Desafiaram-me para escrever sobre o Dia da Terra. Sem hesitar, respondi que sim, mas rapidamente me apercebi que o desafio era muito maior do que esperava. Foi quase um “presente envenenado”. Porquê? Porque tanto se escreve no Dia da Terra e porque gostava de conseguir transmitir a urgência de falar na Terra todos os dias e não apenas neste dia
POR MARIA JOÃO RAMOS
Tive muitas ideias. Pensei em escrever sobre o documentário “A vida a cores” (do inglês “Life in Colour”), narrado por David Atttenborough, que ontem estreou, dando-o como exemplo das extraordinárias pessoas que dedicam a vida a preservar e conservar o nosso planeta e dos que utilizam o seu conhecimento, o seu mundo, a sua energia, a sua vida por uma causa que é de todos. E, neste caso, uma vida a cores.
Pensei em escrever sobre a água. Já lá dizia a rábula ” Al Gore sou eu e tu, vamos salvar a terra, o nosso planeta, o planeta azul “. Sim, porque quando falamos da terra esquecemos muitas vezes que o nosso planeta é azul (mais de 70% da superfície do planeta é água). E que os mares nunca dantes navegados não servem apenas perigos e guerras esforçados, não são apenas a casa das ninfas ou de surfistas arrojados na Nazaré ou os rios não servem só para piscicultura, para gerar energia ou para irrigar as terras, assim como os glaciares não servem apenas para fotografar. Acima de tudo, a água é a nossa sobrevivência. Nós somos compostos maioritariamente por água, há espécies animais e vegetais que só sobrevivem em ambientes aquáticos, e sem água a vida está ameaçada. Afinal, a água potável é um recurso finito e se ela acabar, nós acabamos. O Dia do Planeta Terra é, portanto, o Dia do Planeta Azul.
Podia falar sobre as alterações climáticas, a perda de biodiversidade e a degradação de ecossistemas, a forma como tudo está interligado e as consequências para a nossa estabilidade económica e social, de saúde e bem estar. Mas também no reconhecimento do quão eficiente é trabalhar com a natureza, restaurando-a, e procurando nela soluções para enfrentar estes desafios crescentes, para nos adaptarmos e para reduzir os riscos.
Ainda ponderei falar das viagens de exploração ao planeta vermelho, do quanto é apetecível procurar outras formas de vida, ou de encontrar soluções se um dia a Terra ficar exposta a mais e maiores eventos catastróficos, mas também da procura de respostas sobre o clima naquele planeta e que nos permitirá entender melhor o clima terrestre.
Mas… nem tanto ao mar nem tanto à terra…
Pareceu-me especial no Dia da Terra escrever sobre a terra mágica. Falar sobre a magia dos lugares, das paisagens, da natureza. Falar sobre o quanto os lugares nos influenciam. Falar sobre o poder da transformação quando o sítio onde vivemos, onde vamos, onde viajamos nos pode mudar por completo. Ainda que temporariamente.
Para entender a magia da terra é preciso perceber o poder do olhar (já dizia Sophia de Mello Breyner, “viajar é olhar”), é preciso observar com a alma e com todos os sentidos, é preciso ser viajante, mesmo que seja em casa. E depois é preciso partilhar, mas também é preciso guardar o que para nós pode não ser partilhável.
Em 2018 tive o privilégio de viajar até à Islândia. Lembro-me de estar no centro da praia dos diamantes e pensar que tudo aquilo só poderia ser sinónimo de felicidade plena. Talvez a vida pudesse acabar ali. Mas dei comigo a agradecer a harmonia da natureza em todo o seu esplendor, livre de ataques, de maus tratos, e com tanto para nos mostrar, tanto para nos dar.
A nós cabe-nos apenas uma pequena parte, simples e fácil de entender: não destruir o planeta Terra. Deixar que ele nos dê. Deixar a natureza ser “natural”. Observar as estrelas no céu, contando uma a seguir à outra. Caminhar por um lugar novo, e descobrir o que há mais além, o que está por trás daquela queda de água, daquele glaciar, daquela montanha, daquele lago. A nós cabe-nos apenas tentar ir o mais longe possível, em busca de novos lugares, de novas gentes, mas sem ocuparmos um lugar que não é nosso.
E aos que ainda se podem questionar sobre a magia da terra, eu tento explicar. Ela está por todo o lado.
Nos mais difíceis locais, extremos e inóspitos, nos belos e incríveis resquícios da idade do gelo com os seus processos de avanços e recuos, nos arranha-céus de gelo que se erguem nas bases dos lagos e no colapso de parte deles, nas lagoas naturais ou nos lagos artificiais, nas montanhas deslumbrantes ou nos cavalos selvagens por quem nos apaixonamos.
A magia está na tranquilidade e no contacto com a natureza, nas florestas infinitas que cobrem as montanhas e nas que encerram contos de fadas, na grandiosidade das falésias, nas praias de diamantes porque elas verdadeiramente existem, nas montanhas coloridas, nas praias de areia negra, nas formações rochosas inacreditáveis, nos fluxos das quedas de água, nos maravilhosos dragões de Komodo ou nos linces ibéricos, nas cores indescritíveis das auroras boreais, nos mares que são mortos e nos que são negros, nas savanas que são refúgio dos mais extraordinários seres, nos desfiladeiros íngremes e esculpidos, nos corais coloridos e nas pradarias marinhas que sustentam tantas vidas, nos rios que fluem em direção a outros mares, contando uma história pelo caminho, nos bosques encantados, nas praias de areias finas e transparentes em ilhas paradisíacas, nos vales rochosos inundados pelo mar, na fúria e na beleza dos vulcões, nas árvores curvadas, nas que chegam ao céu e nas que podemos abraçar, nas vegetações que mudam de cor de uma estação para a outra, nos lagos cor de rosa e nos que são de azul intenso e profundo e em tantos outros sítios. Há magia e encanto mesmo na natureza dura e hostil.
Há magia nos animais que nos acompanham com o olhar, que nos ouvem a respirar. Nos que são riscados, coloridos, de pescoço longo, manchados, de penas suaves, rastejantes, de asas brilhantes, a preto e branco, com caudas compridas ou curtas, com bocas enormes, com dentes de marfim, com cornos afiados ou com pelo sedoso.
A terra ainda nos dá o privilégio dos sons, dos cheiros, da escuridão, do sol, das cores e da imensidão e diversidade de paisagens que nos causam uma sensação de insignificância, que nos fazem questionar a nossa própria existência.
A terra dá-nos todos estes monumentos naturais para podermos viver, preservando-os, e os que são capazes de os viver sentem o poder da natureza e estou certa que não mais poderão traí-la. É tudo uma questão de decidirmos onde queremos ser felizes. Não podemos falhar.
A palavra do Dia da Terra só pode ser gratidão. Muita gratidão. Pelo que a natureza nos dá e pela oportunidade de podermos usufruir e de experienciar felicidade.
Consultora de Estratégia e Comunicação para o Desenvolvimento Sustentável