A aplicação da Directiva 2011/7/UE referente aos pagamentos atempados a fornecedores está a ser positiva mas lenta. De acordo com um relatório da Comissão Europeia, o seu cumprimento já permitiu algumas melhorias, como a diminuição dos prazos no sector público, na ordem dos dez dias. Face ao impacto negativo dos atrasos de pagamentos, o mesmo organismo comunicou recentemente que foram tomadas medidas contra a Grécia, Itália, Eslovénia e Espanha, devido à incorrecta aplicação da Directiva
POR
MÁRIA POMBO

“Os atrasos de pagamento têm um impacto negativo sobre as empresas, afectando a sua liquidez e fluxos de caixa, complicando a sua gestão financeira e impedindo o seu crescimento”. Esta é uma citação de um comunicado emitido recentemente pela Comissão Europeia, no qual fez saber que foram adoptadas novas medidas contra a Grécia, Itália, Eslovénia e Espanha, devido à incorrecta aplicação da Directiva 2011/7/UE referente ao desenvolvimento de uma cultura de pagamentos atempados.

Através destas novas medidas, que pretendem, por exemplo, como acabar com os atrasos excessivos em sectores como o da saúde pública, a Comissão Europeia pretende levar os Estados visados a aplicar correctamente a Directiva, forçando-os a ser “responsáveis e transparentes no que diz respeito ao seu comportamento em matéria de pagamento das autoridades públicas” e incentivando-os a criar um clima favorável às empresas, para que o sector privado também cumpra os prazos de pagamento. Estimular a existência de uma verdadeira “cultura de pronto pagamento” é o grande objectivo destas medidas recentemente tomadas.

É reconhecido que muitos dos pagamentos são efectuados após os prazos acordados, principalmente entre operadores económicos e entre estes e as autoridades públicas. Esta situação é especialmente prejudicial às pequenas e médias empresas que, por não terem grandes capacidades financeiras, correm o risco de falência e de sobreendividamento. E o pior é que são ainda muitas as organizações que desconhecem os seus direitos, no que respeita à exigência do cumprimento de prazos, e as que os conhecem não se fazem valer deles, contribuindo assim para que os atrasos sejam “socialmente aceites”.

A boa notícia é que este órgão encerrou um processo contra Portugal, por considerar que o País “harmonizou a sua legislação nacional com a Directiva”.

Prazos de pagamento na UE têm vindo a diminuir

Em Agosto de 2016, a Comissão apresentou um relatório sobre a aplicação da referida Directiva, analisando o cumprimento dos objectivos previstos, e recomendando algumas formas de proceder à sua total transposição. Este documento conclui que a sua aplicação está a ser positiva, revelando uma melhoria em termos de atrasos do sector público na ordem dos dez dias. Importa, contudo, referir que ainda existe bastante trabalho por fazer para que seja conseguida a sua total transposição para as leis nacionais dos Estados-membros da União Europeia (UE).

O relatório salienta que fornecer aos credores as medidas que lhes permitem exercer os seus direitos quando os prazos de pagamentos não são cumpridos, e que confrontar os devedores com medidas rigorosas que os desencorajem de pagar tardiamente ou de estabelecer contratos com prazos de pagamentos excessivamente longos são os dois principais objectivos da referida Directiva. Complementarmente, facilitar o funcionamento do mercado interno, através da simplificação das práticas de pagamento em toda a UE, e desenvolver um ambiente jurídico e empresarial favorável aos pagamentos atempados, de modo a facilitar o acesso ao financiamento por parte de PME, são metas também previstas no documento.

A eficácia, a eficiência, a coerência e o valor acrescentado para a União Europeia foram os principais critérios que pautaram a avaliação da Directiva. Com base nestes, conclui-se que a mesma estimulou a consciência de que os pagamentos fora do prazo são um problema que deve estar no topo da agenda política. Esta sensibilização tem levado os Estados-membros da UE a adoptar medidas estruturais de implementação das normas previstas na Directiva, ajudando, assim, muitas empresas a familiarizarem-se com as regras relativas ao problema dos pagamentos tardios e a terem uma maior consciência acerca dos seus direitos e deveres.


Os prazos de pagamento na União Europeia têm vindo a diminuir, lenta e progressivamente, tanto no sector público como no privado. Contudo, o relatório de análise da aplicação da Directiva conclui que “as entidades públicas de mais de metade dos Estados-membros não estão a respeitar o limite de 30 dias imposto por lei”. Ainda assim, os esforços feitos estão, no geral, a ter bons resultados, revelando sinais de melhoria, principalmente no sector privado.

