O ano de 2022 não deixará saudades e as previsões para 2023 convidam mais ao pessimismo do que ao optimismo. As razões são várias e todos, uns bem mais do que outros, estão ainda a sentir na pele as réplicas da pandemia, apesar de abafadas pelo terramoto provocado pela guerra na Ucrânia e com consequências negativas e preocupantes para a economia e para o ambiente geopolítico. Mas num mundo onde reinam as incógnitas, há que ter vontade e coragem para agir em busca de uma nova esperança. Seguem-se algumas tendências às quais o ambiente empresarial deverá prestar atenção redobrada. Bem como todos nós
POR HELENA OLIVEIRA

De acordo com a Forrester, que publicou na passada semana as tendências na Europa para o mundo dos negócios em 2023, as empresas terão, mais do que nunca, de olhar atentamente para a sua missão, valores, forças e fraquezas caso queiram sobreviver ou prosperar num território que continuará a ser desconhecido devido às diferentes dinâmicas do mercado, ao mesmo tempo que não poderão deixar em stand by a sua visão de longo prazo. Esta dupla necessidade não será fácil para um ano que se afigura difícil. 

Complementarmente e mais uma vez, a confiança será determinante em 2023. Os clientes estão cada vez mais cansados de organizações que fazem o que querem com os seus dados pessoais e, em vários países, os empregados estão revoltados com a invasão da sua privacidade por parte dos seus empregadores. Estima-se igualmente que greenwashing irá continuar, bem como a desinformação.  

À primeira vista e salvo alguns eventos que surpreenderam o mundo, de que é exemplo a guerra na Ucrânia e as atrocidades brutais contra os seus cidadãos, a subida da inflação, o maior número de pobres, entre outras, 2023 afigura-se como um ano semelhante ou ainda mais complexo comparativamente a 2022. 

O que nos vai trazer não sabemos, mas o VER consultou várias fontes que poderão ajudar os negócios a manterem-se o mais saudáveis possível num ambiente pleno de dificuldades e incógnitas.

O mundo parece estar em transição para uma nova era

Comecemos por sintetizar um longo paper publicado pelo McKinsey Global Institute, o qual nos dá uma visão geral do que foram estes últimos dois anos e meio e que sublinha que não estamos a viver apenas a progressão de mais um ciclo de negócios. A combinação perturbante de uma pandemia global agravada pela escassez de energia, inflação em ascensão, a par de tensões geopolíticas em ebulição obriga as pessoas a questionarem-se sobre que certezas restam. 

Naturalmente não é a primeira vez que tal acontece. Tal como afirma o Global Institute da McKinsey, “terramotos” similares já tiveram lugar em várias épocas e cada um deles deu origem a uma nova era. Assim, não é de estranhar que o mesmo poderá estar a acontecer nos tempos que correm.

É também possível que estejamos a exagerar este “tremor de terra” e as suas réplicas. Contudo, os autores do paper da McKinsey alertam que, desta vez,o mesmo tem contornos diferentes face aos passados. Por exemplo, comparativamente à crise asiática de 1997, à queda das empresas “dotcom” no início dos anos 2000 e, é claro, face à crise financeira global em 2008. Mas a maioria destes eventos foram em grande parte contidos numa região ou sector específicos, sendo que hoje enfrentamos eventos negativos  globalizados num contexto geopolítico em mutação e ao qual precisamos de estar continuamente alerta e com capacidade para a difícil adaptação a estes novos tempos. 

Mais ainda, afirmam igualmente os autores deste estudo, os terramotos da actualidade abateram-se sobre o mundo como más e inesperadas surpresas, abalando-o após um era relativamente calma de 30 anos. Adicionalmente, as nossas vidas profissionais e até ao primeiro tremor de terra provocado pela pandemia, desenrolavam-se num ambiente claro e consistente, sem grandes mudanças e no qual nos habituámos a incorporar muitas suposições e crenças implícitas sobre a forma como o mundo funcionava e que estão hoje a provocar desafios jamais vistos. 

