Se quisermos repensar os nossos verões — e os nossos estilos de vida — à luz da sustentabilidade, talvez possamos inspirar-nos no espírito de Verão Azul. Um verão menos turístico e mais comunitário. Menos centrado no consumo e mais na experiência. Com mais tempo para escutar, cuidar, reparar — e menos urgência em acumular ou mostrar
POR MARIA JOÃO RAMOS

Eu ainda sou do tempo em que acompanhar uma série na TV não era ter a opção de andar para a frente ou para trás, mas sim reconhecer o genérico e saltar com entusiasmo para o sofá, em frente à televisão. Quem da geração de 80 é que não seguiu as aventuras de uma pintora e de um marinheiro reformado, numa ligação feliz com um grupo de jovens? Tito, Bea, Javi, Piraña, Quique, Desi e Pancho fizeram as delícias dos jovens da altura com as suas conversas profundas e a relação cúmplice com Chanquete e Julia.

A série Verão Azul abordava temas que hoje continuam (ou voltaram) a estar na ordem do dia: a adolescência, o ambiente, o namoro, o choque de gerações, o álcool, as drogas ou o tabaco.

Entre praias e falésias, onde a bicicleta era o meio de transporte de eleição, as paisagens e a natureza do sul de Espanha eram um autêntico postal vintage da sustentabilidade — sem saber que o era.

Mas havia ali mais do que cenário. Num dos episódios mais marcantes, os protagonistas encontram uma baleia encalhada na praia e lutam para a salvar. O episódio causou um forte impacto emocional em quem o viu e pode hoje ser lido como uma metáfora precoce do ativismo ambiental — um apelo à empatia ecológica que, ainda hoje, faz sentido.

Mas a série foi mais longe. Abordava o envelhecimento (na despedida de Chanquete), a liberdade feminina (na personagem da pintora Julia), e mesmo questões de desigualdade e exclusão social: o rapaz que não podia ir à escola, ou o episódio que expunha, com delicadeza, a violência doméstica.
Todos estes temas são hoje centrais na sustentabilidade social — e estavam lá, mesmo que ainda sem esse nome.

Verão Azul não era uma série sobre consumo, viagens exóticas ou carros potentes. As férias decorriam num único lugar, com recursos limitados e muita criatividade. As bicicletas eram o meio de transporte principal, os jogos eram inventados e as amizades cultivadas ao ritmo dos dias longos de verão.

Este estilo de vida frugal e comunitário está surpreendentemente alinhado com muitos dos princípios atuais da sustentabilidade: mobilidade suave, consumo responsável, economia do cuidado, valorização do tempo e do território.

Os adultos viviam do mar, da agricultura, da arte — e não havia nenhum culto do “ter”, apenas do “ser” e “estar”. Há aqui uma mensagem poderosa sobre a suficiência, um conceito hoje central na economia circular e no decrescimento sustentável.

No fundo, Verão Azul era um laboratório informal de sustentabilidade, sem a linguagem técnica nem os slogans da atualidade. Era feito de relações humanas, de proximidade, de tempo com propósito. Não era perfeito, claro, mas era consciente. E talvez por isso, mais de 40 anos depois, continue a ressoar.

Se quisermos repensar os nossos verões — e os nossos estilos de vida — à luz da sustentabilidade, talvez possamos inspirar-nos neste espírito. Um verão menos turístico e mais comunitário. Menos centrado no consumo e mais na experiência. Com mais tempo para escutar, cuidar, reparar — e menos urgência em acumular ou mostrar.

Hoje, o verão tende a ser mais frenético: aviões, resorts, partilhas constantes, descartáveis por todo o lado. Nada contra a modernidade, mas talvez nos falte equilíbrio.

Voltar ao espírito do Verão Azul pode ser um exercício útil: fazer férias cá dentro, escolher produtores locais, viajar devagar, estar mais presentes. Cultivar o suficiente. Redescobrir o valor das relações, do tempo e da natureza.

Não se trata de recusar a modernidade ou a tecnologia, mas de equilibrar. De fazer diferente. De abrandar.

Tal como no Verão Azul, também a sustentabilidade é feita de relações: com o outro, com o planeta, com o nosso próprio tempo. Está nos pequenos gestos, nas rotinas, nos hábitos que escolhemos manter mesmo quando ninguém está a ver. Está, acima de tudo, na consciência de que o nosso bem-estar está intrinsecamente ligado ao bem-estar do mundo à nossa volta.

E talvez o segredo esteja mesmo aí: não em voltar ao passado, mas em resgatar o que ele tinha de bom. Um verão com mais tempo e menos pressa. Com mais natureza e menos ecrãs. Com mais ligação humana e menos distrações.

Porque um verão sustentável é mais do que reciclar o lixo da praia. É um verão que nos liga aos outros, à terra e àquilo que realmente importa.

A sustentabilidade pode — e deve — começar aqui: nas escolhas do nosso verão.

Um verão mais azul, no sentido mais completo da palavra.

Bom Verão!

Consultora de Estratégia e Comunicação para o Desenvolvimento Sustentável

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