As empresas estão a exigir mais dos seus trabalhadores e o mesmo acontece de forma inversa. Esta nova dinâmica traduz-se numa relação mais igualitária entre trabalhadores e organizações e está assente num conjunto de tendências que estão a transformar os locais de trabalho. A aposta nas soft skills, o desejo de flexibilidade e a transparência nos salários são elementos cada vez mais visíveis nesta transformação
POR HELENA OLIVEIRA
Tradicionalmente, sempre foram os empregadores a deter as posições de poder no local de trabalho, definindo o sítio onde as pessoas trabalham, a que custo e quanta informação é partilhada. Mas esta dinâmica está a alterar-se. À medida que a tecnologia confere o poder aos trabalhadores para partilharem e acederem a mais informação, os empregadores estão sujeitos a critérios de exigência superiores. Os empregados esperam maiores níveis de transparência, mais flexibilidade e maior responsabilização por parte das empresas que os pretendem atrair e reter. Em troca, as empresas querem também mais dos seus trabalhadores, não se contentando com competências técnicas, mas exigindo igualmente a capacidade para se pensar criativamente, colaborar eficazmente, em conjunto com uma célere adaptação aos desafios que vão surgindo. E ambos estão a desenvolver uma relação empregador-empregado mais igualitária, simplesmente porque é bom para o negócio.
A unidade de Talent Solutions do LinkedIn publicou esta semana um estudo sobre as tendências globais na cadeia de talentos para 2019, através de um inquérito realizado a cinco mil profissionais de 35 países, ao que juntou dados comportamentais retirados da sua plataforma, bem como entrevistas a líderes empresariais e a outros especialistas em talento. E concluiu que existem três grandes tendências que demonstram a dinâmica emergente desta nova relação entre empregadores e trabalhadores. As denominadas “soft skills”, a flexibilidade no trabalho e a transparência nas remunerações assumem-se como as mais importantes para o futuro do recrutamento e dos próprios Recursos Humanos, com 91%, 72% e 53% respectivamente.
Soft skills ou o que não pode ser mimetizado pelas máquinas
“Enquanto as hard skills poderão ajudar o candidato a pôr um pé na porta, são as soft skills que acabam por abri-la”, Lydia Lu, Responsável de RH, Home Credit Consumer Finance Co.Ltd
As soft skills sempre foram importantes, mas adquirem papel crucial no ambiente tecnológico da actualidade. E com a ascensão da automação e da inteligência artificial, as hard skills, isoladas, já não são suficientes para se ser bem-sucedido e o seu “ciclo de vida” está a estreitar-se continuamente, ao mesmo tempo que as soft skills não só se mantêm relevantes, como cada vez mais necessárias: uma linguagem de programação em particular pode sair de moda, mas competências como a criatividade, a adaptabilidade e a colaboração são e serão cada vez mais valiosas. Todavia, são ainda muitas as empresas que lutam para avaliarem de forma precisa estas competências, apesar do seu valor crescente. E se as organizações pretendem edificar uma estratégia de contratação para o futuro, então terão de alterar a forma como identificam e contratam estas mesmas soft skills.
De acordo com os dados comportamentais retirados do LinkedIn, a criatividade surge como a competência mais procurada e, simultaneamente, como a mais difícil de encontrar. E apesar de muitas pessoas associarem a criatividade à arte ou ao design, a verdade é que é uma competência aplicável à generalidade das tarefas. Ou seja, a criatividade, no contexto empresarial, assume-se como a resolução de problemas a partir de formas originais, algo que as máquinas não conseguem facilmente replicar. Ainda com base nos mesmos dados retirados do LinkedIn, a persuasão, a colaboração, a adaptabilidade e a gestão de tempo são também exemplo de competências muito necessárias nas empresas, mas que sofrem de uma escassez preocupante. Um recente estudo da McKinsey prevê, igualmente, que à medida que a automação transforma as competências mais vitais para o ambiente organizacional, a procura pela criatividade será particularmente crescente até 2030.
