Várias escolas de pensamento económico apresentam hoje perspectivas diferentes sobre como compreender e definir a interacção da nossa sociedade e sistema económico com o ambiente natural, daí decorrendo caminhos diversos para perseguir o Desenvolvimento Sustentável. Enquanto agentes económicos e cidadãos globais, é útil e necessário conhecer e reflectir sobre as estas diferentes abordagens
POR RICARDO RIBEIRO DE OLIVEIRA*

Actualmente a actividade económica da sociedade humana a nível global ameaça os equilíbrios naturais planetários e está a conduzir ao esgotamento dos recursos naturais. A prazo, é a nossa própria sobrevivência enquanto espécie que está ameaçada. O termo “Economia” é utilizado para designar a melhor forma de utilizar recursos relativamente escassos para satisfazer as necessidades humanas. Várias escolas de pensamento económico apresentam hoje perspectivas diferentes sobre como compreender e definir a interacção da nossa sociedade e sistema económico com o ambiente natural, daí decorrendo caminhos diversos para perseguir o Desenvolvimento Sustentável. Enquanto agentes económicos e cidadãos globais, é útil e necessário conhecer e reflectir sobre as estas diferentes abordagens – Economia Neoclássica, Economia Ambiental e Economia Ecológica – pois de cada um de nós, e de forma decisiva, depende o nosso futuro conjunto.

A visão da Economia Neoclássica

*RICARDO RIBEIRO DE OLIVEIRA é consultor de Sustentabilidade e Responsabilidade Social da Organizações. É fundador e Managing Partner da Big Marble Consulting, empresa especializada em consultoria estratégica nestas áreas de actuação.

A Economia Neoclássica, a perspectiva dominante até aos dias de hoje, vê a “Economia” (o “sistema económico”) como um sistema quase isolado em si. Este pode influenciar e ser influenciado por factores como problemas sociais e ambientais, mas estes factores, embora impactem a sociedade e os seus membros, são originados fora do sistema económico, e, como tal, devem ser mantidos fora dos limites do mesmo – estes factores são por esse motivo chamados de “Externalidades”. As externalidades, negativas ou positivas, não são incorporadas na formação dos preços, dado que são consideradas um fenómeno exterior à economia.

Os economistas neoclássicos assumem assim que as matérias-primas são importadas da natureza para a economia, e que os resíduos são exportados da economia para o ambiente natural, a um custo nulo ou quase nulo. A Biosfera – no exterior do sistema económico – é vista como algo muito grande comparativamente com o sistema económico e as externalidades negativas não são consideradas significativas face aos benefícios de um sistema económico, com os seus mecanismos e equilíbrios de mercado a funcionar correctamente.

Para estes economistas, o objectivo é a alocação perfeita e a eficiência na utilização de recursos escassos. Considera-se que é possível comparar os factores de produção (capital, trabalho e recursos naturais) em termos monetários e que estes são substituíveis entre si. É assumido que as decisões racionais dos actores económicos (que também é pressuposto terem a informação necessária para tomarem essas decisões racionais), conduzem a resultados óptimos ao nível da alocação desses recursos (por exemplo, se escasseassem certo tipo de trabalhadores ou recursos naturais, eles poderiam ser substituídos por equipamentos mais eficientes).

Esta escola acredita também que os danos ambientais resultantes da actividade económica são reversíveis à posteriori através de medidas reparadoras.

Desta forma, como corolário de todos estes pressupostos, o valor do Capital Natural (recursos e serviços dos ecossistemas naturais) é visto como mantendo-se praticamente constante ao longo do tempo. Por seu lado, o Capital Económico produzido pelo sistema económico/sociedade humana (equipamentos, ferramentas, infra-estruturas, conhecimento, etc.) está constantemente a crescer, pelo que se conclui que o valor total do capital do sistema (valor do Capital Natural + valor do Capital Económico) está a aumentar.

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Segundo os economistas neoclássicos, o desenvolvimento tecnológico irá possibilitar a substituição do Capital Natural por Capital Económico (por exemplo, através de novos compostos ou equipamentos mais eficientes). Para estes, o objectivo é manter o valor do capital total do sistema em crescimento – independentemente de ser Capital Natural ou Capital Económico, pois, como vimos, eles são considerados substituíveis, sendo essa substituição apenas uma questão de evolução tecnológica. Esta aspiração é designada como “Sustentabilidade fraca” (por oposição a “Sustentabilidade forte” que abordaremos mais adiante).

Para os neoclássicos, mais crescimento económico é sempre melhor e conduz a maior bem-estar social, não fazendo questão de distinguir crescimento económico de “progresso económico”.

Finalmente, nesta visão, o dinheiro (valor) possuído hoje é sempre mais seguro do que o dinheiro que se possa possuir no futuro, e como tal, mais valioso. Assim, a sociedade pode consumir os recursos naturais que entender hoje, pois as poupanças conseguidas e o consumo presente dos recursos representam um investimento que irá levar à criação de substitutos para esses recursos naturais no futuro – a sociedade deve consumir esses recursos hoje e exigir que no futuro sejam consumidos os substitutos existentes e que serão criados. Assim, os recursos e serviços naturais não devem ser tratados de forma diferente de qualquer outro bem ou serviço.

A visão da Economia Ambiental

A Economia Ambiental é uma derivação ou corrente da escola Neoclássica, que tem por base os mesmos pressupostos e teses, mas que apresenta outra sensibilidade aos problemas ambientais, nomeadamente a poluição, que se tornou marcadamente notória nos países desenvolvidos na década de 70.

Os economistas ambientais vêm o sistema económico como parte integrante da Biosfera (um sistema maior), interagindo com ela e dela dependente. Estes reconhecem que o mercado não tem conseguido controlar os crescentes problemas ambientais, dado que não se têm internalizado os custos ambientais (ou seja, reflectido os custos das “externalidades” ambientais nos preços dos bens e serviços). Aceita portanto essa imperfeição do mercado, que considera ser necessário corrigir.

Uma vez os preços definidos correctamente, incorporando já os valores das externalidades, todo o crescimento económico representaria um benefício líquido para a sociedade, já que não haveria prejuízos para a mesma (como poluição e outros problemas ambientais) que não fossem considerados pelo sistema económico. Assim, a Economia Ambiental deposita também toda a fé e confiança no mercado e no sistema de preços para guiarem o consumo e a produção globais para níveis sustentáveis, ao encarecer os recursos mais escassos e tornar mais baratos os mais abundantes.

Vários países acolheram esta abordagem da Economia Ambiental e criaram “impostos verdes” tais como impostos sobre emissões de carbono (sendo neste caso o equilíbrio climático e temperatura globais o “bem” que escasseia, por acção do carbono).

Também aqui se assume que os actores económicos, através das suas decisões racionais, alocam os recursos da forma mais eficiente. Deste modo, maximiza-se o bem-estar e garante-se que todos os recursos são utilizados dentro de limites sustentáveis, e que os efeitos negativos na natureza são reduzidos a níveis que esta possa absorver.

As tentativas de internalizar as externalidades ao atribuir-lhes um preço, têm sido baseadas essencialmente em duas lógicas: i) A disponibilidade para pagar – o quanto os consumidores estão dispostos a pagar por determinados recursos (por exemplo, um solo fértil ou um lago não poluído); e ii) O custo de restaurar um determinado recurso para o seu estado natural. Os principais problemas destas abordagens prendem-se – respectivamente – com o facto de a disponibilidade para pagar dos consumidores depender da informação que possam ter sobre o impacto real da degradação de um recurso na sua vida (o que não acontece na generalidade); e com o facto de existirem recursos naturais que não são possíveis de restaurar depois de perdidos, como por exemplo património genético ou cultural (os economistas ambientais, como os neoclássicos, acreditam na reversibilidade da degradação ambiental).

