou neste evento e descreve toda a experiência como “uma forma intensa e poderosa de criar empatia”. Na sua página do Facebook, onde partilhou também algumas imagens do “antes” e do “depois” (a organização tentou confiscar-lhe o telemóvel e foi obrigada a escondê-lo), esta norte-americana explicou que teve de cobrir o cabelo, suportar abusos físicos e emocionais, chegando mesmo a sentir-se humilhada. Explicou ainda que, com o passar dos minutos, foi realmente interiorizando que “muitos dos que desenvolveram esta experiência passaram por tudo isto ou por momentos semelhantes a este”. Depois de ultrapassada a “prova”, Suzi G. LeVine afirma perceber melhor o grupo que organizou aquele evento – bem como o drama de todos os refugiados – e defende que seria muito útil se todos pudessem vivenciar uma experiência desta natureza.
Os promotores desta acção acreditam que emprestar à “super-elite” de poderosos os sapatos destas vítimas e apresentar-lhes o sinuoso caminho que têm de percorrer poderá ter efeitos futuros mais profundos do que a mera visualização de imagens ou o debate acerca de uma realidade observada de longe, no conforto de uma sala aquecida, na pequena localidade dos Alpes suíços.
Levar os líderes mundiais a abordar temas como os conflitos étnicos, a arrogância militar, a corrupção, a falta de poder e a frustração dos que vivem esta tragédia foi o principal objectivo da Fundação que promoveu este simulacro. E se o tema constava da agenda de Davos – tendo sido bastante debatido – resta saber se o evento serviu para alterar mentalidades e levar à acção ou se não passou, de facto, de uma mera experiência sem efeitos.
A urgência de uma verdadeira união na União Europeia
Como já não é novidade, o tema dos refugiados tem sido alvo de discórdia entre os vários Estados-membros, pondo em causa a estabilidade da própria União Europeia, a qual está “em risco de cometer suicídio”, de acordo com as palavras de Federica Mogherini, vice-presidente da Comissão Europeia. No FEM, a também representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança apelou à união entre todos, sublinhando que “sem uma Europa verdadeiramente unida, não poderemos enfrentar problemas como o terrorismo, as migrações e os refugiados”.
[pull_quote_left]Emprestar à “super-elite” de poderosos os sapatos dos refugiados poderá ter efeitos futuros mais profundos que a mera visualização de imagens[/pull_quote_left]
Por seu turno, Emmanuel Macron, ministro francês da Economia, Indústria e Assuntos Digitais, referiu que “estamos numa altura crítica e temos poucas semanas para encontrar soluções concretas”, referindo-se, por exemplo, ao controlo das fronteiras com a Turquia e também a uma maior cooperação com países como o Líbano e a Jordânia, que têm albergado centenas de milhares de refugiados. “Se optarmos por uma abordagem não-europeia, significa que estamos a matar a abordagem europeia correcta”, acrescenta ainda.
Adicionalmente, Witold Waszczykowski, ministro polaco dos Negócios Estrangeiros, – que em tempos sugeriu que os refugiados formassem um exército e voltassem à Síria para lutar pelos seus direitos – reafirma que os cerca de um milhão de refugiados acolhidos pela Polónia são o reflexo de uma crise sem precedentes. No entanto, o político sublinhou que a Europa “está a conseguir organizar-se” – referindo-se às negociações com a Turquia, garantindo ainda que aqueles que fogem da guerra podem agora contar com melhores condições de segurança.
Vistos de fora, os problemas são tendencialmente mais fáceis de resolver, e neste caso parece não ser diferente. Na opinião de David Miliband, presidente do International Rescue Committee, sediado nos Estados Unidos, a Europa tem apenas “duas opções: ou proporciona chegadas caóticas e desorganizadas ou prepara uma solução mais organizada”, como por exemplo uma resposta humanitária mais forte na Síria. Este Comité actua em mais de 40 países dos Estados Unidos e procura respostas que ajudem na resolução das piores crises humanitárias, auxiliando as populações a sobreviver e a reconstruir as suas vidas.
