As imagens de destruição e desespero, as longas filas de deslocados e refugiados e os clamores das bombas que vão caindo em território ucraniano têm sido uma constante desde que Vladimir Putin decidiu invadir a Ucrânia. Do alto da sua torre dourada, bem protegido e rodeado de homens que têm pavor de o contrariar, o presidente russo deverá congratular-se com o cenário apocalíptico que se vive em território ucraniano, indiferente à morte e à devastação. Mas, e em simultâneo, o mundo inteiro tem vindo a assistir a um exemplo inesperado de resistência, patriotismo e heroísmo que revela o melhor da humanidade. Zelensky figura já na lista dos grandes líderes da História e, em pouco tempo, transformou-se igualmente numa espécie de “manual” de gestão e liderança
POR HELENA OLIVEIRA

Licenciado em Direito, sem nunca ter exercido. Comediante. Actor. Argumentista. Produtor televisivo. Vencedor do programa “Dancing with the Stars” na Ucrânia. Personagem principal da série “Servant of the People”, na qual interpreta um professor de História do ensino secundário que acaba por ganhar as eleições presidenciais depois de um vídeo a insurgir-se contra a corrupção governamental na Ucrânia se tornar viral. Fundador do partido político com o mesmo nome da série [Servant of the People]. Candidato à presidência da Ucrânia, derrota Petro Poroshenko com 73% dos votos. E enquanto a vida imita a arte, sem experiência alguma na política e com 41 anos, torna-se o 6º presidente da Ucrânia. Hoje tem 44, e numa versão moderna de David contra Golias, resiste às investidas de Vladimir Putin. Pouco mais de um mês decorrido sobre a “operação militar especial” é, entre variadíssimos epítetos, considerado “um Churchill com uma conta nas redes sociais”.

Até ser eleito presidente, Volodymyr Olexandrovytch Zelensky esteve sempre habituado a pisar o palco e a ter os holofotes apontados para si. Mas decerto que nunca imaginou ser o protagonista de um teatro de guerra, no qual interpreta vários papéis em simultâneo, em particular o de um homem do povo e o de um líder cada vez mais carismático que luta ao lado dos seus. Ao 36º dia de conflito, historiadores, políticos e jornalistas são unânimes ao afirmar que o presidente ucraniano ficará na História ao lado de grandes líderes icónicos e inspiradores.

Como afirmava o escritor norte-americano James Lane Allen “não é uma crise que constrói o carácter de um líder, antes o revela” e a verdade é que Volodymyr Zelensky detém o título e o poder de um presidente há já alguns anos, mas foi apenas desde que este conflito teve início que o mundo começou a tomar consciência dos seus atributos como líder.

Propósito, comunicação clara, coragem e autenticidade

Ao contrário do que muitos advogam, a liderança não se traduz em poder, título ou posição. Vladimir Putin tem um vasto poder e toda a parafernália que combina com esse mesmo poder. No entanto, ao sentar-se na sua mesa ridiculamente longa – momento eternizado pelas câmaras na conversa, à distância de seis metros, com Emmanuel Macron, ou rodeado de opulência e dos seus vários “yes-men”, Putin não lidera. Ou seja, o presidente russo é um símbolo de tirania e intimidação, mas não é certamente um líder: embora exija deferência, não ganha respeito. Adicionalmente, Putin é há muito considerado como um homem que esconde a sua insegurança através de uma imagem de bravura que sempre quis transmitir. Demasiado focado no que quer, nunca aceitará a derrota e, ao contrário de Zelensky, não se importa com a perda de vidas, está afastado do campo de batalha, protegido e rodeado de pessoas que têm demasiado medo dele para se oporem aos seus intentos.