A visão da Economia Ecológica

Esta escola emergiu no final dos anos 70 e início dos anos 80, com ênfase na integração com a economia dos contributos de outras ciências, como a biologia e a termodinâmica, visando a compreensão mais profunda das inter-relações entre o sistema económico, a sociedade e a Biosfera.

Os economistas ecológicos partilham com os economistas ambientais a visão do sistema económico como parte integrante e dependente da Biosfera. No entanto, eles defendem que a Biosfera tem limites quanto à “carga” que o sistema económico pode colocar na mesma, e que os fluxos físicos, de matérias-primas da natureza para a economia e de resíduos da economia para a natureza, devem ser mantidos em níveis definidos como sustentáveis a longo prazo.

Ao contrário das duas escolas abordadas anteriormente, o foco e objectivo primordiais não são a optimização da alocação de recursos, mas sim a dimensão e a escala do sistema económico. Esta visão é orientada pelo princípio da precaução, ao considerar que os ecossistemas naturais podem ser afectados de forma irreversível, dando origem a catástrofes naturais. Problemas como o aquecimento global, a erosão dos solos e a desflorestação são apontados como de máxima urgência e considera-se que é necessário resguardar os bens e serviços naturais – protegendo os ecossistemas críticos, mantendo uma área mínima de natureza virgem e preservando a biodiversidade. Existe um problema de escassez absoluta dos bens e serviços naturais uma vez que, ao contrário do considerado pelas outras escolas, se preconiza que os factores de produção não são substituíveis entre si. Alega-se que os equipamentos necessitam obrigatoriamente de trabalhadores, enquanto os trabalhadores dependem dos recursos naturais para sobreviver. Assim, o Capital Natural é tido como o limite em última instância para qualquer combinação de factores produtivos.

A preocupação de base com a estabilidade e resiliência dos ecossistemas naturais, leva esta corrente económica a propor que a maximização da satisfação das necessidades humanas e da produção de bens e serviços deverá ser optimizada, mas dentro dos limites dos fluxos físicos possíveis/sustentáveis entre o sistema económico e a Biosfera.

Os economistas ecológicos também não confiam no mercado para manter a utilização dos recursos naturais em níveis sustentáveis. Um argumento chave apresentado é o facto de, no mercado, o preço de um recurso se alterar apenas quando a escassez desse recurso é percebida. Devido à complexidade dos equilíbrios naturais, entre o início do consumo excessivo de um recurso natural e o momento em que se sentem ou se toma consciência dos efeitos negativos desse consumo, podem decorrer por vezes décadas (um exemplo é a utilização dos CFCs, e, só muito depois, a descoberta do buraco na camada de Ozono). Nessa altura, pode já ser tarde demais.

Quanto à internalização dos custos das externalidades proposta pelos economistas ambientais, os economistas ecológicos apontam que é muito imprecisa a determinação de um preço para bens que são abundantes o suficiente em dado momento e que o mercado, por si só, não é capaz de fazer estimativas conservadoras e prudentes sobre os limites derradeiros de utilização de um recurso. Argumentam ainda que existem recursos e serviços da natureza que são críticos para a sobrevivência da humanidade ou têm carácter cultural (locais sagrados, conhecimento passado entre gerações, práticas comunitárias), e cujo valor é, portanto, “infinito”. Como tal, a sua preservação deve ser cuidadosamente monitorizada e não deixada a cargo das forças de mercado.

Finalmente, os economistas ecológicos não aceitam a reversibilidade da degradação ambiental avançada pelas outras duas escolas, uma vez que consideram que existem componentes da Biosfera impossíveis de restaurar (pelo menos num horizonte temporal humano) – um exemplo são as espécies animais e vegetais extintas.

Assim, para os economistas ecológicos, o Capital Natural não é substituível por Capital Económico e ambos os capitais devem ser desenvolvidos e analisados em separado – conceito denominado de “Sustentabilidade forte”.