É óbvio que também as hard skills mantêm a sua importância, mas e na medida em que são mais fáceis de avaliar de forma consistente, é muito menos provável que alguém que não as possua possa ser contratado. Todavia, a identificação de soft skills fracas é uma tarefa muito mais complexa, o que explica por que motivo é que, e muitas vezes, só depois da contratação é que as empresas percebem que a pessoa em causa não as tinha suficientemente desenvolvidas. E os profissionais do talento estão conscientes deste facto, motivo pelo qual 92% dos inquiridos conferem a mesma ou maior importância a este tipo de competências [face às hard skills] ao longo do processo de recrutamento.
Numa entrevista de emprego típica, o mais comum é perguntar-se ao candidato quais são as suas hard skills, em conjunto com a sua experiência, mas as soft skills só muito dificilmente é que são percepcionáveis neste processo. Na verdade, 68% dos inquiridos admite que a forma principal para as abordar é através de “sinais sociais” que os candidatos vão emitindo e muito informalmente. “Se a pessoa parece optimista, então será provavelmente eficaz a colaborar” ou “se pareceu nervosa, talvez não sirva para liderar” são só alguns exemplos. Contudo, o problema é que estas percepções não são previsíveis e, pior do que isso, são muitas vezes inconscientemente enviesadas.
Infelizmente, esta abordagem não estruturada é extremamente comum – pelo menos para 57% dos inquiridos – o que explica os motivos devido ao quais são tantos os profissionais que não as conseguem abordar de forma precisa e consistente. É que, e apesar da sua importância, as formas mais comuns de avaliar as soft skills não sofreram alterações o longo das últimas décadas. As empresas confiam demasiado nas respostas que recebem ao longo das entrevistas, observando em simultâneo a linguagem corporal dos candidatos. Apesar das questões situacionais e comportamentais poderem ser eficazes se aplicadas de forma consistente, são igualmente muito susceptíveis de enviesamento e, muitas vezes, de respostas muito bem ensaiadas.
Existem actualmente outros métodos que vão para além da entrevista, apesar de não estarem ainda muito popularizados. É o caso de ferramentas online, “ajudadas” pela inteligência artificial, que analisam a forma como os candidatos respondem a determinadas perguntas ou jogam determinados jogos criados para o efeito, fazendo-o de uma forma sistemática e com menor enviesamento, e que permitem uma melhor percepção dos pontos fracos e fortes dos entrevistados. O estudo em causa dá o exemplo de ferramentas como a Koru, a Pymetrics ou a Plum, que começam a ter resultados promissores. Outro factor extremamente importante no que respeita às soft skills é saber identificá-las e defini-las rigorosamente para cada uma das funções em causa e ter todo o cuidado para que o recrutador não sofra, ele próprio, de enviesamento, algo a que todos os seres humanos são muito susceptíveis. Por exemplo, um recrutador pode preferir determinado candidato porque este o faz lembrar de si mesmo e inferir o seu potencial de liderança sem o definir ou avaliar correctamente.
O estudo aconselha igualmente a que se padronize um conjunto de questões a serem colocadas durante as entrevistas, comportamentais e situacionais, na medida em que se tornará mais fácil comparar as respostas e as avaliações de vários candidatos, mesmo que os recrutadores não sejam os mesmos. Adicionalmente, sugere-se que se peça ao candidato para resolver um problema tendo em conta as suas hard skills – por exemplo, o delineamento de um plano a 90 dias para lançar um produto – introduzindo seguidamente constrangimentos e condições alternativas – passar o prazo para 30 dias ou duplicar o orçamento – e observar como o candidato se adapta e comunica a sua abordagem.