Já Zelensky combina dois princípios de liderança simples e nem sempre honrados pelos que se consideram grandes líderes. Como afirma Michael Useem, professor de gestão na Universidade da Pensilvânia e director do Wharton’s Center for Leadership and Change Management, o primeiro é colocar o propósito ou a causa – neste caso, salvar a Ucrânia – no centro de todas as suas acções, com doses elevadas de altruísmo e sem engrandecimento pessoal, com o segundo a assentar no facto de ser um excelente comunicador e excepcionalmente persuasivo. “Profissional” na utilização dos media sociais, o presidente ucraniano não larga o seu telemóvel, o seu principal método de comunicação, filmando-se muita vezes a si mesmo, em vários cenários de guerra, para disseminar globalmente as suas mensagens e o sofrimento que grassa no país a que preside.

Por outro lado, a coragem e autenticidade de Zelensky – dois atributos da verdadeira liderança – são profundamente inspiradores. De acordo com a embaixada da Ucrânia no Reino Unido e a propósito de uma oferta de evacuação dos Estados Unidos para si e para a sua família, dois dias depois do início do conflito com a Rússia, a resposta de Zelensky foi, alegadamente, a de que “a luta está aqui: preciso de munições, não de boleia”. Apesar do “fact checker” do Washington Times não ter confirmado que a frase tenha sido realmente formulada desta forma, a verdade é que se tornou viral ao ponto de constar já em t-shirts vendidas pela Amazon e por vários outros websites. Não esquecer igualmente que existem, alegadamente, centenas de mercenários apoiados pela Rússia em Kiev que procuram assassiná-lo, bem como à sua família.

Também não existe pompa nem circunstância nos briefings de Zelensky em tempo de guerra. Bem pelo contrário. Não há conferências de imprensa formais nem discursos a partir de um teleponto. Em conjunto com a sua família, o presidente enfrenta no geral as mesmas circunstâncias que os cidadãos ucranianos – tentando manter-se a salvo, dormindo quando possível e mantendo-se actualizado sobre as últimas notícias. E isso nota-se até nas profundas olheiras que ostenta em qualquer dos lugares onde se encontra, filmando o que está em seu redor e sempre vestido com as t-shirts verdes e simples do exército.

É também a sua coragem e honestidade que inspira os demais. A título de exemplo, e como noticia a Bloomberg, ao mesmo tempo que o número de deslocados e refugiados que tentam salvar as suas vidas ou o que delas resta ronda os 10 milhões, cerca de 80 mil ucranianos residentes fora do território fizeram o caminho inverso, pegando em armas para defender o seu país ou simplesmente apoiando como e onde podem. Ou seja, ajuda e muito ter um presidente que lidera este esforço comum e que amplifica, em simultâneo, a sua mensagem.

Paralelamente, e para além de inspirar os seus concidadãos, a mensagem e dedicação de Zelensky tem também tido um eco abrangente e “para além” do seu próprio povo, assente num conjunto de apoiantes que inclui cidadãos privados, governos, organizações sem fins lucrativos e empresas um pouco por todo o mundo. Desta forma e enquanto líder carismático, conseguiu mobilizar a capacidade de resistência do seu povo, o potencial de apoio firme e significativo de outras nações, ao mesmo tempo que parece ter relembrado ao mundo que, e independentemente dos custos, existem ainda alguns princípios e ideais pelos quais vale a pena lutar.

Liderança baseada em valores e no exemplo

Como anteriormente já mencionado, a ideia que Zelensky ficará nos anais da História partilhando um lugar com outros líderes carismáticos – como Martin Luther King, Mahatma Gandhi ou, num exemplo mais actual, como a primeira-ministra da Nova Zelândia Jacinta Arden, que geriu de forma exemplar a pandemia no seu país -, poder parecer exagerada, a verdade é que reforça também o rol de qualidades que se exige a um bom líder. Por exemplo e como afirma o professor de gestão Michael Useem, ao ver Zelenskyy receber uma ovação de pé depois de se dirigir ao Congresso dos EUA a partir do seu bunker presidencial a 16 de Março último, “não pude deixar de o comparar a Franklin D. Roosevelt e ao seu discurso após o bombardeamento de Pearl Harbor ou a Winston Churchill quando falou para a Câmara dos Comuns no Parlamento do Reino Unido em 1940”.

