Aumento de pressão sobre os objectivos, menor flexibilidade de horários ou redução de salários e do número de efectivos são algumas das causas que, aliadas às consequências da crise, têm feito disparar os riscos psicossociais relacionados com o trabalho. A OutCOme é a única empresa portuguesa de Gestão de Incidentes Críticos nas organizações, e aliou-se à recentemente lançada campanha europeia de combate ao stress, para mostrar como este é hoje “um denominador comum às doenças profissionais”
POR GABRIELA COSTA

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A OutCOme é uma clínica organizacional que actua há 11 anos na redução dos riscos psicossociais e na implementação de programas de Gestão de Stress. Para a empresa, no actual contexto de crise socioeconómica, – que “torna ainda mais complexa a gestão de colaboradores” e onde “os elementos de risco potenciadores de gerar situações delicadas se tornam mais presentes” -, é essencial que as organizações desenhem e implementem planos estruturados, com protocolos de resposta que envolvam de forma integrada várias equipas, das áreas de Higiene e Segurança no Trabalho à da Medicina, entre outras.

Por isso mesmo, a OutCOme associou-se à campanha da Agência Europeia para a Saúde e a Segurança no Trabalho “Locais de trabalho saudáveis contribuem para a gestão do stress”, que exorta as empresas europeias a desenvolverem um trabalho conjunto entre empregadores e trabalhadores, fornecendo ferramentas de apoio para enfrentar esta problemática.

Em entrevista, a directora-geral da OutCOme, Sandra Gonçalves Monteiro, defende que colocar esta temática no topo das prioridades da Europa “é um reconhecimento inequívoco do investimento que é necessário as organizações fazerem no aumento da segurança psicossocial”.

Como explica ao VER, “através da prevenção, da identificação e da resolução de problemáticas diversas como o stress, a depressão, a ansiedade e as fobias, a doença ou a morte na família, o divórcio, o consumo de substâncias ou o endividamento exagerado, cria-se uma ferramenta vital para a manutenção e melhoria do desempenho, produtividade e bem-estar de colaboradores e equipas”.

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Sandra Gonçalves Monteiro,
Directora-geral da outCOme

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Como surgiu a ideia de criar a outCOme, única empresa portuguesa de gestão de Incidentes Críticos nas empresas, em Portugal? De que modo a vossa actuação combate a diminuição da produtividade nas organizações?
A outCOme – Clínica Organizacional surge em 2003 para disponibilizar EAP – Programas de Apoio ao Empregado, com o objectivo de reforçar as organizações no desenvolvimento dos seus recursos humanos. A situação no mercado evidenciava necessidades de apoio individual entre os profissionais, a inexistência de suporte individual para os gestores de pessoas e uma falta de soluções estruturadas que endereçassem as questões relacionadas com esta problemática.

A acção da outCOme tem por base duas tipologias de intervenção diferenciadas: o Programa de Gestão de Incidentes Críticos e o EAP (Employee Assistance Program). Através da prevenção, da identificação e da resolução de problemáticas diversas como o stress, a depressão, a ansiedade e as fobias, a doença ou a morte na família, o divórcio, o consumo de substâncias ou o endividamento exagerado, cria-se uma ferramenta vital para a manutenção e melhoria do desempenho, produtividade e bem-estar de colaboradores e equipas.

Que tipo de mal-estar nas empresas e de pressão sobre os seus colaboradores, agravados pela crise, traduz o facto de a outCOme ser contratada mais de 20 vezes por ano por grandes companhias portuguesas e multinacionais, para dar resposta a situações de risco e de stress no trabalho?
Actualmente, as doenças profissionais mais comuns possuem o denominador comum do stress, facto que resulta de um conjunto de factores: o aumento de pressão sobre os objectivos, a redução da flexibilidade de horários, a existência de funções mais exigentes na perspectiva emocional, a redução do número de efectivos nas empresas, o aumento do desemprego (que se torna num elemento de maior pressão sobre quem se encontra empregado), a existência de funções mais complexas que exigem mais flexibilidade e adaptação constante, e a redução do valor dos salários aliada ao aumento de impostos e à consequente redução do nível de qualidade de vida.

Verifica-se uma necessidade de as pessoas acomodarem as exigências externas face aos recursos de que dispõem, sendo que neste momento as exigências externas aumentaram drasticamente e os recursos ou se mantiveram ou, em casos mais extremos, foram minimizados. A forma como os profissionais descrevem o que sentem relativamente a esta mudança traduz-se em “sentirem mais stress”.

