POR HELENA OLIVEIRA
Ao longo de 2015, 2,7 milhões de pessoas candidataram-se à Google. Destas, uma em cada 400 tem a sorte de se juntar ao local mais invejado do mundo para se trabalhar.
A gigante tecnológica – que entretanto passou a ser “apenas” a letra “G” depois dos seus fundadores, Larry Page e Sergey Brin, terem alterado o nome de Google Inc. para Alphabet, numa tentativa de melhorar a gestão das mais de 70 empresas que incluem no seu universo – foi considerada, pela 7ª vez em 10 anos, como a melhor empresa para se trabalhar pela Fortune, em conjunto com o Great Place to Work.
No ranking anual que elege as 100 melhores empresas nas quais trabalhar é um prazer – e no qual nenhuma das suas grandes congéneres na área da tecnologia está presente – seja a Amazon, a Apple ou a Microsoft – a Google soma mais uma vitória, consecutiva nos últimos cinco anos, com 96% dos seus trabalhadores a afirmarem que o seu “local de trabalho é excelente” e a mesma percentagem a garantir que é “um orgulho” dele fazerem parte. Mais significativa – e surpreendente, também, visto que nem tudo o que luz na Google é ouro – é a percentagem de colaboradores que afirma que a “Google tem uma gestão honesta e é ética nas suas práticas de negócio”: 95% dos 1019 trabalhadores inquiridos pelo Great Place to Work.
Todos nós, em menor ou maior escala, já vislumbrámos o que é trabalhar – e quase “viver” – no denominado Googleplex, o complexo de edifícios que formam a sua sede, em Mountain View, na Califórnia, e no qual toda a gente anda de bicicleta – ou de qualquer outra “coisa com rodas” inventada pela empresa -, joga bilhar ou bowling, tem refeições gratuitas, salas de lego, guitarras eléctricas espalhadas pelas instalações, cabeleireiro, massagens, creches e locais para brincar para os filhos, permissão para levar os animais de estimação e muitos outros “benefícios” que nos fazem, a todos nós que somos trabalhadores “comuns”, roer de inveja. Sim, a Google é conhecida como a talvez mais informal grande empresa do mundo, num convite contínuo à inspiração e à criação e onde qualquer colaborador, independentemente do cargo ou nível remuneratório, pode ainda devotar 20% do seu trabalho semanal a um projecto “individual”, seja ele de que natureza for.
A juntar a este ambiente literalmente colorido, a empresa oferece ainda a todos os seus felizardos trabalhadores, um conjunto de outros benefícios que, apesar de alguns deles existirem também em outras organizações, vão sempre mais além dos típicos privilégios que contribuem para atrair e reter “talentos”, a palavra agora utilizada por excelência para definir a força de trabalho desejável. Das regalias criteriosamente pensadas para tornar mais fácil a vida dos colaboradores – mas também para evitar que estes percam tempo “fora” do local de trabalho – o inventário, e para além do já citado, é quase interminável: oficina e posto de correios, lavagem de automóveis, lavandaria (até o detergente é grátis) e limpeza a seco, reuniões dos “vigilantes do peso” (Weight Watchers), aulas de fitness e desportos variados, desconto em bilhetes para espectáculos, “casulos” para sestas (também chamados de “descompressão” à prova de luz e de som), shuttles de transporte com wi-fi, é claro, oferta de cursos de línguas como mandarim, japonês ou espanhol, cabines “privadas” nas quais é possível tratar de questões pessoais, cadeiras de massagem com vista para “zonas de aquários”, entre outros mimos inimagináveis.
[pull_quote_center]“Temos benefícios únicos e excepcionais” – 97%[/pull_quote_center]
Com 56300 empregados em todo o mundo, dos quais 37792 a trabalhar nos Estados Unidos, os benefícios da Google estendem-se, e como não poderia deixar de ser, a outros “mais comuns” existentes nas empresas que se preocupam em manter elevados os níveis de satisfação da sua força de trabalho, apesar de, também neste capítulo, conseguirem ir mais além do que o que é “normal”: desde planos de reforma invejáveis, a seguros de vida (se um Googler morre, o seu parceiro/a recebe, ao longo de 10 anos, metade do seu ordenado e, por cada filho, a empresa oferece ainda mil dólares por mês), participação nos lucros, variados programas de conciliação entre vida profissional e pessoal – entre os quais licenças sabáticas, opção de teletrabalho, creches, licenças de maternidade e paternidade pagas (o que, nos Estados Unidos é mesmo uma rara regalia), salas de amamentação, horários flexíveis, apoio a ascendentes -, seguros de saúde com cobertura “total”, incluindo terapias alternativas, apoio psicológico e tratamentos de fertilidade e, na própria sede, serviços médicos variados, tão dispares quanto testes de colesterol, mamografias ou rastreios biométricos totais. Aliás, basta consultar a página dos seus benefícios para se perceber por que motivo a empresa afirma que os benefícios que oferece “são concebidos para cuidar do ‘seu todo’ e para o manter saudável, seja a nível físico, emocional, financeiro ou social”.