Uma chamada de atenção surge quando se conclui que muitos são os credores que não exercem os seus direitos, aceitando que os devedores continuem a pagar após os prazos acordados ou previstos por lei. Esta questão é particularmente prejudicial às PME, que continuam a ser coniventes com os longos prazos de pagamento impostos pelas grandes cadeias, tornando-se assim dependentes destas.

E se é verdade que a Directiva ainda não trouxe uma mudança estrutural nem teve um grande impacto no comportamento de pagamento, também é verdade que diversos são os indicadores que revelam que a sua aplicação – por ligeira que pareça – tem tido resultados bastante positivos. Algumas medidas – como o pronto pagamento – têm sido aplicadas com sucesso em diversos países, e um pouco por toda a Europa têm sido fornecidas várias ferramentas que ajudam os Estados-membros a mudar comportamentos e a lidar melhor com os pagamentos tardios. Complementarmente, têm sido úteis os esforços da Comissão Europeia em termos de sensibilização dos cidadãos para esta questão, fazendo deste um tema conhecido pela maioria.

Os obstáculos que ainda existem por derrubar

Para que a Directiva seja efectivamente aplicada em todos os Estados-membros, é necessário derrubar alguns obstáculos. A falta de monitorização obrigatória é uma dessas barreiras, já que faz da aplicação da Directiva um verdadeiro desafio devido à dificuldade em medir e compreender o progresso que já foi alcançado em cada Estado-membro. A falta de clareza no que respeita à interpretação de conceitos como “expressamente” ou “extremamente injusto”, e também relativamente ao momento a partir do qual se começam a calcular os prazos de pagamento foi outro problema identificado.

A flexibilidade nas transacções entre empresas é outro problema, já que as de maiores dimensões acabam por ganhar uma vantagem considerável face às restantes, assinando contratos desleais e que desprotegem os pequenos credores. Da parte das autoridades públicas, o que se verifica é que os programas de pronto pagamento têm que ser conjugados com as dívidas já acumuladas (e que os Estados têm dificuldades em saldar), levando-os a não cumprir as normas previstas na Directiva.

E se é verdade que existem custos – relacionados, por exemplo, com encargos administrativos, transposição, implementação e aplicação de medidas voluntárias –, também é verdade que estes e outros gastos que estão relacionados com a aplicação da Directiva são posteriormente compensados com as poupanças que o cumprimento de prazos permite – e que, a nível europeu, estão na ordem dos 158 milhões de euros por dia. Mas, apesar dos benefícios – tanto para as empresas como para a economia – o relatório conclui que quatro em cada cinco organizações ainda continuam a pagar fora do prazo aos seus fornecedores.

Pelo que já foi alcançado e pelo muito que ainda existe por fazer, o incumprimento dos prazos de pagamento é um tema de elevada pertinência e importância para as empresas de toda a União Europeia. Através da referida Directiva, as práticas de pagamento atempado estão a ser aplicadas de uma forma mais consciente e eficiente, diminuindo o sentimento de incerteza que existe principalmente entre as PME, e que está relacionado com a sua sobrevivência, já que estas passam a ter mecanismos para fazer cumprir os prazos de pagamento das grandes organizações.

Pelos motivos acima apresentados e de acordo com o relatório da Comissão Europeia, a aplicação da Directiva sobre os pagamentos pontuais ainda está numa fase incipiente. As melhorias conseguidas em termos de cumprimento de prazo de pagamento são ligeiras, e embora as empresas estejam conscientes dos seus direitos, ainda são poucas aquelas que os invocam. Deste modo, é urgente que os Estados-membros da UE criem mecanismos de monitorização do cumprimento de prazos, que mantenham este tema na agenda política, que criem incentivos, (por exemplo, ao cumprimento de prazos e ao pronto pagamento) e que continuem a sensibilizar os cidadãos para este problema, o qual condiciona a economia e origina gastos astronómicos.

Complementarmente, o relatório sugere que a própria Comissão Europeia identifique as melhores práticas em diferentes sectores, promovendo-as em vários canais e eventos (como fóruns, encontros e palestras), para que a questão do cumprimento dos prazos comece a fazer parte da cultura de todos os Estados-membros da UE.

Jornalista