Foram 16 mil pessoas que se inscreveram para um dos eventos mais esperados do ano, mas foram só 1200 as que tiveram oportunidade de assistir, ao vivo e a cores, a um dia recheado de histórias contadas na primeira pessoa. E se este TEDx tinha como objectivo disseminar ideias “azuis” para a humanidade, falhou redondamente: o catálogo de experiências apresentado foi multi-colorido
Tinha como tema “Being Blue”, mas foram várias as cores e os tons que deram vida ao segundo TEDx organizado no Porto por um grupo independente e liderado pelo empresário Manuel Forjaz, que foi igualmente host do evento. Na Casa da Música, foram cerca de 1200 as pessoas que, num só dia, tiveram a oportunidade de assistir a mais de duas dezenas de histórias, completamente distintas entre si, mas com o objectivo comum que caracteriza este tipo de eventos, considerado já um fenómeno à escala global: a partilha de experiências, ideias, modelos, paixões e sonhos que sirvam para inspirar e motivar os que as escutam. Escrever sobre um evento que conta com o poder da oratória, da síntese (as palestras têm uma duração obrigatória de 15 minutos) e da surpresa não é tarefa fácil. O VER esteve no TED e tenta traduzir algumas das mensagens ali transmitidas, bem como as emoções a elas associadas. Aplaudidos de pé Johnson é morador no bairro da Cova da Moura e é um dos membros mais conhecidos do Moinho da Juventude, onde se empenha, todos os dias, a prevenir situações de delinquência em crianças e jovens. A sua história de antigo menino da rua é (quase) igual à de tantas outras, onde drogas, roubos, fugas, revoltas e prisões se cruzam e, em muitos casos, se perpetuam. Quebrar este ciclo foi a vitória de Johnson que, depois de 10 anos preso, sem ter podido assistir ao funeral do pai e, já com pena cumprida, à cabeceira da mãe durante dois anos até esta falecer, arranjou forças para se reinventar. Casado e pai orgulhoso, divide o seu tempo no trabalho comunitário que desenvolve para o Moinho, visita casas correccionais nas quais tenta motivar jovens delinquentes a enfrentarem a vida e não a procurarem a morte e trabalha numa agência de comunicação. É ainda treinador de futebol no Real Clube da Buraca e coordenador desportivo. Sem nunca culpar ninguém pelo que foi ou o que fez, na Casa da Música, emocionou-se e emocionou. E recebeu uma enorme ovação da audiência. Bento Amaral ficou seis meses numa cama de hospital depois de ter tido um acidente enquanto fazia surf. Na altura, tinha duas preocupações: como seria a sua integração social, visto que teria de passar o resto da vida numa cadeira de rodas e como seria o seu futuro profissional. Dezasseis anos passados, afirma que, se pudesse estalar os dedos e voltar ao dia do acidente [para o evitar], de uma coisa tem a certeza: não apagaria nada do que conquistou ao longo de todo este tempo. E não é para menos. Bento Amaral é enólogo, Chefe dos Provadores do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto e professor de enologia e marketing dos vinhos. Mas é igualmente recordista mundial de velocidade na neve, campeão mundial de vela adaptada, um dos responsáveis pela qualificação de Portugal para os Paralímpicos de Pequim e um optimista bem-humorado. Para além do mar e do vinho, dedicou um slide da sua simples mas directa apresentação a uma paixão mais recente: à sua mulher, Carmo, com quem se casou em 2007. E assegurou ser agora muito mais feliz do que antes da onda que lhe levou os sonhos, mas que acabou por os multiplicar até hoje. Num registo bastante diferente, mas que gerou curiosidade na audiência, esteve Mark Boyle, o já conhecido economista de formação e ex-empresário que decidiu virar costas ao dinheiro e viver em harmonia com a sua nova consciência e com a natureza. Afirmando que Gandhi deu cabo dos seus planos para dominar o mundo, o homem sem dinheiro e autor do livro com o mesmo nome, explicou como é a sua vida na roulotte que lhe serve de abrigo, perto de Bristol, como planta os alimentos que consome e como já utilizou papel de jornal com a sua própria cara estampada para substituir o pouco ecológico papel higiénico. Boyle é igualmente fundador da “Freeconomy Comunity” que defende uma economia da partilha e que visa despertar consciências para uma vida mais despojada de bens materiais. Apesar de saber que, na audiência, deveriam ser poucos ou nenhuns os candidatos a deitar fora dinheiro e cartões de crédito, foi igualmente um dos oradores mais aplaudidos do evento.
