POR MÁRIA POMBO
Criado e desenvolvido pela empresa farmacêutica Merck, Sharp & Dohme (MSD), o Prémio Maria José Nogueira Pinto destina-se a reconhecer e apoiar anualmente projectos portugueses de responsabilidade social, homenageando a vida e a carreira da personalidade que lhe deu nome e que dedicou a esta área uma grande parte da sua existência, assumindo um papel activo em diversas “frentes” (nomeadamente na saúde, na cultura e na política).
Na sua 3ª edição, à qual concorreram 107 projectos, foram galardoados um primeiro prémio e quatro menções honrosas, os quais se destacaram pela sua importância social, criatividade, número de pessoas envolvidas e impacto na comunidade, mas também pela continuidade em termos temporais e pela utilidade ao nível monetário e em termos de visibilidade. O grande vencedor foi o projecto “Memo e Kelembra nas Escolas” da Associação Alzheimer Portugal, o qual pretende abordar a doença de Alzheimer e outras formas de demência a partir de uma perspectiva diferente da que é habitual, utilizando uma dinâmica dirigida ao público infantil.
Esta doença neurodegenerativa, que é a forma mais comum de demência, constituindo cerca de 50% a 70% de todos os casos, tem maior incidência em pessoas com mais de 65 anos. Responsável pela deterioração progressiva e irreversível de algumas partes do cérebro, e que afecta diversas funções cognitivas (como a memória, a atenção, a concentração, a linguagem, ou o raciocínio), a Alzheimer tem ainda consequências ao nível de imprevisibilidade emocional, tristeza e depressão, prejudicando as competências sociais e originando, muitas vezes, uma total dependência de terceiros para o exercício de actividades diárias e simples, até então, como explica a Associação Alzheimer Portugal.
Os sintomas e o progresso da doença variam de pessoa para pessoa, conforme as zonas do cérebro que são afectadas e os níveis de stress e fadiga a que, em determinados momentos, o paciente está exposto. Apesar de ser uma doença que recai sobre as pessoas de forma progressiva, os seus sinais não são normalmente constantes nem, tão pouco, estáveis: os doentes podem sentir as suas capacidades diminuídas em alguns dias e viver perfeitamente bem em tantos outros, sem que exista um motivo (pelo menos, conhecido) para tal, alerta a associação.
Tendo em conta que a esperança média de vida está aumentar e o número médio de filhos por casal a diminuir, verifica-se que a população portuguesa está a envelhecer, como demonstram dados do INE. Se pensarmos que é a população envelhecida o principal “alvo” de demência (em particular, de Alzheimer), fácil será prever que, num futuro não muito longínquo, uma boa parte dos portugueses, e não só, poderão sofrer desta maleita.
[pull_quote_left]A doença de Alzheimer é a forma mais comum de demência, constituindo cerca de 50% a 70% de todos os casos[/pull_quote_left]
Por este motivo, é considerada desde 2011, pela Organização das Nações Unidas (ONU), uma Doença Crónica Não-Transmissível (DNT), constituindo uma ameaça à economia dos seus Estados Membros e um forte impulsionador das desigualdades sociais, quer entre nações quer ‘dentro’ delas. Adicionalmente, o reconhecimento dos seus danos permite que esta doença – tal como já acontecia com o cancro, a diabetes e algumas doenças respiratórias e cardiovasculares – esteja incluída nos planos e sistemas de saúde a nível mundial, possibilitando a existência de programas que se ocupam do seu diagnóstico e prevenção, informam a população acerca da mesma e diminuem os seus riscos.
Apesar de ser uma doença que não tem cura, existe medicação que pode estabilizar a Alzheimer numa fase precoce ou moderada, bem como diminuir os níveis de ansiedade, inquietude e depressão (os quais representam efeitos ou sintomas secundários, mas que têm um forte impacto negativo na vida das pessoas). É por este motivo – por não haver cura mas existirem diversas formas de controlar ou atrasar os sintomas – que a sua prevenção e a existência de informação útil são tão importantes, tanto para os doentes como para os seus familiares e cuidadores.
Dar ao cérebro asas para voar
Dada a complexidade da doença de Alzheimer, a diversos níveis, a abordagem da mesma ao target infantil requer, necessariamente, a utilização de uma linguagem simples e apelativa. Apesar de poderem ser muito perspicazes, as crianças têm de se identificar com esta temática, para que entendam que doença é, e que alterações de comportamento e humor pode provocar em alguns dos seus familiares.
No fundo, é este o grande contributo e o principal objectivo do projecto “Memo e Kelembra nas Escolas”: aumentar o nível de literacia e sensibilizar as crianças para esta realidade que se afigura cada vez mais presente na nossa sociedade.
O projecto consiste numa representação teatral em contexto escolar, baseada no livro da Associação Alzheimer Portugal “O Pequeno Elefante Memo”, da autoria de Paula Guimarães e com ilustrações de Alexandra Rebelo Pinto, a partir do qual as diversas formas de demência são introduzidas no universo infantil. Trata-se de uma história em que o neto vai tendo consciência da perda de algumas capacidades da avó, sendo sob este mote que a Alzheimer e outras doenças do mesmo foro são abordadas. As crianças entre os seis e os 12 anos são o público-alvo, devendo-se essa opção ao facto de serem elas um dos grupos a assumir, no futuro, o papel de ‘cuidadores’ das próximas gerações de doentes.
Após a sessão de dramatização, a associação dá voz às crianças sobre questões como “quais são os primeiros sinais?”, “o que são as demências?”, “o que se passa com o meu avô ou com a minha avó?”, ou “enquanto neto ou neta como posso ajudar?”, o que permite uma aproximação relativamente fácil entre a doença e os alunos. É, aliás, através desta reflexão que se explicam e enquadram as mudanças que podem ocorrer no seio de toda a família, se algum dos seus elementos acusar algumas das limitações referidas.