Apesar de inegáveis, os benefícios não são totalmente desprovidos de “interesses”: obviamente que trabalhar numa das maiores e mais competitivas empresas do mundo não significa “só” boas mordomias e uma vida que mais parece de lazer contínuo, do que de trabalho duro. A Google também é conhecida pelas longas jornadas de trabalho, extremamente exigentes, e nem toda a gente aguenta o seu ritmo e estilo de trabalho. A título de exemplo, basta, ironicamente, “googlarmos” sobre o “lado negro”da empresa e são muitos os resultados devolvidos. E, ao fazer esta pesquisa, o VER encontrou, no website de perguntas e respostas Quora, testemunhos variados de empregados ou ex-empregados da Google que condenam a empresa em variados aspectos (algo que também é normal acontecer), destacando-se uma observação curiosa: “penso que a campanha de marketing que dita que os empregados da Google têm tudo o que é necessário para serem felizes é um dos seus produtos mais impressionantes (…). O que testemunhamos é muitos dos nossos colegas a ficarem ‘estranhos’ e dependentes da empresa, até percebermos que o estilo de vida na Google nos torna, basicamente, não ‘contratáveis’ em qualquer outro sítio”. As palavras deste ex-colaborador contrariam, contudo, a ideia comum de que ter no currículo uma passagem pela Google significa um abrir de portas em qualquer que seja a empresa ou start-up em causa
Nome de código: Projecto Aristóteles ou a busca pela equipa perfeita
Todavia, se há uma verdade inegável, e partilhada centenas (ou milhares) de vezes por media reconhecidos que visitaram a empresa para comprovar a sua excelente política de recursos humanos, é a de que a Google tem vindo a devotar o mesmo nível de capacidade intelectual que lhe permitiu criar, por exemplo, carros que andam sozinhos, para descobrir, refinar e implementar práticas de liderança que optimizam a performance humana no local de trabalho.
E um dos seus grandes trunfos é ter apostado forte numa pesquisa de enorme envergadura para aferir, ao longo de dois anos, o que mais motiva o trabalho em equipa, como estas funcionam entre si e o que as faz serem extremamente eficazes – e lucrativas – nos projectos que lideram. O trabalho colaborativo – tipicamente comum nas empresas de tecnologia – foi considerado uma prioridade na Google desde muito cedo, pois é dele que depende, em primeira e última análise, o sucesso da própria empresa. Nenhum Googler trabalha sozinho, cada um integra, no mínimo, uma equipa e, por vezes, duas ou mais, sendo que a dimensão destas varia entre três pessoas e um máximo de 70. Compreender as dinâmicas que promovem o bom trabalho em equipa foi, assim, considerado de “importância extrema” na empresa e, e depois de já ter investigado tudo o que era possível sobre como aumentar a produtividade, a Google ficou obcecada em “construir a equipa perfeita”.
[pull_quote_center]“Tenho muito orgulho em dizer que trabalho na Google” – 96%[/pull_quote_center]
Licenciada em Yale, Julia Rozowsky foi contratada para trabalhar na Google como investigadora “de pessoas e tendências”e, em pouco tempo, passou a integrar o denominado “Projecto Aristóteles”, o nome de código dado por um grupo do departamento de “People’s Operations” – correspondente aos Recursos Humanos de uma empresa “normal” – cujo objectivo era o de encontrar o “segredo” – leia-se, neste caso, o “algoritmo mágico”-, para a identificação da “equipa perfeita” e perceber por que motivo algumas equipas eram tão bem-sucedidas enquanto outras fracassavam. Em 2014, Abeer Dubey, um director da Google, juntou alguns dos melhores estatísticos, psicólogos organizacionais, sociólogos, engenheiros e também investigadores com características similares à de Julia Rozowsky, para darem início a tão importante cruzada.
Ao longo de dois anos e como narra o The New York Times num artigo extenso sobre todo o projecto, “a equipa de investigadores começou por rever meio século de estudos académicos sobre como as equipas funcionavam. Seriam as melhores equipas as que eram compostas por pessoas com interesses similares? Ou o que mais importava era o facto de todos serem motivados pelo mesmo tipo de recompensas? Com base nesses mesmos estudos, os investigadores escrutinaram a composição dos grupos no interior da Google: quantas vezes é que os membros de uma mesma equipa socializavam fora do local de trabalho? Tinham estes os mesmos hobbies? Eram os seus backgrounds académicos similares? Era melhor que os seus elementos fossem todos extrovertidos ou, pelo contrário, todos tímidos? Foram desenhados diagramas que demonstravam quais as equipas que tinham membros ‘repetidos’ e quais os grupos em que os objectivos e as expectativas tinham sido francamente superados. Os investigadores estudaram também durante quanto tempo é que as equipas se mantinham coesas e se o equilíbrio entre géneros teria, ou não, impacto nos resultados atingidos (…)”.
