Desde o seu primeiro mandato, Trump deixou claro o seu desdém pelas questões climáticas, tratando-as como um obstáculo económico e político. Olhando para o futuro, como podemos garantir que a ação climática e a proteção da biodiversidade não ficam reféns de decisões políticas de líderes temporários e interesses de curto prazo?
POR MARIA JOÃO RAMOS
No primeiro dia do seu segundo mandato, Donald Trump cumpriu o que muitos temiam: retirou os Estados Unidos da América, novamente, do Acordo de Paris. Esta decisão, que parece demonstrar um déjà-vu ambiental, reforça a visão da sua administração de priorizar os combustíveis fósseis, enquanto desafia a urgência global em travar as alterações climáticas.
Mas a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris não devia surpreender ninguém. As alterações climáticas e a perda de biodiversidade são crises globais de longo prazo, mas continuam a ser tratadas, muitas vezes, dentro de ciclos políticos curtos e instáveis. É aqui que reside uma das maiores fraquezas da ação climática atual: depender de compromissos voláteis, como os dos Estados Unidos, sob administrações que podem mudar drasticamente de direção de um mandato para outro.
Para Trump, as alterações climáticas são “uma farsa” e o Acordo de Paris, um obstáculo ao crescimento económico americano. Sob este prisma, a saída do acordo simboliza uma suposta libertação de “restrições” impostas aos setores do petróleo e do gás. A declaração de emergência energética nacional, que acompanha esta decisão, inclui incentivos à extração de combustíveis fósseis e desincentivos claros a fontes de energia renováveis, como os parques eólicos.
Além disso, há um objetivo estratégico: pressionar a União Europeia e outros mercados internacionais a aumentar a compra de combustíveis norte-americanos. Este movimento ameaça desestabilizar não só o equilíbrio climático, mas também as relações diplomáticas e comerciais globais.
As consequências desta decisão são profundas. A nível nacional, reforça uma economia baseada em energias poluentes, contrariando tendências de transição para um futuro mais sustentável que cidades, empresas e estados norte-americanos já adotaram. Conforme referiu António Guterres, muitas entidades nos EUA continuam empenhadas em seguir o rumo da sustentabilidade, mas, sem apoio federal, o impacto será limitado.
A nível global, a saída dos EUA, um dos maiores emissores de gases com efeito de estufa, enfraquece os esforços mundiais para limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C. Como salientou Ursula von der Leyen, o Acordo de Paris representa “a maior esperança da humanidade”. Sem o compromisso dos EUA, as metas do acordo tornam-se ainda mais difíceis de alcançar, num momento em que fenómenos climáticos extremos, como incêndios e inundações, se tornam a norma.
Ao abandonar o Acordo de Paris, Trump ignora as vantagens económicas de uma transição energética sustentável. A aposta em energias renováveis não só reduz as emissões, como cria empregos e estimula a inovação tecnológica. Organizações como a WWF destacam que a saída não é apenas um retrocesso ambiental, mas também económico, colocando os EUA em desvantagem competitiva face a países que lideram a transição energética.
A saída dos EUA não marca o fim do Acordo de Paris, mas é certamente um golpe significativo. Ainda assim, Trump pode ter vencido nos Estados Unidos, mas não vencerá a ciência nem as certezas que sustentam a urgência da descarbonização como o caminho certo. É fundamental prever, antecipar riscos e agir com determinação. A “Trumpalhada climática” poderá trazer consequências graves, mas deve também servir como um alerta: o tempo das hesitações acabou, e a ação climática deve ser tratada como uma prioridade absoluta. O futuro do planeta não pode estar à mercê de interesses políticos de curto prazo.
A comunidade internacional deve reforçar os seus compromissos e adaptar-se a esta nova realidade. Por outro lado, a resistência interna dentro dos EUA, de estados como a Califórnia ou Nova Iorque, e de grandes empresas, pode ajudar a mitigar parte dos danos desta decisão. Mais do que nunca, torna-se evidente que a crise climática exige colaboração global, liderança firme e compromissos através de mecanismos jurídicos e institucionais mais sólidos, que transcendam os ciclos eleitorais.
A promoção de uma transição energética justa e inclusiva, que ofereça benefícios tangíveis, como a criação de empregos e a inovação tecnológica, pode aumentar o apoio popular, tornando a ação climática mais resistente às pressões políticas. Além disso, investir em mecanismos financeiros e de cooperação internacional que assegurem a implementação de políticas climáticas, independentemente das mudanças políticas internas de cada país, será fundamental para assegurar um futuro sustentável.
É crucial que a sociedade civil, os governos locais e as organizações internacionais unam esforços para garantir um futuro sustentável para todos. Afinal, esta década representa a nossa última oportunidade de evitar os piores cenários das alterações climáticas.
Imagem:© Mike Marrah/Unsplash.com
Consultora de Estratégia e Comunicação para o Desenvolvimento Sustentável