Nesta nova ordem mundial vaticinada pela McKinsey destaca-se a tendência crescente para a multipolaridade, a qual poderá implicar uma realinhamento regional e ideologicamente diferente para grupos distintos. E esta tendência muito provável obriga-nos a questionar de imediato o que poderá vir a ser um mundo multipolar na prática; continuará a economia a ser global por natureza? Encontraremos novos mecanismos viáveis para além da economia? 

Para os autores do estudo e além destas perguntas, anos de relativa moderação na política internacional parecem estar a dar lugar a uma maior polarização política entre blocos. Com que eficácia as instituições e a liderança global e local se adaptarão e moldarão a esta ordem mundial diferente? E com que eficácia as instituições e a liderança global e local se moldarão e adaptarão e a esta ordem mundial diferente? 

Sem resposta ainda, há que esperar para ver, se bem que acompanhados por uma enorme ansiedade generalizada. 

O ambiente empresarial no Velho Continente

  • O trabalho a partir de “qualquer lado” manter-se-á para atrair e reter talento e poupar custos

De acordo com o Workforce Survey  publicado em 2022 pela Forrester e para a Europa, não existirá uma tendência homogénea que definirá o futuro do trabalho, mas sim várias. O local de trabalho europeu permanece heterogéneo, sendo quase certo que assim continuará com diferenças significativas nos desempenhos económicos e níveis de emprego. 

O relatório revelou que dois terços dos adultos europeus que se encontram em trabalho remoto esperam ser autorizados a trabalhar mais frequentemente a partir de casa com os empregadores que tentam forçá-los a voltar aos escritórios a poderem contar com muitos atritos e reclamações caso tal não aconteça. A título de exemplo, algumas empresas industriais alemãs já estão a experimentar semanas de trabalho de quatro dias para atrair trabalhadores para posições qualificadas, e é expectável que outras empresas em toda a Europa sigam o mesmo exemplo [como é sabido, Portugal irá igualmente avançar com um projecto-piloto desta natureza].

Adicionalmente, as organizações terão de aperfeiçoar a governação do trabalho em qualquer lugar para aderir a regulamentos em mudança, com 17 países europeus a debater ou já a implementar o direito ao trabalho a partir de casa. E com o aumento dos preços da energia, mesmo os empregadores relutantes deverão aproveitar a oportunidade para reduzir os custos de aquecimento e arrefecimento dos espaços de escritórios, bem como outras despesas associadas.  

  • Governos terão de criar mais confiança para os seus cidadãos

Com os cofres mais esvaziados após dois anos de apoio financeiro extra devido ao surto pandémico, os governos europeus terão – ou deverão – de lutar com todas as suas armas para ajudar os seus cidadãos num Inverno com custos de energia exorbitantes, o aumento dos preços nos bens essenciais e com taxas de juro a subir – sendo que parece certo que alguns deles transferirão essa responsabilidade para as empresas. 

Como resultado e como sublinhado também pela Forrester, caso não o façam, a imprescindível confiança dos consumidores no governo em toda a Europa diminuirá significativamente e estima-se igualmente que, no final de 2023, apenas um em cada cinco cidadãos europeus continuará a confiar no seu governo. À medida que essa confiança diminui, as empresas europeias terão uma oportunidade para preencher esse vazio [de confiança]. Para tal, devem avaliar quais as alavancas de confiança mais importantes para os seus clientes, identificar lacunas, e construir uma estratégia que os ajude a ganhar e a salvaguardar a confiança dos seus clientes.