Quais são as principais solicitações de apoio por parte das organizações?
A outCOme tem vindo a dar uma resposta a necessidades dos colaboradores nas organizações através de soluções estruturadas face a três grandes problemáticas:

A exposição ao stress é o principal risco em matéria de SST para 48% dos profissionais em Portugal

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– Em situações críticas, nas quais se inserem a morte de um colega ou cliente, os episódios de assalto, de violência e sequestro, os acidentes de trabalho, as situações de incêndio e catástrofes naturais. Nesta caso a intervenção de apoio ocorre junto do gestor da equipa, da equipa e do colaborador ou família visados em menos de 48 horas.

– Os trabalhadores com situações mais prolongadas e que, por isso, exigem um apoio mais continuado, são as situações de consumos (álcool e drogas), jogo, depressão, ataques de pânico e ansiedade, fobias e personalidades desviantes. Estes casos usualmente têm já um histórico na organização, com várias fases e processos envolvendo diversos intervenientes, tais como a chefia do colaborador, a Direcção de Recursos Humanos, o Departamento de Medicina, área de Higiene e Segurança no Trabalho, ou o gabinete de apoio social, entre outros.

– As situações de conciliação familiar, nas quais se inserem os processos de divórcio, morte de parente próximo, perda de emprego do cônjuge, ou um novo projecto de trabalho com elevadas exigências. Nestes casos o apoio é orientado para auxiliar o colaborador a ultrapassar esta etapa do ciclo de vida.

De que modo é que o adiamento dos riscos psicossociais e das situações de stress agrava situações incapacitantes nos profissionais, como o isolamento, a depressão e o desemprego? O que devem as organizações fazer para prevenir essas situações?
Apesar de não existir uma estimativa para o custo total para os profissionais, empregadores e sociedade como um todo dos níveis reduzidos de saúde e segurança no trabalho, no que respeita à União Europeia e a Portugal, em particular, as estatísticas recolhidas sobre o impacto destas problemáticas entre os profissionais são esclarecedoras.

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De acordo com o Flash Eurobarómetro da Comissão Europeia, realizado em Abril, 78% dos profissionais portugueses afirmaram que as condições de trabalho em Portugal pioraram nos últimos 5 anos. Paralelamente, a exposição ao stress é identificada por quase metade dos profissionais em Portugal (48%) como o principal risco em matéria de saúde e segurança no local de trabalho.

Para além disso, existem cada vez mais evidências que indicam um papel directo e indirecto do ambiente de trabalho psicológico em indicadores de saúde – absentismo, pedidos de baixa, produtividade, satisfação com o trabalho e intenção de desistir da função.

Algumas empresas claramente não sabem como endereçar esta tipologia de problemas. No entanto, quando estas questões são devidamente explicadas, os gestores conseguem identificar situações semelhantes na história da empresa. As empresas com mais maturidade nas práticas de Recursos Humanos têm respondido de forma reactiva a estes desafios, não deixando nunca de apoiar os gestores, as equipas e os trabalhadores envolvidos.

Torna-se essencial para as empresas desenharem e implementarem planos estruturados, com protocolos de resposta que envolvam de forma já pré-estabelecida o gestor da equipa, a equipa de Segurança, a equipa de Higiene e Segurança no Trabalho, a equipa da Medicina, etc.

Que relevância tem para a outCOme a recente participação no lançamento em Portugal da Campanha Europeia 2014/15: “Gestão do stress e dos riscos psicossociais no trabalho”? Como comenta esta iniciativa europeia?
Depois de 11 anos a trabalhar na redução dos riscos psicossociais e na implementação de programas de Gestão de Stress, ver esta temática no topo da lista de prioridades da Agência Europeia é um reconhecimento inequívoco do investimento que é necessário as organizações fazerem no aumento da segurança psicossocial.

A experiência entretanto obtida e o contacto directo com as necessidades das organizações com as quais trabalhamos constituem mais-valias essenciais no momento de abordar esta temática e de discutir possíveis soluções. Da nossa parte existe ainda um sentimento muito presente de missão e envolvimento por poder participar numa iniciativa com estas características.

A actual situação vivida a nível nacional, com origem no contexto de crise socioeconómica, torna ainda mais complexa a gestão de colaboradores numa organização. Os elementos de risco potenciadores de gerar situações delicadas tornam-se mais presentes e fazem com que exista uma percepção muito generalizada, por parte dos profissionais, da necessidade de apoio para lidar com estas problemáticas.

Neste sentido, é fundamental levar a cabo uma discussão alargada sobre estas problemáticas, com a troca de ideias e a definição de respostas conjuntas aos desafios apresentados pelo contexto actual.

