POR Pe. LINO MAIA
O drama que, entre Junho e Outubro deste ano, ensombrou a consciência de todos de um tom tão negro como negras ficaram as terras e as casas que os incêndios devastaram em tantas zonas do País, agravando a tragédia irremediável dos que morreram pelas chamas e dos que os ficaram a chorar, evidenciou-nos o que já devíamos saber: que vivemos num País injusto e desigual, abandonado das preocupações do Estado em largas extensões de território, em que as famílias, muitas vezes constituídas só por pessoas idosas, ficam entregues aos caprichos da natureza ou à cupidez voraz de redes criminosas de assaltantes.
Ao acompanharmos depois, nos noticiários da televisão, as peregrinações do Presidente da República por essas zonas destruídas e o vermos a consolar os que ficaram vivos – mas que muito, ou tudo, perderam -, o que nos passa diante dos olhos são comunidades escassamente povoadas, são olhares perdidos no vazio ou carregados permanentemente de lágrimas e, ainda em poucos casos, a vontade de um recomeço.
O Presidente da República estabeleceu como prioritária a reforma da floresta e do ordenamento do território, invertendo o que, desde há décadas, têm sido as políticas que conduziram ao despovoamento do interior e à sobreocupação do espaço urbano litoral – determinando um prazo curto para que o Governo desenvolva esse objectivo e propondo-se avaliar a forma de execução desse mandato “com todos os poderes constitucionais”, para vincar bem a prioridade do propósito.
[quote_center]Vivemos num País injusto e desigual, abandonado das preocupações do Estado em largas extensões de território, em que as famílias, muitas vezes constituídas só por pessoas idosas, ficam entregues aos caprichos da natureza[/quote_center]
As instituições de solidariedade – que, no terreno, têm constituído uma rede de apoio e acolhimento das pessoas e famílias desapossadas dos bens e da esperança –, não podem nem vão ficar de fora da realização desse desígnio.
Muitos dos terrenos ardidos são pedaços de monte, em regime de pequena propriedade, onde os matos não são limpos, ou campos que foram de lavoura, que se encontram abandonados e onde cresce a palha. Pertencem a velhos que não têm força para os poder já cultivar – e a despesa com a conservação e a limpeza ou o amanho fica mais cara do que o escasso rendimento com que arredondam as pensões mínimas que normalmente recebem.
Alguns defendem – e o Governo, no início, acompanhado do BE, também propugnava por esse caminho – o desapossamento dos velhos proprietários desses terrenos não cuidados e a sua integração num banco de terras. O Partido Comunista, que, independentemente das nossas avaliações políticas, é reconhecidamente conhecedor da realidade nacional – não a descrita na comunicação social, mas a realidade “real” -, veio em defesa da propriedade privada, defendendo que as medidas não podem passar por soluções hostis a esses proprietários.
As instituições de solidariedade, que, no mundo do interior rural e da raia, já constituem um balcão multipolar de serviços e uma agência de desenvolvimento local, podem ser chamadas a colaborar nesse esforço, oferecendo apoio de enquadramento e retaguarda a quem não possa cuidar das suas terras, promovendo a cooperação entre vizinhos, assegurando o escoamento da produção ou a sua colocação no mercado, viabilizando a criação de emprego, a geração de recursos e a valorização e coesão social do território.
Uma espécie de gestão de negócios de quem já não pode assegurar essas tarefas; mas que não quer deixar de possuir o pequeno património que herdou dos seus maiores.
Presidente da CNIS - Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade