Um pouco por toda a Europa, fazem-se sentir os protestos dos agricultores. Em Portugal também. São mais um grupo profissional, mais um setor económico a fazer-se ouvir, depois dos professores, dos médicos, dos polícias, e de tantos outros menos mediáticos, chegou a vez dos agricultores. O que nos indicam estes novos movimentos de protesto?
POR MARIA DE FÁTIMA CARIOCA

Em primeiro lugar, indicam a existência de uma realidade económica e social que, num dado momento, se torna insustentável. Como um vulcão que entra em atividade, todas estas manifestações são movimentos muito espontâneos, adquirindo demasiadas vezes aspetos bastante desagradáveis, incontroláveis e mesmo violentos. São normalmente antecedidos por uma frustrante falência do diálogo entre os órgãos de governo e as organizações representantes do setor. Tal frustração leva a que, genericamente, os profissionais se sintam abandonados e maltratados, sobretudo sintam que não são ouvidos, nem respeitados. A presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, dizia, há pouco dias, numa conferência de imprensa, dirigindo-se aos agricultores em protesto: “Estamos a ver-vos, estamos a ouvir-vos.” E nesse momento, porque eram muitos e as vozes se faziam realmente ouvir, não houve dúvidas de que falava verdade…

Em segundo lugar, muito relacionado com o anterior, no caso dos agricultores, verifica-se uma disfunção entre o Parlamento Europeu e o Ministério da Agricultura e a realidade do dia a dia vivida no terreno. É muito fácil estabelecer regras, mas o importante é que se consigam aplicar. É muito fácil estabelecer medidas, mas o importante é que se cumpram. Caso contrário, são apenas catalisadoras de tensões muitas delas sem uma solução linear. As medidas e políticas são boas não porque a intenção com que foram criadas é boa, mas porque são veículos para obter bons resultados. Daí a importância de que, neste caso, as políticas europeias e as medidas nacionais tenham em atenção a sensibilidade e os problemas com que se confrontam os vários setores da população a que se dirigem. E bons resultados podem ser muitos e diversos, mas têm sempre de, em última análise, tender a manter o consenso e a sã convivência social, a servir os cidadãos.

As políticas ambientais de combate às alterações climáticas propostas pelo Parlamento Europeu são um bom objetivo em si mesmo. Contudo, ao serem acompanhadas da diminuição da produção na Europa e de um correspondente aumento de produtos de diferentes origens não produzidos de acordo com as regras ambientais e da segurança alimentar, tornam-se incompreensíveis e mesmo inviáveis. Hoje, genericamente, o setor agroalimentar é um setor moderno, muito tecnológico e muito virado para o mercado. Os consumidores são cada vez mais exigentes e mais informados, procurando uma alimentação mais saudável e equilibrada. E nesse sentido, mesmo em tempos mais desafiantes como durante a pandemia, o setor respondeu notavelmente, permitindo que todos tivéssemos acesso a produtos de qualidade, com segurança alimentar e a preços acessíveis. Claro que a par da dinâmica, iniciativa e ambição de muitos agricultores, a Política Agrícola Europeia tem sido uma peça fundamental para a evolução do setor. E é mesmo bom que assim se mantenha: uma força motriz impulsionadora do crescimento do setor e não uma força inibidora da evolução desejável e sustentável do setor agroalimentar.

Por último, a velocidade com que se pretende fazer a mudança em tudo o que tem a ver com as questões ambientais na agricultura, embora compreensível, parece ser excessiva. Qualquer executivo que lidere um processo de gestão da mudança sabe que um dos principais fatores de sucesso é encontrar o ritmo adequado. Algumas mudanças parecem ser simples e rápidas. Pode decidir-se uma redução orçamental, restruturar a empresa, formar uma aliança estratégica e tudo isso num ápice. Mas não necessariamente dão, de imediato, origem à criação de valor que se espera com tal decisão. As decisões são importantes para a rapidez da mudança, mas tudo o resto, todo o caminho até que se convertam em criação de valor de forma sustentada, leva tempo. Um processo que quem semeia conhece bem!

O que poderia então ajudar a solucionar este desafio que, nitidamente, é um desafio político, ou seja, um desafio que exige soluções de compromisso?

Em primeiro lugar, promover a cooperação entre as empresas do setor. A junção de esforços e a colaboração entre empresas traz sempre resultados positivos. E, num país com uma dimensão pequena, pouca disponibilidade de terra, e em que a média das explorações agrícolas não chega aos 14 hectares, a cooperação entre empresas é uma necessidade. Os países que perceberam, desde logo, as vantagens do poder de colaboração conseguiram aumentar o seu poder negocial, remunerar melhor a produção e criar estruturas fortes que respondem às necessidades das empresas e dos consumidores. Só como exemplo, no setor das frutas e legumes, um dos mais dinâmicos e inovadores no agroalimentar, o volume de negócios que passa por organizações de produtores é de apenas 20% em Portugal. A média europeia está nos 50% e na Bélgica ultrapassa os 90%.

Em segundo lugar, dar prioridade à formação contínua ao longo da vida tem especial relevância no setor agroalimentar. Programas como por exemplo o GAIN – Direção de Empresas da Cadeia Agroalimentar, da AESE Business School são instrumentos de capacitação fundamentais para enfrentar os desafios da transformação do setor e da gestão num mercado global.

Em terceiro lugar, escutar os agricultores e envolvê-los na cocriação de um plano estratégico que integre programas mais ambiciosos (ex. rede nacional da água) e menos burocráticos. Escutar, o que se ouve e sobretudo o que não se ouve, é uma grande virtude imprescindível para qualquer governante.

Uma das parábolas de liderança de W. Chan Kim e Renée Mauborgne termina com a seguinte reflexão: “Ouvir o que não se ouve é uma disciplina necessária para ser um bom governante. Porque só quando um governante aprende a escutar atentamente o coração das pessoas, ouvindo os seus sentimentos não comunicados, as suas dores não expressas e as suas queixas não ditas, é que pode esperar inspirar confiança no seu povo, perceber quando algo está errado e satisfazer as verdadeiras necessidades dos seus cidadãos. O fim dos Estados acontece quando os líderes ouvem apenas palavras superficiais e não penetram profundamente na alma do povo para ouvir as suas verdadeiras opiniões, sentimentos e desejos.”

Em breve teremos eleições nacionais e, em junho, eleições europeias, falemos então bem alto com o nosso voto e que os futuros governantes o saibam escutar!

Artigo originalmente publicado no Jornal de Negócios . Republicado com permissão.

Professora de Factor Humano na Organização e Dean da AESE Business School