Flexibilidade ou permitir ao colaborador trabalhar onde e quando quiser
“A flexibilidade está a tornar-se a norma. E o desafio centra-se no quão rapidamente é que as empresas estão dispostas a oferecê-la. As que o conseguirem fazer estarão numa posição muito melhor para reter talento ao longo dos três ou cinco próximos anos”, Jason Philips, Responsável Global de Recursos Humanos, Cisco
Como já todos sabemos, a tecnologia “levou” o trabalho para além dos escritórios e dos horários tradicionais, para o melhor e para o pior. E, em resposta, os empregados esperam recuperar o equilíbrio entre a sua vida pessoal e profissional através da flexibilidade: a liberdade de trabalhar onde e quando querem, dentro dos limites da razoabilidade, é claro.
E a verdade é que a flexibilidade se transformou numa das prioridades de topo quando os candidatos escolhem um emprego, ao mesmo tempo que os empregadores estão, de forma crescente, a promover políticas mais flexíveis nos seus postos de trabalho. A flexibilidade pode aumentar a produtividade e a retenção de talentos, mas coloca igualmente um conjunto de desafios, como dificuldades na colaboração e no estreitar das relações profissionais saudáveis, que as empresas nem sempre se sentem confortáveis a resolver. A título de exemplo, e desde 2016, os postos de trabalho divulgados na plataforma LinkedIn aumentaram, em 78%, a menção do trabalho flexível como um dos benefícios da posição em causa.
Enquanto a maioria dos profissionais do talento afirma que a sua empresa oferece algum tipo de flexibilidade no trabalho (trabalho remoto ou horário flexível), esse não é o caso em todas as indústrias. E compreensivelmente. Um trabalhador de uma fábrica ou um cirurgião não pode trabalhar em casa ou alterar o seu horário como lhe convém, mas um engenheiro de software pode. Assim, não gera surpresa o facto de a indústria com as mais flexíveis condições de trabalho ser a tecnológica, com o sector da produção e dos cuidados de saúde no espectro contrário.
E, apesar do mais claro benefício da flexibilidade ser, realmente, um maior equilíbrio entre vida pessoal e profissional, a verdade é que o mesmo também contribui significativamente para atrair e reter talentos, ao mesmo tempo que aumenta a produtividade. Um estudo recente publicado na Universidade de Stanford dá o exemplo de uma empresa chinesa que aumentou a produtividade em 13% e reduziu o turnover em 50% conferindo flexibilidade a vários dos seus empregados. Os resultados foram tão bons que a empresa em causa, a Ctrip, optou por estender a política da flexibilidade aos seus 16 mil empregados, com ganhos de produtividade ainda maiores, na ordem dos 22%.
Por outro lado, uma maior flexibilidade gera, igualmente, uma maior diversidade. Por exemplo e de acordo com o presente inquérito, as mulheres têm 22% a mais de probabilidades do que os homens de citar condições flexíveis de trabalho como um factor extremamente importante quando consideram aceitar um emprego. E não são só as mães trabalhadoras a fazê-lo: de acordo com Sara Sutton, fundadora da organização 1 Million for Work Flexibility, “são também as pessoas com alguma deficiência, com problemas de saúde, cuidadores ou os que vivem em áreas rurais ou economicamente desvantajosas”. A verdade é que os trabalhadores precisam e desejam ter um trabalho flexível devido a um conjunto alargado de razões.
Algumas empresas, como a IBM e a Yahoo, abandonaram as suas políticas de trabalho flexível depois de citarem as dificuldades que encontraram em trabalharem remotamente. Mas e se é verdade que estes constrangimentos existem, também é certo que os mesmos podem ser ultrapassados com a ajuda de ferramentas de fácil acesso e extremamente populares. As empresas estão a adoptar cada vez mais plataformas de mensagens instantâneas, como a Slack ou a Microsot Teams e plataformas para vídeo-conferência como a GoToMeeting, a Webex ou o Skype. Estas ferramentas ajudam a recriar o imediatismo e a informalidade de se estar na mesma sala, ao mesmo tempo que permitem que os colaboradores trabalhem em diferentes sítios e horários.