Uma parte da solução, para Miliband, está no realojamento dos grupos que vão chegando ao continente europeu. Para este norte-americano, o grande desafio consiste na integração, no emprego, na cidadania e na educação dos novos “habitantes”.
Uma outra solução apontada no encontro, desta vez por Wolfgang Schäuble, ministro das Finanças da Alemanha, consiste em encontrar um “plano Marshall” para reconstruir as regiões de que os refugiados fogem, ao invés de se pensar em investir milhares de euros a preparar a própria Europa para acolher os refugiados.
Uma coisa é certa: mais do que discutir este assunto, é necessário tomar medidas. O primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, reforçou que a Europa tem cerca de seis a oito semanas para traçar (mais) um plano, tendo em conta que, só nas primeiras três semanas de 2016, chegaram à Europa Ocidental cerca de 35 mil refugiados e que esse número deverá aumentar com o fim do Inverno e a chegada da Primavera.
Quebrem-se (de uma vez por todas) as barreiras da indiferença
Se existem características que não pertencem ao Papa Francisco, indiferença é, certamente, uma das primeiras. Numa mensagem lida pelo Cardeal Peter Turkson e endereçada aos líderes mundiais presentes no encontro, Francisco apelou, mais uma vez, para que estes “não esqueçam os pobres” e para que encarem a criação de emprego como uma parte essencial das suas funções de liderança, relacionadas com a criação de riqueza e a melhoria do estado do planeta.
[pull_quote_left]Só nas primeiras três semanas de 2016, chegaram à Europa Ocidental cerca de 35 mil refugiados[/pull_quote_left]
Para o chefe do Vaticano, “chorar as dores dos outros não significa apenas partilhar o seu sofrimento mas também, e acima de tudo, perceber de que forma as nossas acções são uma causa de injustiça e desigualdade”. É por este motivo que pede a todos a que olhem para os que sofrem, a quem alguém, um dia, tirou a dignidade, vendo-se obrigados a fugir do próprio país e a pedir ajuda em países desconhecidos. E são esses que “podemos apoiar”, escreve Francisco, “oferecendo-lhes o calor da nossa presença, da nossa amizade e da nossa fraternidade”, propondo que se quebrem as barreiras da indiferença que muitas vezes prevalecem e que disfarçam a hipocrisia e o egoísmo que muitos sentem.
Francisco explicitou que a união entre os povos é um passo fundamental para que os humanos se tornem mais humanos, e encorajou todos a “abrir a mente e o coração aos pobres”. Desta forma, é possível “dar asas aos talentos técnicos e económicos, e descobrir a felicidade de uma vida plena que o consumismo não consegue proporcionar”.
Optimista, o Papa declarou que o mundo tem “a oportunidade preciosa de conduzir e governar as transformações associadas à quarta revolução industrial, de modo a criar uma sociedade mais inclusiva”. A respeito desta revolução, Francisco declarou que tem sido crescente a noção de que a redução de postos de trabalho é inevitável; no entanto, reforçou que “é necessário criar novos modelos de negócio que garantam emprego para todos, ao mesmo tempo que promovem o desenvolvimento tecnológico”.
Sem esquecer as metas ambientais, de erradicação da pobreza e de promoção da qualidade de vida para todos, definidas nos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, Francisco mostrou-se crente de que, preferencialmente através do diálogo, o Fórum Económico Mundial pode tornar-se uma plataforma de defesa, protecção e criação de um progresso “mais saudável, humano, social e global”.
Simulacros e apelos à acção, mensagens de paz e debates cuja conclusão foi invariavelmente que a Europa (neste caso concreto) precisa de estar unida e encontrar soluções para este flagelo e outros que já tiraram a vida a milhares de pessoas e devastaram comunidades inteiras, pondo em risco os direitos humanos mais básicos. O encontro promovido pelo Fórum Económico Mundial em Davos esteve recheado de iniciativas que pretendem, de um modo geral, melhorar o estado do planeta. Mas continua-se a aguardar que as promessas que fazem sempre parte deste evento tão mediatizado se transformem em acções concretas.
Jornalista