  • A busca pelo talento continuará

Ao longo de 2022, fomos assistindo a grandes movimentos de pessoas talentosas que simplesmente foram abandonando as empresas em que trabalhavam, optando por outras que lhes ofereciam as “inovações” que resultaram da pandemia. Como afirma a Forbes, e a generalidade dos meios e observadores, os trabalhadores ao longo da crise pandémica começaram a reavaliar o impacto do trabalho nas suas vidas e o que gostariam de obter para conseguirem uma conciliação adequada. Como o VER tem vindo a escrever, esta reavaliação –que tem vindo a provocar fracturas entre chefias e empregados – tem vindo a colocar uma enorme pressão nos empregadores, obrigando-os – nos casos em que queiram assegurar a retenção dos seus talentos – a afiançar carreiras atractivas, bem como a flexibilidade do trabalho híbrido, a par de um ambiente motivador e com uma cultura organizacional partilhada por todos. Ou, em suma, oferecer às pessoas oportunidades contínuas de crescer e aprender, apostar na flexibilidade, em conjunto com locais de trabalho diversos e orientados para os valores e propósito, serão acções essenciais em 2023.

  • Implicações da tecnologia no ambiente laboral e a escassez de talentos

Adicionalmente, a transformação digital acelerada levará, de forma crescente, a uma maior automatização das funções laborais, a qual terá impacto em muitos postos de trabalho. Os humanos irão partilhar cada vez mais o seu trabalho com máquinas e robots, o que terá enormes implicações para as competências e talentos que as empresas exigem no futuro. Esta realidade inultrapassável significará uma maior formação e requalificação de enormes quantidades de pessoas nas empresas, bem como o recrutamento de novos talentos que possuam as competências necessárias para o trabalho do futuro. 

Por um lado, as empresas terão de lidar com o vasto fosso de competências que existe em áreas como a ciência de dados, a Inteligência Artificial (IA) e a outras áreas ligadas à tecnologia, assegurando que estão a criar uma força de trabalho especializada nas inovações tecnológicas, cruciais para o seu sucesso no futuro. E, por outro, à medida que as tarefas desempenhadas por humanos passarem a ser complementadas e até substituídas pelas novas tecnologias, as empresas terão de reorientar o seu pessoal com as competências necessárias para trabalhar ao lado de máquinas inteligentes e para desenvolver ainda mais as competências humanas únicas que, pelo menos por agora, não podem ser automatizadas. Desta forma, e no ano de 2023, as organizações deverão apostar cada vez mais em competências como a criatividade, o pensamento crítico, a comunicação interpessoal, a liderança e a aplicação de qualidades “humanas” como o cuidado com as suas pessoas.

Ainda na área da tecnologia, 2023 será um ano de continuação de inovações e desenvolvimentos em tecnologias transformadoras como a inteligência artificial (IA), a Internet das coisas (IoT), a realidade virtual e aumentada (VR/AR), a computação em nuvem, a tecnologia de blockchain, bem como a ultra-rápida tecnologia 5G. Além disso, estas tecnologias digitais transformacionais não funcionam isoladamente umas das outras e, de forma crescente, assistiremos a um esbatimento das fronteiras entre elas. Novas soluções e aplicações de trabalho “aumentado” [augmented work], trabalho híbrido e remoto, tomada de decisões empresariais, e automatização de tarefas manuais, rotineiras e criativas deverão coexistir com esta panóplia de tecnologias para melhorar o desempenho umas das outras. De acordo com as estimativas da Forbes, tal permitirá uma aproximação crescente da criação de “empresas inteligentes” nas quais os sistemas e processos se apoiam uns aos outros para completar as tarefas menores e mundanas da forma mais eficiente possível.

Sustentabilidade

Apesar de tardiamente, o mundo parece estar a acordar cada vez mais para o facto de que o desastre climático representará um desafio muito maior do que qualquer evento que tenhamos experimentado nas últimas décadas e que terá um impacto muito superior aos desafios provocados pela pandemia de Covid. Isto significa que investidores e consumidores estão crescentemente a optar por empresas com as credenciais ambientais, sociais e de governação [ESG] certas, sendo que as tendências de compra estão cada vez mais a ser conduzidas por consumidores conscientes, ou seja, por aqueles que dão prioridade a factores como o impacto ecológico e a sustentabilidade nas suas opções de compra ou com que tipo de empresas devem estabelecer negócios ou parcerias. 

