POR HELENA OLIVEIRA
De acordo com Ban Ki-moon, 2015 será um ano histórico para as Nações Unidas. A organização irá celebrar o seu 70º aniversário, oferecendo uma oportunidade para avaliar os progressos que alcançou – e também os que não conseguiu atingir – no que respeita à paz, aos direitos humanos e ao desenvolvimento desde a sua criação em 1945. Para o secretário-geral da ONU, 2015 será igualmente um ano para se olhar para o futuro e, em particular, para se assegurar que todas as pessoas terão a oportunidade de florescer no único planeta que temos. Ban Ki-moon elege igualmente 2015 como “o ano da sustentabilidade”, na medida em que três reuniões internacional de alto nível terão lugar nos 12 meses que se seguem: a primeira será a Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento, a qual terá lugar em Julho, em Addis Abeba (a capital da Etiópia e a sede da União Africana); a segunda, em Setembro, reunirá os líderes mundiais numa Cimeira especial na sede das Nações Unidas em Nova Iorque, com vista à adopção da nova agenda para o desenvolvimento, incluindo um conjunto de objectivos de desenvolvimento sustentáveis, os quais se esperam vir a ser trabalhados e implementados até 2030 e, por último, a capital francesa será, em Dezembro, palco de mais uma conferência da ONU para as alterações climáticas, na qual se espera (ou desespera) que seja adoptado um compromisso universal e eficaz no que respeita a um acordo sobre o clima.
No passado dia 4 de Dezembro, Ban Ki-moon apresentou, num briefing informal dedicado aos 193 membros da organização que lidera, uma versão “avançada” do relatório que servirá de orientação para conduzir as negociações para uma nova agenda global centrada nas pessoas e no planeta, apoiada em particular pela defesa dos direitos humanos.
“2015 anunciará uma oportunidade sem precedentes para se atingir uma acção global que assegure o nosso bem-estar futuro”, afirmou, pedindo aos Estados-membros que, ao negociarem a agenda em causa, sejam “inovadores, inclusivos, ágeis, determinados e coordenados”, naquela que será a substituta dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, cujos compromissos tiveram início no ano 2000 e “terminarão” este ano. Apesar de as novas metas para o desenvolvimento sustentável serem 17, em conjunto com 169 objectivos, Ban Ki-moon particularizou e sublinhou a urgência extrema da luta para reduzir a pobreza extrema e a fome, promover a educação, em particular para as raparigas, combater as doenças e proteger o ambiente.
Ao apresentar o relatório-sintese – como o denomina – intitulado The Road to Dignity by 2030: Ending Poverty, Transforming All Lives and Protecting the Planet, o secretário-geral descreveu os intricados processos das negociações intergovernamentais que levaram à compilação destes ambiciosos e numerosos objectivos, os quais serão discutidos, como já anteriormente referido, na Cimeira de Setembro, a qual é já considerada por Ban Ki-moon como uma “responsabilidade histórica” que todos os Estados-membros da ONU deverão assumir. “Acabar o trabalho não terminado” nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), constituiu também um “recado” veiculado pelo responsável da ONU a todos os 193 países que fazem parte desta organização, a qual não tem sido imune a muitas críticas, provenientes de vários quadrantes da sociedade, no que respeita à sua “vontade” e eficácia.
Na conclusão do relatório, o secretário-geral não se escusa de colocar um enorme peso nos ombros dos líderes mundiais representantes da ONU, ao afirmar: “Encontramo-nos no limiar do mais importante ano para o desenvolvimento desde a fundação das próprias Nações Unidas. E teremos de conferir significado à promessa feita por esta Organização em ‘reafirmar a fé na dignidade e valor da pessoa humana’, ao mesmo tempo que conduzimos o mundo para um futuro sustentável (…). Temos agora não só a oportunidade, mas o dever, de agir de forma ousada, vigorosa e célere, para transformar a realidade numa vida de dignidade para todos, não deixando ninguém para trás”.
Insistindo que a única abordagem para que estas 17 metas e 169 desafios sejam cumpridos – até 2030 – seja a de uma concertação de esforços e vontades, em conjunto com a visão dos mesmos de uma forma integrada, Ban Ki-moon não se esqueceu de referir o papel principal que o sector privado terá de assumir para se atingir um futuro sustentável. Referindo que muitos dos recentes sucessos no que respeita ao desenvolvimento e às alterações climáticas foram atingidos através de parcerias público-privadas, graças ao seu poder de mobilizar fundos, competências e conhecimentos, o responsável da ONU relembra que uma abordagem sustentável por parte das empresas se traduzirá na criação de postos de trabalho dignos, na melhoria da saúde pública, ao mesmo que deverá conferir maior poder e oportunidades às mulheres e centrar-se na protecção do ambiente. O responsável declarou também que são cada vez mais as empresas que já reconhecem que a sustentabilidade não é apenas uma questão de bem comum, mas antes de senso comum.
O repto foi lançado. Mas que garantias existem que, desta vez, seja diferente?
