“Temos de mudar a cultura empresarial em Portugal” é o mote para o novo ciclo de conferências do programa “Compromisso Pagamentos Pontuais” liderado pela ACEGE, em conjunto com entidades parceiras de peso. Num périplo que incluirá cinco cidades do país, serão discutidas várias temáticas relacionadas com os efeitos nefastos do incumprimento dos prazos de pagamento a fornecedores, apresentados os números mais recentes dos atrasos que colocam toda e economia em risco e debatidas as alterações propostas por Bruxelas da actual  Diretiva 17/2011 –  a qual propõe como medida principal a redução do prazo de pagamento nas transações entre as empresas privadas e entre estas e as empresas públicas de 60 para 30 dias –  e que são particularmente analisadas neste artigo
POR HELENA OLIVEIRA

Tendo como parceiros a CIP, a Apifarma, o IAPMEI, a Ordem dos Contabilistas Certificados, a Informa DB e o Santander, o programa bandeira da ACEGE – Compromisso Pagamento Pontual (CPP) – remonta ao ano de 2011 e continua o seu difícil mas firme caminho, apelando continuamente a que mais empresas adiram ao mesmo, cumprindo atempadamente os prazos de pagamento a fornecedores.

Desta forma, a ACEGE dá início, a 20 de Junho, a um novo ciclo de conferências sob o mote “Temos de Mudar a Cultura Empresarial na Economia Portuguesa“. Num tour que passará por Torres Vedras, Viseu, Coimbra, Braga e que terminará em Lisboa a 15 de Setembro próximo, estas sessões públicas contarão com a presença de entidades locais, intervenções dos responsáveis pelo Programa e comuma palestra subordinada ao tema “A Realidade e o Impacto dos Pagamentos” a cargo da Informa DB. As sessões terminarão com a entrega dos diplomas às entidades aderentes ao Programa CPP em 2024, as quais integram agora um universo de 2500 empresas e autarquias “cumpridoras” dos seus prazos de pagamento a fornecedores. Cada sessão será encerrada pelos presidentes da Câmara das cidades que acolherão o ciclo de conferências.

Um dos temas a ser debatido é a proposta de alteração da Directiva 17/2011, a qual propõe como medida principal a redução do prazo de pagamento nas transações entre as empresas privadas e entre estas e as empresas públicas de 60 para 30 dias (sem prejuízo das partes poderem acordar um prazo superior se tal não constituir um manifesto abuso da parte do credor). Todavia, outras alterações estão ainda em análise (e em “rascunho”) pela Comissão Europeia, esperando-se que a proposta de revisão possa ver a luz do dia apenas no início de 2025, altura em que a Polónia (um dos países mais envolvidos nestas alterações) assumirá a presidência da UE. De sublinhar que, na UE, 50% das facturas são pagas com atraso.

O texto que se segue procura explicitar as principais mudanças em curso, ao mesmo tempo que oferece a visão da Confederação Empresarial de Portugal, a qual e numa tomada de posição, se mostra apreensiva relativamente a algumas das alterações em discussão.

Directiva 2011/17: principais propostas de alteração

A Directiva 2011/17 relativa ao combate aos atrasos de pagamento foi adoptada há mais de uma década com o objetivo de acelerar o pagamento de facturas em transações entre empresas e, assim, proteger especialmente as pequenas e médias empresas (PME) de situações em que esperar demasiado tempo por o pagamento de uma factura poderá impactar negativamente o seu fluxo de caixa. De acordo com as regras actuais, as empresas devem pagar as facturas no prazo máximo de 60 dias, salvo acordo expresso em contrário no contrato e desde que os termos não sejam manifestamente injustos para o credor. As autoridades públicas devem pagar pelos bens e serviços que adquirem no prazo de 30 dias, com certas exceções, nomeadamente para devedores públicos do sector da saúde (por exemplo, hospitais públicos), onde pode ser aplicado um prazo de 60 dias. Os credores que tenham cumprido as suas obrigações legais e contratuais e que não tenham sido pagos nos prazos fixados, têm direito a juros e indemnização pelo atraso no pagamento.

No passado dia 12 de setembro de 2023, em Estrasburgo, a Comissão Europeia apresentou uma proposta de adopção de novas regras destinadas a resolver o problema dos atrasos de pagamento nas transações comerciais na Europa. Como já mencionado, os atrasos de pagamento têm um impacto significativo nas pequenas e médias empresas – por exemplo, de acordo com as estatísticas disponíveis, uma em cada quatro falências é causada por facturas que não foram pagas atempadamente. As consequências destes atrasos de pagamento são inúmeras, razão pela qual a Comissão está a apresentar um novo regulamento para mudar a situação actual e apoiar as empresas europeias.

A Comissão decidiu rever a actual Directiva relativa aos atrasos de pagamento porque o actual quadro jurídico da UE para combater os atrasos de pagamento revelou-se inadequado. Os estudos analíticos realizados desde 2015 e os pareceres do Parlamento Europeu em 2019 apontaram para várias deficiências importantes, incluindo a falta de medidas preventivas e de aplicação eficaz. O novo projeto de regulamento visa colmatar estas deficiências e assegurar uma luta mais eficaz contra os atrasos de pagamento. Além disso, é directamente vinculativo em todos os Estados-Membros e não é necessária qualquer acção nacional para a sua implementação.

