Com resultados positivos em 2011, a Bolsa de Valores Sociais apresentou uma perspectiva de crescimento de 30% e novidades para este ano, como o lançamento, em Maio, de social bonds. Uma parceria com o Deutsche Bank e a CGD que vai “reciclar o dinheiro” para “atrair mais investidores”. É possível reforçar a Economia Social através de instrumentos financeiros inovadores, tornando-a num agente de desenvolvimento e criação de emprego, concluíram os especialistas convidados. E subscreveu o Governo que, depois de manifestar “disponibilidade total” para cooperar, avançou ontem, em reunião com os investidores da BVS, com um protocolo de entendimento e de trabalho
POR GABRIELA COSTA

 

© BVS

A II Assembleia Geral de Investidores da Bolsa de Valores Sociais (BVS), realizada a 17 de Fevereiro na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, apresentou resultados positivos em 2011, no âmbito de um balanço da sua actuação em Portugal desde o lançamento, há cerca de dois anos, e traçou metas para 2012.

Até à data, quatro projectos desta iniciativa que replica o ambiente e os conceitos de uma Bolsa de Valores tradicional em benefício de organizações sociais, foram cem por cento financiados, anunciou o fundador da BVS, Celso Grecco, adiantado que “todos os demais já receberam recursos”.

Actualmente, a BVS tem cotados 29 projectos e gere outros 19, integrados no Fundo Caixa Fã da Caixa Geral de Depósitos (CGD), em resultado da parceria estabelecida, no ano passado, com o banco. Estes projectos representam um portfólio de investimentos sociais directos e indirectos de cerca de 1,2 milhões, montante que a BVS quer ver aumentado e cerca de 30%, estando “a trabalhar para atingir o objectivo dos 1,5 milhões de euros, em 2012”.

Um modelo para a Europa
Em declarações ao VER, o presidente da BVS, Celso Grecco, traça um balanço muito positivo, “não apenas pelos resultados financeiros mas principalmente por termos sido citados pela Comissão Europeia como um modelo para o desenvolvimento da Economia Social na Europa”. E pela manifestação do Governo, que “se mostra realmente disposto a colaborar e a não ficar apenas na intenção”. Duas conquistas que “reafirmam a nossa convicção”, conclui o fundador da Bolsa.

O Governo agendou de imediato uma reunião de trabalho com a BVS, que decorreu ontem. À margem do encontro, Celso Grecco adiantou ao VER que “a reunião foi excelente”, contando com a presença de Luís Laginha (presidente Euronext Lisbon), Isabel Ucha (directora da Euronext), Isabel Mota (directora da Fundação Gulbenkian), Guilherme Collares Pereira (director da Fundação EDP) e Ana Pinto Coelho (directora Geral da BVS).

Por agora, o presidente da BVS esclarece que “vamos avançar com um protocolo de entendimento e de trabalho, mas ainda não temos detalhes de como esta cooperação se dará”. Certo é que “de ambos os lados há disposição para cooperar”. Uma notícia “extremamente positiva, não só para a BVS mas para o País, que precisa de gente que tenha iniciativa”.

O número de investidores sociais na BVS é hoje de 1600 particulares e nove empresas. No final de 2011, a BVS atingiu as metas de angariação de recursos e de número de investidores sociais, conquistando a gestão do Fundo Caixa Fã, o que “demonstra a qualidade dos serviços de avaliação e gestão dos nossos projectos sociais”, sublinha a organização.

Segundo Celso Grecco, esta parceria com a CGD qualifica os processos do Fundo Caixa Fã – que lança um desafio a estudantes universitários talentosos e empreendedores para que multipliquem quinhentos Euros (atribuídos às melhores ideias) ao máximo, num prazo de cinco semanas, valor que reverte para as organizações cotadas na BVS -, ao mesmo tempo que “fortalece a BVS ao apoiar-nos financeiramente nos custos operacionais”.

Mas a grande novidade anunciada pela BVS é o lançamento, em Maio, de ‘social bonds’, uma parceria com o Deutsche Bank e com a CGD, banco oficial da BVS, que permitirá “reciclar o dinheiro”, como disse o presidente da BVS, que espera que esta seja uma iniciativa”capaz de atrair mais investidores”. Segundo explica ao VER, “o Deutsche colocou à nossa disposição uma equipa de analistas financeiros que vai trabalhar connosco no desenvolvimento dos social bonds. Para além do apoio a este novo instrumento que será lançado em Maio, a parceria com o Deutsche Bank inclui o apoio aos custos operacionais da BVS.

Nova economia alia retorno financeiro e social
Sob o tema “Um Bom Negócio pode ser Social?”, a II Assembleia Geral de Investidores da BVS reuniu um painel de altos representantes de instituições internacionais na área dos Negócios Sociais, como o Charity Bank ou o INSEAD. Malcolm Hayday, CEO do Charity Bank; Valdinei Valério, CEO da RENAPSI e Filipe Santos, Professor Associado e Director da Escola de Negócios Sociais do INSEAD, debateram com o fundador da Bolsa de Valores Sociais os desafios e oportunidades da Economia Social para o desenvolvimento sustentável das economias, tanto no contexto europeu como no panorama nacional.

Se um “negócio” é a “combinação de recursos para criar valor” e ser social “significa ter por objectivo maximizar o impacto”, o empreendedorismo tem que ser um bom negócio – Filipe Santos, INSEAD .
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Para Celso Grecco “não são 1,2 milhões de euros, nove empresas ou 1600 particulares que conseguirão mudar um quadro tão complexo como o de Portugal”. Mas perante “o contexto de um mundo em transformação, onde os valores vigentes e a maneira como são tomadas as decisões politicas e económicas estão a ser questionados, a existência de uma Bolsa de Valores Sociais que pretende ser mais do que filantrópica, aliando retorno financeiro ao retorno social e provando que é possível fortalecer o tecido social português e a Economia Social através de instrumentos financeiros inovadores, é um grande contributo”.

No embrião de “uma nova Economia e de um novo pensamento Social” está a premissa, sempre defendida por este “optimista”, de dar às organizações sociais a capacidade de actuarem nas causas, e não nas consequências: “o objectivo máximo dos negócios sociais é trazer metodologias de trabalho capazes de gerar a auto-sustentabilidade das organizações sociais, fortalecendo-as assim para continuarem a serem eficazes na interrupção dos ciclos de pobreza”, salienta.

Ora exemplos de projectos empreendedores e sustentáveis foi o que mais evidenciaram os especialistas convidados no debate. No caso do Charity Bank, o único banco britânico e o primeiro do mundo sem fins lucrativos, o crédito a organizações sociais que, de outra forma, não conseguiriam nascer e vingar já permitiu apoiar, em dez anos, dezenas de projectos. Actualmente o valor médio do empréstimo concedido aos projectos durante dez anos fixa-se em 294 mil libras, adiantou Malcom Hayday, esclarecendo que, depois de uma fase-piloto do fundo “Investors in Society” que durou sete anos e “se pautou pelo sucesso”, 2011 “foi o primeiro ano com resultados excedentários” para o Charity Bank.

Já o INSEAD é um exemplo de formação ao mais alto nível para modelos de negócio social. Segundo Filipe Santos, o ISEP – INSEAD Social Entrepreneurship Programme, programa destinado a “empreendedores sociais com elevado potencial que querem fazer crescer as suas organizações sociais para ter maior impacto”, já com dez edições, desde 2005 (em França e Singapura) reúne hoje mais de trezentos empreendedores sociais na sua rede.

Promovendo uma cadeira de MBA com 150 alunos por ano, bootcamps intensivos de empreendedorismo social, produção de Casos de Estudo (com dez casos, desde 2006) e a área da investigação, ao nível da implementação de modelos de negócio social com investidores e medição de impacto, numa visão de “filantropia estratégica”, como lhe chama Filipe Santos, o INSEAD quer agora “expandir para o mundo lusófono”. Para tanto, esta escola de Negócios Sociais estabeleceu uma parceria com o IES para a realização de programas de ES, em parceria também com a Fundação EDP e Câmara Municipal de Cascais. 2012 será “o ano de crescimento para o Brasil e África”, perspectiva o director do INSEAD.

Governo aposta em negócios sociais
Na sua opinião, o empreendedorismo social “é uma abordagem de negócio que se alicerça em elementos chave: aborda problemas negligenciados da sociedade, desafiando a visão tradicional e usando modelos de negócio inovadores que capacitam as pessoas e trazem soluções sustentáveis, com um impacto positivo para a sociedade”. Para Filipe santos, se um “negócio” é a “combinação de recursos para criar valor” e ser social “significa ter por objectivo maximizar o impacto”, o empreendedorismo social tem que ser um bom negócio.

Já para Valdinei Valério da Silva, CEO da RENAPSI, “organizações sociais, governo e empresas são agentes da aprendizagem”. Esta rede brasileira de organizações sociais que, em catorze anos, educou cerca de setenta mil jovens em programas denominados “Jovem Aprendiz”, conta com um orçamento anual médio de trinta milhões de Euros, adiantou, actuando hoje em trezentos municípios, em 26 Estados e no Distrito Federal, e integrando a Plataforma Latino Americana de Inclusão Laboral Juvenil.

A iniciativa, que reúne mais de trinta organizações integradas em rede e  para cima de quinhentos parceiros (entre empresas e governos) tem, actualmente, cerca de 13 mil aprendizes em atendimento. Como explica o seu gestor, “trata-se de um colectivo de organizações não governamentais que, por meio de parceria público-privada, fortalece o desenvolvimento socioeconómico no Brasil, promovendo a inserção de jovens no mundo do trabalho, através de programas de formação”.

A relevância dos negócios sociais, enquanto movimento crescente que Portugal deve integrar, fortalecendo o empreendedorismo como um caminho para estimular o crescimento económico e contornar o desemprego – até porque, como diz ao VER Celso Grecco, “vivemos num mundo no qual o emprego, da forma como o conhecemos, está em extinção”, ficou demonstrada no debate da II Assembleia Geral de Investidores da BVS.

O encontro, que reuniu ainda representantes da Fundação EDP, da Fundação Calouste Gulbenkian e da NYSE Euronext Lisbon (os co-fundadores da BVS), foi encerrado pelo Secretário de Estado da Solidariedade e Segurança Social, Marco António Costa, com uma promessa: o Governo vai “colaborar com a Bolsa de Valores Sociais, com vista a tornar esta iniciativa de empreendedorismo social numa experiência alargada”.

Marco Costa sublinhou “disponibilidade total e absoluta para nos sentarmos convosco e trabalharmos em conjunto”, o que se concretizou na reunião realizada de ontem, a partir da qual será analisado e definido o protocolo de entendimento estabelecido. E para que não hajam dúvidas, “o objectivo do Governo não é intervir ou estatizar, mas antes ser parceiro e auxiliar o desenvolvimento do conceito”, esclareceu aos jornalistas o secretário de Estado da Solidariedade e Segurança Social. Aguardemos.

 

Jornalista