Novas metas traçadas para uma nova era
Como escreveram Andrew Norton e Elizabeth Stuart, dois investigadores do Overseas Development Institute (ODI), no The Guardian , um dos grandes sucessos dos ODM (que estabeleciam “apenas” oito metas)consistia no facto de estas “serem breves”, ou melhor, de “caberem na parte de trás de um cartão de visita e poderem ir parar ao bolso tanto de um funcionário de ajuda pública norte-americano como de um agricultor indiano”. De acordo com estes investigadores daquele que é considerado o mais prestigiado think tank britânico sobre desenvolvimento internacional e questões humanitárias, os ODM ofereciam igualmente um enquadramento “fácil” para os doadores e para os governos, na medida em que representavam um consenso de desenvolvimento facilmente comunicável.
Todavia, com os 17 novos Objectivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) recentemente acordados, a história será diferente. Para Norton e Stuart, mesmo que os consigamos memorizar, à primeira vista parecem ser demasiados para que muitos grupos da sociedade civil ou outros stakeholders se consigam concentrar, estabelecer prioridades e agir para ir ao seu encontro. Todavia, também é verdade que estes objectivos foram escritos para uma nova era e parece claro que não “possam ser conceptualizados como uns novos ODM, apenas com novas doses de ambição e calendarização diferente”.
Os “objectivos sucessores”, afirmam também os responsáveis do ODI, são realmente diferentes, “na medida em que juntam duas fronteiras – a do desenvolvimento e a do clima – e lidam com bens globais públicos, bem como com obstáculos nacionais, têm uma aplicação universal – tanto para países pobres como ricos – o que trará grandes implicações”, alertam.
E se obviamente vão ser mais difíceis de descrever, de implementar e de monitorizar terão, igualmente, uma função muito diferente face aos ODM. Mas e o que dizer em termos de eficácia?
De acordo com um outro artigo publicado no Center for Global Development e intitulado “What’s the Point of the Post-2015 Agenda?”, era do conhecimento geral que os ODM foram estabelecidos como um enquadramento para se discutir questões de ajuda global. Com os actuais 17 ODS, e apesar de existir consenso que “desta vez, teremos de ser ainda mais ambiciosos”, referem os autores do artigo, a verdade é que não existe acordo algum no que respeita à ambição que deve ser “colocada” em cada uma das inúmeras metas estabelecidas e que contribuam para o seu cumprimento. Os autores do artigo juntam-se a outros coros de críticas que alertam para o facto de existir agora um documento “finalizado” que é essencialmente inútil para estabelecer prioridades, que vai bem mais além do que os “bens comuns públicos” – ao mesmo tempo que exclui algumas questões que deveriam ser consideradas como urgentes -, que revela fraquezas preocupantes na questão “como chegamos lá”, e que está repleto de metas irrealistas. Mais ainda, a principal crítica reside no facto de o documento em causa “fracassar redondamente” no que respeita a uma visão geral do mundo que gostaríamos de ver em 2030.
Mas e regressando ao artigo de Andrew Norton e Elizabeth Stuart, talvez a questão esteja a ser injustamente empolada, na medida em que ninguém ainda percebeu realmente o que significam todas estas metas e objectivos, nem existe ainda nenhuma teoria amplamente articulada que sirva para os alterar. Os autores citam um paper, a ser brevemente divulgado, no qual a consultora em desenvolvimento May Miller-Dawkins, da organização sem fins lucrativos NetRoots Nation, coloca boas questões de partida. A responsável de investigação em causa argumenta que não devemos deixar que as preocupações sobre a praticabilidade e implementação dos ODS reduzam a sua ambição, na medida em que, por diversas vezes, nas áreas dos direitos humanos e similares, foram exactamente as grandes doses de ambição que permitiram que grupos domésticos utilizassem normas e estruturas internacionais para gerar a mudança.
Norton e Stuart afirmam igualmente que, apesar do enorme risco (e quase impossibilidade) de não se conseguir implementar 17 metas e 169 objectivos, talvez seja possível estabelecer um conjunto mais reduzido de compromissos ou imperativos que sirvam como “chapéu” para os demais, actuando como uma espécie de sumário da visão acordada pelas Nações Unidas e, em simultâneo, funcionando como uma espécie de “cola” que mantenha unida esta narrativa ainda muito dispersa.
Muito pouco ainda se discutiu sobre estas novas metas para o futuro sustentável da humanidade e muita tinta irá ainda correr. Mas talvez Ban Ki-moon tenha razão quando afirma: “há 70 anos, os ‘artesãos’ da Carta das Nações Unidas, vivendo num mundo despedaçado pela guerra e pelas atrocidades numa escala jamais vista, apresentaram a sua visão para uma melhor forma de vida”, afirmou. “Em 2015, temos a oportunidade de guiar a humanidade para o futuro que ambicionamos. E há que passar este teste e anunciar uma nova era de sustentabilidade para todos”.
Tudo parece mais fácil no início de cada ano. Que a esperança perdure por muito mais tempo.
Editora Executiva
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