No geral, a proposta de revisão da directiva da União Europeia sobre atrasos de pagamentos, apresentada pela Comissão Europeia, visa abordar vários problemas enfrentados pelas pequenas e médias empresas (PMEs) devido a pagamentos tardios. As principais alterações incluem:

Redução do Prazo de Pagamento: A proposta sugere a redução do prazo máximo de pagamento para as transações comerciais entre empresas e entidades públicas para 30 dias. Atualmente, esse prazo pode ser estendido até 60 dias sob certas condições​​.

Eliminação de Cláusulas Abusivas: A revisão propõe eliminar cláusulas contratuais abusivas que possam prolongar o período de pagamento além dos 30 dias estabelecidos, com o objectivo de tentar proteger principalmente as PME, que muitas vezes são forçadas a aceitar prazos de pagamento mais longos impostos por empresas de maior dimensão.

Aplicação de Juros de Mora: A proposta introduz medidas mais rígidas para a aplicação de juros de mora automáticos em casos de atraso nos pagamentos. Tal visa incentivar os devedores a cumprirem os prazos de pagamento e garantir uma compensação justa para os credores.

Transparência e Monitorização: A revisão também enfatiza a necessidade de maior transparência e monitorização dos prazos de pagamento. Os Estados-membros serão obrigados a recolher e relatar dados sobre os prazos de pagamento praticados, facilitando o acompanhamento e a aplicação das novas regras​

Essas mudanças têm como objetivo melhorar a liquidez das PME, reduzir as falências causadas por atrasos nos pagamentos e fortalecer a economia da UE ao garantir um fluxo de caixa mais previsível e estável para as empresas.

O que pretende Bruxelas

De acordo com a eurodeputada da Renew Europe, Róża Thun (Polónia), relatora do Parlamento Europeu sobre o Regulamento dos Atrasos de Pagamento, “os atrasos nos pagamentos são, juntamente com os encargos administrativos e o acesso ao financiamento, as principais preocupações das PME e das microempresas, que representam 98% das empresas em toda a UE. Fluxos de caixa não fiáveis ​​podem tornar as PME financeiramente vulneráveis ​​e restringir a sua capacidade de crescimento, afectando a sua resiliência e capacidade de inovação e comprometendo assim a competitividade da União.

Para a relatora, este [novo] regulamento é benéfico para todos, uma vez que dá resposta à exigência histórica das empresas de combater os atrasos de pagamento, tanto entre empresas como entre as empresas e o sector público, proporcionando a adaptabilidade e a flexibilidade necessárias em sectores específicos. A seu ver, “este regulamento oferece às nossas pequenas empresas um escudo contra as práticas das grandes empresas que atrasam os pagamentos, pondo em risco a própria sobrevivência das nossas PME. Proporciona, portanto, a tão necessária previsibilidade a milhões de pequenas empresas europeias e constitui um grande impulso no sentido de uma melhor cultura de pagamentos, a fim de fechar um círculo vicioso que é muito prejudicial para a economia europeia como um todo”.

Uma alteração importante proposta é o facto de os credores que tenham cumprido as suas obrigações legais e contratuais e que não tenham sido pagos nos prazos fixados, terem direito a juros e indemnização pelo atraso no pagamento. A directiva especifica que os juros de mora devem ser pelo menos oito pontos percentuais acima da taxa de referência do Banco Central Europeu (BCE). A legislação aprovada estabelece regras claras para o sector público, não deixando margem para interpretação relativamente aos prazos de pagamento de 30 dias para as autoridades públicas, que são um dos piores pagadores.

Por outro lado, a revisão da directiva em causa insta também os Estados-membros a garantirem maior transparência e independência das autoridades de execução, a fim de melhorar as práticas de pagamento dos organismos públicos às empresas.

Entre empresas, o pagamento das facturas também deverá ser efectuado no prazo máximo de 30 dias a contar da recepção da factura. No entanto, está prevista alguma flexibilidade (até 60 dias de calendário), caso as partes assim o acordem.

Além disso, o texto, adoptado, ainda em rascunho, inclui um prazo de pagamento até 120 dias para categorias específicas de produtos que, devido à natureza do sector, exigem períodos de pagamento e facturação um pouco mais longos (nomeadamente “produtos sazonais” e “mercadorias de baixa circulação”). Dado que é necessário proteger os intervenientes mais vulneráveis ​​no mercado, o acordo também introduz mais flexibilidade para as microempresas, permitindo-lhes mais um ano para se adaptarem ao novo quadro do período de pagamento após a entrada em vigor da legislação.