Para eles, o valor do Capital Natural global encontra-se a decrescer ao longo do tempo, e o valor do Capital Económico, apesar de crescente, não compensa a perda de valor do Capital Natural, fazendo com que o valor total do capital no sistema esteja a decair continuamente. Estamos assim a assistir ao declínio – ou “crescimento invertido” – em termos reais do capital e riqueza globais.

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A escola Ecológica considera que o crescimento económico, por si só, pode nem sempre conduzir a maior bem-estar social. Eles desenvolveram o conceito de crescimento “não-económico” ou “deseconómico” (“Uneconomic growth” no original) para definir um crescimento económico que provoca a perda de qualidade de vida, ou seja, quando esse crescimento acarreta a perda de serviços de ecossistemas naturais que são mais valiosos do que os benefícios dessa expansão económica.

A proposta avançada pela Economia Ecológica para operacionalizar a sua visão é um misto de regulação e mercado. Sugerem que se definam quotas de consumo de recursos naturais em função dos limites sustentáveis para esse consumo. As autoridades nacionais leiloariam então essas quotas de consumo de recursos aos agentes de mercado que estivessem dispostos a pagar mais por elas. Segundo estes economistas, esta solução permitiria garantir a manutenção da dimensão e intensidade do sistema económico em níveis sustentáveis a longo prazo.

Reflexão sobre o Desenvolvimento Sustentável

Das apresentadas, a visão que predomina hoje por entre a generalidade dos actores económicos e políticos é ainda a da Economia Neoclássica. Dizemos “ainda” porque o valor do Capital Natural não incorporado no mercado e sistema de preços é de facto gigantesco. Um estudo conduzido por especialistas de várias universidades e instituições científicas, liderado por Robert Constanza e publicado em 1997 (um dos mais fidedignos realizados até hoje) estimou, por defeito, o valor monetário dos serviços dos ecossistemas naturais globais no intervalo de 16 a 54 triliões (1012) de dólares americanos por ano, com uma média de 33 triliões de dólares anuais. Para comparação, o Produto Nacional Bruto global registado foi de cerca de 18 triliões de dólares. Os serviços naturais valorizados nesse estudo foram a regulação da atmosfera, regulação do clima, regulação de distúrbios e fenómenos extremos, regulação dos fluxos hidrológicos, armazenamento de água, controlo da erosão e retenção de solos, formação de solos, ciclos de nutrientes, tratamento de resíduos e controlo de poluição, polinização, controlo biológico de populações, habitats, produção de alimentos, matérias-primas, recursos genéticos, recreação e actividades culturais.

A grande maioria deste valor está a ser deixada de fora do sistema e não é reflectida nos preços. Indiferentemente da escola de pensamento com que nos identifiquemos, é inegável que este é um erro de perspectiva fulcral para qualquer abordagem à perseguição do Desenvolvimento Sustentável – e que tem que ser corrigido.

As noções de economia herdadas de Adam Smith datam de um tempo em que os fluxos físicos (matérias-primas e resíduos) da economia eram insignificantes quando comparados com os fluxos naturais, o que justifica que os limites naturais à economia não tenham sido tidos em conta. Nessa altura, o capital financeiro e o trabalho eram escassos e a doutrina económica evoluiu com base neles. Hoje, mais do que esses factores produtivos, as novas escassezes parecem ser ecossistemas naturais vigorosos e ecossistemas sociais robustos. Quer sejamos mais optimistas, fazendo fé na evolução tecnológica, ou mais prudentes, na escala da degradação ambiental que estamos a levar a cabo, será porventura de privilegiar a eficácia em detrimento da eficiência.

Certo é, por definição, que nenhum sistema que esgota os factores – recursos ou processos – dos quais depende para existir, poderá ser sustentável.

Consultor de Sustentabilidade e Responsabilidade Social da Organizações. É fundador e Managing Partner da Big Marble Consulting, empresa especializada em consultoria estratégica nestas áreas de actuação