Para além do “efeito” educativo (no sentido de informar e alertar as gerações mais jovens para este problema e de promover uma melhor qualidade de vida), esta iniciativa tem revelado o seu contributo a nível social, na aproximação entre gerações, promovendo a solidariedade e a cooperação entre os mais miúdos e os mais graúdos, e colaborando dessa forma para uma sociedade mais inclusiva. Por esse motivo, a iniciativa da Associação Alzheimer Portugal foi considerada pelo júri do prémio como o projecto que melhor corresponde ao conceito “socialmente responsável na comunidade em que nos inserimos”, e merecedor do primeiro prémio. O projecto teve início em 2013, em Santarém, e já foi implementado em 19 escolas de 11 distritos de Portugal continental, envolvendo um total de 3429 participantes. O galardão, no valor de 10 mil euros, será utilizado na expansão desta acção a todos os distritos portugueses, entre 2015 e 2016.
Quando se fala de inclusão, qualquer gesto pode fazer a diferença
Para além do prémio vencedor, também as menções honrosas atribuídas reconhecem a forma como contribuem para uma sociedade melhor, mais equilibrada e mais inclusiva. A cada uma foi atribuído um prémio no valor de mil euros.
Com o objectivo de diminuir o abandono escolar em Miranda do Corvo, uma zona essencialmente rural e onde desde cedo muitos jovens acompanham os pais e seguem a sua profissão, o projecto Mentes Brilhantes, da Fundação Assistência, Desenvolvimento e Formação Profissional (ADFP), foi distinguido com uma das quatro menções honrosas. Foi criado em Setembro de 2014 e apoia actualmente 150 alunos do ensino pré-escolar e do 1º ciclo de diversas escolas do concelho.
A característica inovadora deste projecto consiste no facto de se procurarem e potenciarem as competências e os talentos “especiais” de cada criança, e não as suas maiores dificuldades, nomeadamente ao nível das Ciências, da Matemática, da História ou da Língua Portuguesa, estimulando o interesse dos alunos em aprender mais, mas também o dos pais e avós em apoiar os seus filhos e netos ao longo de todo o percurso escolar.
Para quebrar a (enorme) barreira que ainda existe entre a comunidade surda e a comunidade ouvinte, a Associação de Surdos do Porto (ASP) criou a Escola Virtual de Língua Gestual Portuguesa (EV-LGP). Esta é dirigida a ouvintes que querem aprender língua gestual, sendo as pessoas que têm familiares e amigos que sofrem de surdez aquelas que constituem a “grande fatia” de utilizadores desta plataforma, a qual é actualizada gradualmente com oferta formativa mais aprofundada.
Tendo em conta que se trata de uma plataforma aberta a toda a comunidade, o leque de conteúdos disponíveis é bastante variado, sendo possível encontrar desde breves explicações acerca da língua gestual portuguesa (LGP), a saudações ou dactilologia (alfabeto gestual). O projecto, que teve início em 2013 mas só em 2015 ficou disponível para utilização pública, conta já com mais de cinco mil usuários. Pelas características mencionadas, também mereceu uma menção honrosa.
Apesar de já ter sido criado em 2004, o projecto “A Música nos Hospitais”, da Associação Portuguesa de Música nos Hospitais e Instituições de Solidariedade (APMHIS), foi outra iniciativa reconhecida com uma menção honrosa. Consiste na criação e desenvolvimento de projectos e acções musicais em ambiente hospitalar e institucional, humanizando os espaços e criando coesão social e comunitária.
O bem-estar dos utentes (os principais beneficiários), a construção de um espaço sensível e facilitador de diálogo, o estímulo à criatividade e também o alívio do stress formam aquelas que são as suas mais fortes e inovadoras características. Pelas suas particularidades, as áreas da geriatria e pediatria dos hospitais, as instituições de educação e cuidados especiais, mas também os estabelecimentos prisionais e as instituições de terceira idade e de integração social são aquelas à qual o projecto tem dedicado a maioria dos seus recursos, sempre com vista à melhoria da qualidade de vida da população.
Dedicado à integração social e profissional de mulheres migrantes nas áreas dos serviços domésticos e dos cuidados a crianças e idosos, o projecto “A casa em ordem”, do Serviço Jesuíta aos Refugiados, foi condecorado com a quarta e última menção honrosa, atribuída pelo júri do Prémio Maria José Nogueira Pinto. Através deste programa, as mulheres provenientes de outros países, desempregadas e em situação de fragilidade económica e social, recebem formação técnica e comportamental em áreas como a culinária, o cuidado a idosos e crianças, a procura de emprego, e são integradas em estágios, nos quais demonstram que conseguem desempenhar autonomamente as funções a que se propuseram. Para além de permitir uma mais fácil integração social e profissional a estas mulheres, a iniciativa garante funcionárias qualificadas e certificadas às famílias que necessitam de uma pessoa que execute este tipo de serviços, valorizando ainda as profissões na área dos serviços domésticos.
O júri do prémio foi presidido por Maria de Belém Roseira e constituído por Anacoreta Correia, Clara Carneiro, Isabel Saraiva, Jaime Nogueira Pinto, Óscar Gaspar e o padre Vítor Feytor Pinto.
A organização da iniciativa visa, com esta distinção, não só distinguir a responsabilidade social das organizações, mas também preservar a memória de Maria José Nogueira Pinto, que sempre se empenhou em “defender uma intervenção socialmente responsável, que mantivesse a coesão e a persistência nos valores de solidariedade e equidade social”.
Jornalista