Por outro lado, e de acordo com a empresa de pesquisas Werk, os tipos de flexibilidade mais desejados incluem a possibilidade de trabalhar remotamente enquanto se mantém o mesmo horário de trabalho, a autonomia para ter algumas horas livres devido a razões pessoais e a liberdade para alterar os horários, evitando, por exemplo, as horas de maior tráfego. “É importante reconhecer que a flexibilidade não está apenas relacionada com o trabalho remoto”, afirma Anna Auerbech, co-fundadora e co-CEO da Werk.
Claro que a empresa tem de conferir as condições necessárias para que o trabalho flexível seja possível, providenciando as tecnologias necessárias e não descurando a possibilidade de os trabalhadores se sentirem isolados ou postos de parte e, muito importante, estipulando as condições para esta mesma flexibilidade, a qual exigirá também um ajustamento da própria cultura da empresa. Os gestores de equipa deverão saber como gerir equipas remotas, devendo receber formação para tal, tanto a nível técnico como cultural, na medida em que terão de assegurar que os trabalhadores remotos se mantêm comprometidos com os objectivos da empresa. Customizar as políticas de flexibilidade para que estas respondam às necessidades, ao contexto e aos objectivos do empregador e dos empregados é igualmente essencial.
A transparência nas remunerações e a confiança
“A transparência não é o objectivo. O objectivo é pagar a todos de forma justa e a transparência força-nos a isso”, Anil Dash, CEO, Glitch
As remunerações sempre se assumiram como um tópico confidencial nos locais de trabalho. Os empregadores temem que a divulgação de muita informação sobre os salários dos seus empregados possa causar disputas entre os mesmos, limitar a sua capacidade de negociação e encorajar a concorrência a “roubar” os seus talentos.
Mas os benefícios da transparência dos salários podem suplantar estes receios. Não só ajuda a estabelecer as expectativas dos candidatos desde logo, como serve também para eliminar desinformação que poderá prejudicar a moral e a retenção dos demais empregados. E tal acontece porque, quando mantidas “no escuro”, as pessoas têm tendência para assumir, muitas vezes incorrectamente, que estão a ser mal pagas.
Mais importante ainda é o facto de a transparência ajudar a assegurar o pagamento justo relativamente ao género, raça e a outros factores demográficos, criando uma relação de maior confiança com todos os empregados.
À medida que se torna mais fácil para as pessoas verem e partilharem salários em sites como o PayScale, o Glassdoor e o LinkedIn, um conjunto significativo de empresas está a optar por partilhar este tipo de informação de uma forma mais regular. Actualmente, 27% dos profissionais do talento afirmam que a sua empresa é transparente relativamente aos salários. Destes 27%, 67% partilham faixas salariais com os candidatos logo no início do processo de contratação, 59% partilham as mesmas com os seus empregados e 48% fazem essa mesma partilha em posts públicos. E apesar de as percentagens não serem elevadas, a tendência é para que seja crescente o número de empresas a optar mais por este tipo de transparência.
O medo de melindrar os empregados é, de longe, a razão mais citada para não se partilhar as faixas salariais. Mas, e de acordo com os profissionais do talento que o fazem, a transparência nas remunerações torna o processo de contratação mais eficaz, pois agiliza as negociações, para além de ajudar a assegurar o pagamento justo em termos de raça e de género. “A transparência nos salários elimina a desconfiança que as pessoas sentem”, afirma Leslie Miley, que já trabalhou para a Obama Foundation, o Twitter e a Apple. “Enquanto afro-americana, sinto-me sempre desconfiada devido ao facto de todos os dados apontarem para que eu vá receber menos”, acrescenta.
O estudo do LinkedIn sugere que as empresas conduzam uma auditoria interna para compararem os seus salários com os da concorrência e perceberem se existem fossos remuneratórios em termos de raça, género e entre aqueles que ocupam cargos similares. E se existirem desigualdades significativas, que seja feito um plano para as eliminar, seja através de aumentos imediatos ou de alterações na política de promoções.
Editora Executiva