Uma outra proposta que consta na revisão da directiva em causa é a melhoria da aplicação das regras. Os Estados-membros serão obrigados a criar organismos de execução para monitorizar e fazer cumprir as regras. Estas autoridades terão o poder de receber reclamações, iniciar investigações e impor sanções contra os pagadores incumpridores, o que deverá aumentar a eficiência da execução dos pagamentos.

Globalmente, o novo regulamento proposto pela Comissão sobre atrasos de pagamento tem objectivos ambiciosos: melhorar o comportamento de pagamento, apoiar as PME e aumentar a eficiência das transacções comerciais em toda a União Europeia. Uma vez adoptadas, as novas regras serão aplicáveis ​​um ano após a entrada em vigor do regulamento, para dar aos Estados-membros e às empresas tempo suficiente para se adaptarem à nova regulação.

Por último e a fim de proteger as empresas, especialmente as PME, contra os maus pagadores e garantir o recebimento atempado dos pagamentos para evitar perturbações nos fluxos de caixa, o texto adoptado estabelece um pagamento automático de juros acumulados e taxas de compensação por atrasos de pagamento. Os eurodeputados concordaram que o devedor deverá pagar entre 50 e 150 euros por cada transação (dependendo do valor) para compensar os custos de recuperação do próprio credor. A proposta introduz novas medidas de execução, reparação e sensibilização e incentiva também a utilização de ferramentas eletrónicas para ajudar a reduzir os atrasos e a formação em literacia financeira para as PME. Uma vez por ano, as autoridades adjudicantes (por exemplo, entidades governamentais) terão de apresentar à autoridade nacional de execução relatórios acessíveis ao público sobre as suas práticas de pagamento. Seria também criado um Observatório Europeu dos Atrasos de Pagamento para monitorizar, recolher e partilhar dados sobre atrasos de pagamento e potenciais práticas prejudiciais.

Portugal – nomeadamente a CIP – mostra-se apreensivo com alterações na directiva

Em Portugal e apesar do prazo de pagamentos a horas constituir um sério problema, nem todos estão de acordo com as novas exigências contidas na proposta de revisão da directiva em causa. Como apurou o jornal Público, “a iniciativa esbarra contra a oposição de vários Estados-membros, em que se inclui a Alemanha, a França e Portugal, enquanto outros, mas em menor número, a receberam com algum entusiasmo, como Espanha e Polónia”

A Confederação Empresarial de Portugal (CIP), por exemplo, manifestou alguma apreensão com a diminuição dos prazos de pagamento propostos por Bruxelas.

A CIP, que renovou a iniciativa “Compromisso Pontual” [e da qual é parceira] em Janeiro deste ano, para promover os pagamentos a horas em Portugal, aguardava as propostas que a Comissão Europeia apresentou, no dia 12 de setembro, e que visam, de acordo com o texto ainda “em rascunho), colmatar os problemas da presente Diretiva europeia (2011/7/UE) sobre atrasos de pagamento, nomeadamente ao nível da falta de medidas preventivas e dos insuficientes mecanismos de aplicação e de recurso.

Como se pode ler numa nota publicada no seu site e mesmo tendo em conta que o problema de atrasos nos pagamentos é particularmente dramático ao nível dos pagamentos do Estado, mas também de business-to-business (B2B), na medida em que provoca “estrangulamentos consideráveis nas empresas, “a nova proposta de Regulamento da Comissão Europeia suscita-nos grandes preocupações, nomeadamente quando impõe um limite máximo de 30 dias para pagamento nas transações comerciais, suprimindo totalmente a cláusula de “liberdade contratual” entre empresas”.

De acordo com a sua tomada de posição e defendendo que “uma cultura de pronto pagamento é fundamental e prazos de pagamento mais curtos nas transações business-to-business (B2B),  podendo aumentar a liquidez das pequenas e médias empresas (PME) e que são necessárias ações destinadas a reduzir os atrasos de pagamento e a má conduta em todas as transações comerciais, no entanto, para a CIP o projeto de Regulamento da Comissão Europeia está mais centrado na limitação dos prazos de pagamento do que na fiscalização e resolução do problema de atrasos de pagamento”.

Para a CIP, a liberdade contratual é crucial para permitir a necessária flexibilidade de modo a ter em conta as circunstâncias específicas das empresas e dos negócios”. Como alerta também, “se for aplicada, esta proposta poderá ter um impacto negativo na competitividade das PME, uma vez que os prazos de pagamento são um dos vários parâmetros de negociação em que as empresas competem, para além, por exemplo, do preço e das condições de entrega”.

Adicionalmente, a Confederação Empresarial de Portugal, afirma ainda que “ao tirar conclusões a partir dos dados recolhidos, deve também ser feita uma distinção entre atrasos de pagamento e as negociações sobre as condições de pagamento, sendo o primeiro uma infração do contrato, e o segundo um período acordado pelas partes em que será efetuado um pagamento que pode ser longo”, Referindo que, neste último caso, não se trata de um atraso de pagamento, a CIP afirma igualmente que “a confusão entre estes conceitos não tem em conta os benefícios das negociações entre as partes, que partilham um interesse mútuo na sua relação comercial”.

Editora Executiva

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