Falar claro e traduzir o que está escuro A apresentação de Sandra-Fisher Martins, com exemplos de documentos cuja complexidade faz de quase todos nós perfeitos “iletrados”, causou surpresas e sorrisos na audiência. Dando o exemplo do porteiro do seu prédio, o Sr. Domingos que, por não ter percebido uma carta que lhe permitia, depois de um longo tempo de espera, fazer uma cirurgia, descobriu que, só neste caso e num ano, 80 por cento destes “cheques-cirurgia” tinham ido parar ao lixo, simplesmente porque os seus receptores não percebiam qual a finalidade expressa nos ditos documentos. Se pensa que não é um Sr. Domingos, engane-se: apenas cinco por cento da população conseguem lidar com informação complexa e basta ler uma bula de um medicamento qualquer para perceber que muito provavelmente não consta desta percentagem. A mensagem de Sandra Fisher-Martins é clara: se é responsável por algum tipo de comunicação mais complexa, escreva-a como se estivesse a dirigir-se à sua avozinha velhinha: frases curtas, palavras simples e comunicar só o que é estritamente importante. E se ainda não está convencido, lembre-se da crise da subprime como um excelente exemplo da falta da cultura da clareza, a par das consequências terríveis que dela advieram. A empresa de Sandra Fisher-Martins está já a trabalhar num “Guia Claro para a Justiça” e preparam-se prémios para os melhores (mais simples) e para os piores (não inteligíveis) documentos. Na categoria destes últimos, não deve ser fácil a escolha. Escolher os daltónicos como grupo para um projecto de inclusão é, no mínimo, original. Afinal, qual é o problema de pessoas que, ao contrário do que se pensa, não trocam mas confundem as cores? Aparentemente e visto que antes de Miguel Neiva ter iniciado a sua pesquisa, não existiam dados sobre esta população, parece não existir nenhum. Mas a verdade é que o facto de se sofrer de daltonismo não implica apenas a necessidade de uma companhia para ajudar a escolher as cores da roupa. O mundo é feito de cores e são inúmeras as ocasiões em que é verdadeiramente necessário conseguir distingui-las. Como designer, Miguel Neiva lida com cores e com códigos. E, pegando nas cores primárias – azul, vermelho e amarelo – atribuiu a cada uma delas, em conjunto com o preto e o branco, três símbolos simples mas distintivos, criando um código universal para os que sofrem desta inibição. Este foi só o começo, pois todas as cores, em conjunto com os tons – claro ou escuro – têm já o seu símbolo associado. E as aplicações são inúmeras: na educação, para o material didáctico, existem já à venda em todo mundo, lápis de cores associados a estes símbolos; nos hospitais e com o sistema de triagem por cores, a utilização destes símbolos está já em criação; nas tintas, a CIN, no seu catálogo de 16 mil cores, também; o Brasil está a utilizá-los nos semáforos; em Abril, no parque de estacionamento do Centro Champalimaud, nenhum daltónico se voltará a perder e o mesmo acontecerá, com estreia a nível mundial, nos mapas identificativos dos trajectos do metro do Porto. Mas as aplicações são tão vastas quanto o colorido do mundo: nos rótulos dos produtos, nas aplicações informáticas – passar o rato pela cor e aparecer o símbolo correspondente – nos jogos (um bom exemplo é o famoso cubo Rubik), nos telemóveis, enfim, em quase tudo o que possamos imaginar… Como afirma Miguel Neiva, este é um projecto ambicioso, mas não ganancioso. Mas orgulhoso deve estar o designer que viu a sua ideia ser reconhecida como uma entre as 40 melhores para mudar o mundo pela revista Galileu. Redes de emoções e emoções em rede Mutação foi a palavra-chave subjacente à apresentação de Luis Reis. O gestor da Sonae, professor de marketing e estratégia, médico de formação e crente na “desactualização”, presenteou a audiência com as grandes tendências do marketing, as suas técnicas e tácticas, deixando o alerta para o megafone gigante que os consumidores têm nas mãos devido às redes sociais. Apesar de avisar que o que iria partilhar poderia ser contrariado “nos próximos três meses ou três dias”, Luis Reis apresentou o futuro próximo do retalho: mais célere, com mais piada, mais emocional, inevitavelmente mais verde e sustentável e muitíssimo mais segmentado. A transparência deixa de ser requisito para ser obrigatoriedade e o automatismo tomará conta das nossas despensas e dos nossos guarda-roupas. Quem insistir na venda massificada – ou no vender tudo a todos – poderá preparar-se para entrar numa “dead zone”. Filipe Santos, professor associado de empreendedorismo no prestigiado INSEAD, é dos que mais acreditam que serão os empreendedores a mudar o mundo. A sua apresentação, que questionava se Portugal era terra de “blue” ou de “blues”, acabou por dar um tom verde – de esperança – ao futuro do país. Depois de uma análise dos últimos 10 anos, ganham os factores positivos em detrimento dos negativos, desde que se continue a apostar no caminho do empreendedorismo e da inovação, com paixão e emoção. No mesmo caminho, com estações e apeadeiros pelo meio, está Joaquim Borges Gouveia, da Universidade de Aveiro, que pretende construir uma “estação”, cujos comboios serão feitos de redes de emoções e que deverá integrar as pessoas das empresas, as que estão na escola e aquelas que fazem a escola. O “desabrochar de ideias”, tema da sua apresentação, implica um salto para fora da caixa e uma criação necessária de “desequilíbrio”, pois é urgente reconstruir e recombinar ideias. As 22 palestras estarão brevemente disponíveis no site do TEDx e no YouTube. Esteja atento. Artigo relacionado: A tribo dos Tedsters |
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