Assim e em 2023, as empresas precisam de se certificar de que os seus processos ambientais, sociais e de governação são transferidos para o centro da sua estratégia. Esta transição deverá começar pela medição do impacto que qualquer empresa está a ter na sociedade e no ambiente e, em seguida, avançar para o aumento da transparência, não só através da elaboração de relatórios, mas também para uma maior responsabilização relativa aos seus actos. Todas s empresas que pretendem crescer deverão ter um plano com objectivos e prazos claros sobre como reduzir quaisquer impactos negativos, tendo este de ser sustentado por estratégias de acção sólidas e contínuas. A avaliação e as estratégias deverão igualmente trespassar as paredes das empresas e cobrir toda a cadeia de fornecimento, tendo em atenção as credenciais de ESG dos fornecedores.

Inflação e segurança das cadeias de abastecimento

As perspectivas económicas para a maior parte do mundo não parecem de todo animadoras para o ano que se aproxima. Uma grande quota de especialistas estima uma inflação contínua e um crescimento económico moderado. Muitas indústrias estão ainda atormentadas por questões relacionadas com as cadeias de abastecimento que surgiram durante as paralisações globais causadas pela Covid-19 e que só pioraram devido à guerra na Ucrânia. Para combater esta situação e manterem-se à tona de água, as empresas precisam de melhorar a sua resiliência da forma que puderem, o que significa reduzir a exposição à volatilidade dos preços das mercadorias, bem como criar medidas de protecção nas cadeias de abastecimento para lidar com a escassez e o aumento dos custos logísticos.

Desta forma, é muito importante que as empresas mapeiem toda a sua cadeia de abastecimento e identifiquem qualquer exposição aos riscos de aprovisionamento e da inflação. Assim será mais fácil explorar formas de mitigar esses riscos, optando por exemplo por fornecedores alternativos e tornarem-se, se possível, mais auto-suficientes. 

Novos modelos de negócio

A economia da partilha é um modelo de negócio que está em ascensão, permitindo às empresas partilharem recursos e serviços em vez de os “possuírem”. Empresas como a Airbnb e a Uber são bons exemplos deste tipo de economia já existente, mas que ganhará decerto mais adeptos o mercado. Outro modelo de negócio que está a ganhar popularidade é o modelo de subscrição, que permite aos clientes pagar uma taxa recorrente pelo acesso a um produto ou serviço e de que são exemplo o Netflix e o Spotify. O modelo freemium está também a tornar-se mais comum, oferecendo uma versão básica de um produto ou serviço gratuitamente, mas cobrando por funcionalidades premium. Muitas empresas, tais como a Evernote e Dropbox, estão já a utilizá-lo. 

À laia de conclusão, a incerteza que é quase uma certeza que irá acompanhar o ano de 2023, o que exigirá uma abordagem mais firme por parte das organizações que desejam ser  bem sucedidas, as quais deverão assegurar que todas as suas  acções sejam decorrentes da sua missão principal. Ignorar ganhos tentadores mas potencialmente destrutivos a curto prazo não será fácil numa economia vacilante. Mas não devemos esquecer que momentos perturbadores como os que temos vivido têm igualmente o poder de acelerar o desempenho de organizações que conseguem resistir à tempestade. 

E se, como sublinha o Global Institute da McKinsey, realmente estamos no início de uma mudança sísmica – como as provas parecem sugerir – os líderes devem preparar-se para a possibilidade de uma nova era e posicionarem-se para a moldar e adaptarem-se à mesma. 

Apesar de o ambiente que actualmente nos rodeia convidar mais ao pessimismo do que ao optimismo é preciso não esquecer que através de todos os altos e baixos do mundo, o progresso tem continuado e diversos milagres têm tido lugar. Os nossos tempos exigem acção, mas a história também oferece uma grande esperança. Mas que não surjam mais terramotos, nem mais réplicas.

Editora Executiva