Cada vez mais parece existir um esforço real para capacitar os vários níveis nas organizações para responder de forma adequada a estas questões, possibilitando que as chefias adquiram um conhecimento aprofundado sobre como enfrentar este ambiente organizacional, e que demonstrem aos seus colaboradores que conseguem implementar soluções para os apoiar nas suas necessidades.

Combater o stress, aumentar a produtividade
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A Agência Europeia para a Saúde e a Segurança no Trabalho (EU-OSHA) lançou em Abril a campanha “Locais de trabalho saudáveis contribuem para a gestão do stress”. A iniciativa visa promover a gestão do stress relacionado com o trabalho e a prevenção de riscos psicossociais, exortando as empresas europeias a desenvolverem um trabalho conjunto entre empregadores e trabalhadores, para enfrentarem esta problemática.

Como sublinharam no lançamento da campanha, em Bruxelas, László Andor, comissário europeu responsável pela pasta do Emprego, Assuntos Sociais e Inclusão, Vasilis Kegkeroglou, em representação da Presidência grega do Conselho da UE, e a directora da EU-OSHA, Christa Sedlatschek, ao reconhecerem a necessidade de fazer face ao stress relacionado com o trabalho, as empresas europeias (públicas e privadas) “estarão a proteger quer a saúde dos seus trabalhadores, quer a produtividade das suas organizações”.

Sensibilizar e promover o combate aos riscos psicossociais e ao stress nos locais de trabalho, a nível europeu, prestando apoio e orientação a empregadores, gestores, trabalhadores e seus representantes, é o grande objectivo desta campanha que, durante dois anos, irá contribuir para reduzir “a presença e os custos crescentes” desta problemática.  A premissa é “lidar com os riscos psicossociais da mesma forma sistemática com que se enfrenta qualquer outro risco em matéria de Saúde e Segurança no Trabalho.

Fornecendo ferramentas simples que ajudam as empresas a gerir com eficácia esses riscos, a iniciativa está aberta a todas as organizações e pessoas individuais à escala local, nacional e europeia. Coordenada a nível nacional pelos Pontos focais nacionais da EU-OSHA em mais de 30 países europeus, a campanha «Gestão do Stresse nos Locais de Trabalho» envolverá assim centenas de organizações de toda a Europa, integrando um vasto leque de actividades,  como sessões de formação, conferências e workshops, concursos de cartazes, filmes e fotografias, passatempos, esquemas de sugestão, campanhas de publicidade e conferências de imprensa. Em destaque, os Prémios Europeus de Boas Práticas, lançados a 15 de Abril e a que podem candidatar-se todas as organizações europeias que estejam a aplicar, com êxito, medidas destinadas a reduzir e eliminar o stress.

O projecto conta com o apoio de organizações pan-europeias e multinacionais, bem como das Presidências do Conselho da UE, do Parlamento Europeu e da Comissão Europeia, e dos Parceiros Sociais Europeus.

 

Riscos psicossociais emergentes na Europa
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As estatísticas são preocupantes. O stress relacionado com o trabalho é o segundo problema de saúde mais frequentemente referido na Europa — após as perturbações musculo-esqueléticas. Do total de dias de trabalho perdidos, 50 a 60% podem ser imputados a stress.

Uma sondagem de opinião pan- europeia conduzida recentemente pela EU-OSHA revela que as causas mais comuns de stress relacionado com o trabalho são a reorganização do trabalho ou a insegurança laboral (72% dos inquiridos), os horários de trabalho alargados ou o volume de trabalho excessivo (66%), e a intimidação (bullying) ou o assédio no trabalho (59%). Habitualmente, as ausências relacionadas com este problema tendem a ser mais prolongadas do que as que possuem outras causas, conclui-se ainda.

Curiosamente, mais de metade dos trabalhadores (51%) considera comum a existência de stress no local de trabalho e em consequência da actividade profissional que exerce. Mas 4 em cada 10 trabalhadores consideram que o problema não é correctamente abordado na sua organização.

Esta “prevalência alarmante” de situações de stress no trabalho, nas palavras da EU-OSHA, agrava-se pelo facto de os riscos psicossociais serem mais difíceis de gerir do que os riscos em matéria de segurança e saúde no trabalho (SST) ditos tradicionais, como reconhecem cerca de 40 % dos empregadores inquiridos no último Inquérito Europeu às empresas sobre riscos novos e emergentes – ESENER da EU-OSHA.

Avaliando a opinião de gestores e de representantes dos trabalhadores sobre a forma como são geridos os riscos para a segurança e a saúde nos locais de trabalho, o relatório reconhece a emergência de dedicar especial atenção “ao domínio relativamente novo mas cada vez mais importante dos riscos psicossociais”.

Jornalista