Uma outra característica que é apontada a Zelensky – e que muitos mas não suficientes CEOs demonstram também – é o facto de “liderar com o coração”. Como afirma Laryssa Topolnytsky, Partner da Heidrick & Struggles e especializada em sucessão de CEOs, os melhores executivos de topo sabem equilibrar a liderança de ‘cabeça e coração’, ou seja, apoiando-se num misto de pensamento estratégico e resolução de problema em conjunto com demonstrações de humildade.

“Quando penso nos meus clientes que são CEOs, e os melhores dos melhores, consigo identificar facilmente estas duas facetas “, afirma Topolnytsky, que é originalmente da Ucrânia. “A ‘peça’ do coração é a que mais tem sido esquecida e, no entanto, aqueles que a sabem utilizar da melhor forma, são exponencialmente mais eficazes” acrescenta ainda. E tal como Zelensky, essas são as pessoas que conseguem alternar entre “ser líder e guia dos demais” – a tão falada liderança pelo exemplo – e serem igualmente o farol que ilumina um sentimento de calma e esperança, com muita humildade e sem arrogância.

Por seu turno, Harry Kraemer, professor de liderança na Kellogg, antigo CEO da Baxter International e autor de vários livros sobre o tema da liderança baseada em valores, declara com confiança que o presidente ucraniano preenche os quatro requisitos principais forma de liderar.

Como elenca, e em termos de auto-reflexão, é um homem ponderado que tem a plena noção dos vários aspectos do enorme desafio que enfrenta, conhece-se bem a si próprio, bem como o papel que precisa de desempenhar enquanto líder. Por outro lado, diz Kraemer, é dono de uma perspectiva forte e equilibrada no que respeita a lidar com uma crise, sabendo, em simultâneo, que precisa de a manter em perspectiva para que os seus cidadãos não percam a esperança. O facto de não ter abandonado o país mas, e pelo contrário, se manter na linha da frente do conflito ao mesmo tempo que as bombas caem à sua volta, é demonstrativo desse mesmo equilíbrio. Além disso, e apesar de agradecer o que a NATO, a União Europeia e os Estados Unidos estão a fazer para ajudar o seu país cada vez mais destruído, com a sua reconhecida eloquência faz também saber que muito mais precisa de ser feito. Zelensky demonstra igualmente uma enorme autoconfiança. Sabendo o papel que precisa de desempenhar, é tão directo quando comunica com o seu adversário como quando tem de falar com os altos representantes da Europa e dos Estados Unidos. E, embora goze de uma personalidade forte, é humilde o suficiente para saber que é impossível enfrentar o invasor sem ajuda externa.

Para além destes quatro princípios, e tal como já foi enunciado, o agora herói ucraniano é um comunicador muito eficaz, sendo muito bom a descrever o que está a acontecer e o que, como presidente da nação, precisa de fazer para ser bem-sucedido no futuro. De acordo com o professor especialista em liderança, existem três passos chave para uma comunicação eficaz durante uma crise: “diz-se às pessoas o que se sabe, diz-se às pessoas o que não se sabe, e actualiza-se constantemente as pessoas sobre o que não se sabia à medida que informações novas e de confiança vão surgindo”. Este comportamento demonstra uma grande combinação de força e vulnerabilidade, algo que Zelensky tem feito na perfeição: para além de expor continuamente o que realmente está a acontecer, não deixa de passar a mensagem de que há muito que não se sabe também, como por exemplo quanto tempo as forças ucranianas poderão aguentar as investidas bélicas do país agressor.

Adam Grant, psicólogo organizacional, reconhecido como um dos 10 pensadores de gestão mais influentes do mundo e autor de vários best-sellers sobre a busca de motivação e significado nas nossas vidas, refere que a capacidade de compreender e encarnar os valores da sua equipa é algo que os líderes quotidianos podem aprender com Zelensky. “O carisma atrai a atenção. A coragem conquista a admiração. Mas o compromisso com um grupo é o que inspira a lealdade. Seguimos os líderes que lutam por nós – e fazemos sacrifícios pelos líderes que nos servem”, escreve.

E assim tem feito Zelensky.

Editora Executiva