Conta Rozowsky, no blog da Google, que com tantos dados e análises sofisticadas, e depois de terem estudado quase 200 equipas no interior da empresa, analisado 250 atributos diferentes e entrevistado mais de 200 Googlers, a convicção geral era a de que seria fácil encontrarem o “cocktail” perfeito de características e competências necessárias para a formação equipa perfeita. Mas não podiam estar mais errados, como confessa Rozowsky .E uma das primeiras conclusões a que chegaram foi a de que “a parte do ‘quem’ na equação parecia não ter importância alguma”.
Os resultados do estudo foram entretanto publicados e, sendo o VER obrigado a não contar a deliciosa história na íntegra, mas sugerindo a sua leitura, mais uma vez, no excelente artigo do The New York Times, tentaremos de seguida sumarizar os seus principais resultados.
Segurança psicológica é a mais importante dinâmica numa equipa excepcional
Sem descobrir o “algoritmo da perfeição”, Julia Rozowsky e os seus colegas de equipa acabaram por chegar a algumas conclusões as quais, na verdade, são muito mais simples do que se poderia imaginar. Se os inúmeros dados analisados não conseguiram oferecer a receita concreta para o sucesso, provaram, ao invés, que o que mais parece fazer a diferença numa boa equipa é o seu lado humano. “Quem é quem numa equipa importa menos do que a forma como os seus elementos interagem, estruturam o seu trabalho e vêem os seus contributos”, afirma Rozowsky, acrescentando que, “essencialmente, as melhores equipas são compostas por pessoas que respeitam as emoções uns dos outros, que dependem uns dos outros e que, de forma genuína, se importam com o que estão a fazer”.
[pull_quote_center]“As pessoas estão dispostas a dar o seu ‘extra’ para que o trabalho seja (bem) feito” – 95%[/pull_quote_center]
No final, foram cinco as dinâmicas cruciais encontradas que distinguem as equipas excepcionais das restantes, sendo que a mais importante, de longe, é a denominada segurança psicológica, “avaliada” pela seguinte questão: podemos correr riscos nesta equipa sem nos sentirmos inseguros ou embaraçados?
Rozowsky explica que, apesar de e aparentemente não fazer sentido, é muito comum que, quando um projecto é atribuído a uma equipa, nem sempre os seus elementos têm a coragem ou o à-vontade suficiente para perguntarem qual é realmente o objectivo do mesmo, pois temem correr o risco de serem considerados como “fora do sistema”. Adicionalmente, muitas pessoas optam por continuar o trabalho em causa sem clarificar as suas dúvidas, para evitarem que os demais membros os considerem ignorantes. A verdade é que todos nós nos sentimos relutantes em demonstrar comportamentos que possam influenciar negativamente a forma como os demais percepcionam a nossa competência, conhecimentos e positividade. E, apesar de este tipo de autoprotecção constituir uma estratégia natural no local de trabalho, é absolutamente prejudicial para a eficácia do trabalho em equipa.
Por outro lado, quão mais seguros os elementos do grupo se sentem entre si, mais facilmente admitirão erros, pedirão ajuda e se “candidatarão” a novos papeis na dinâmica de equipa. Rozowsky afirma ainda que, nas equipas, os indivíduos que maior segurança psicológica demonstram, são os que menor propensão têm em deixar a Google, os que maior tendência têm para aproveitar o poder de ideias distintas vindas dos seus colegas de grupo, os que mais contribuem para gerar receitas e os que são avaliados como duas vezes mais eficazes pelos executivos que os chefiam.
[pull_quote_center]“São-me dados os recursos e equipamentos necessários para fazer o meu trabalho” – 95%[/pull_quote_center]
Todavia, e como a própria Razowsky confessou no artigo já citado do New York Times, estabelecer esta segurança psicológica é, pela sua própria natureza, algo confuso e difícil de implementar. “É possível chamar a atenção que todos devem ter o direito à palavra numa determinada discussão ou que se têm de ouvir uns aos outros com maior frequência. É possível ‘instruir’ os empregados a serem mais sensíveis à forma como se sentem os seus colegas e a ‘perceberem’ quando alguém está triste ou abalado. Mas as pessoas que trabalham na Google são, frequentemente, aquelas que se tornarem engenheiros de software exactamente por não gostarem de falar sobre sentimentos [ou de os expor] ”.
Rozowsky e os colegas podem ter encontrado as normas que mais críticas são para o estabelecimento de um trabalho de excelência no interior das equipas, “mas terão ainda de divisar uma forma para transformar a comunicação e a empatia – que constituem os elementos de base para conexões reais – num algoritmo que possam facilmente escalar”. Mas e no fundo, os comportamentos que criam a segurança psicológica – saber escutar, partilhar e sentir empatia pelos outros – fazem parte das mesmas regras não escritas às quais recorremos quando pretendemos estabelecer um laço, uma ligação com alguém. E esses “laços humanos” são tão importantes nos locais de trabalho como o são noutros contextos. Ou, como refere Rozowsky, “são até mais importantes [no contextos de trabalho]”.
[pull_quote_center]“A gestão é honesta e ética nas suas práticas de negócio” – 95%[/pull_quote_center]
As quatro restantes dinâmicas são igualmente identificadas através de perguntas que devemos fazer a nós mesmos e a todos os elementos que compõem uma equipa:
Confiabilidade: podemos contar uns com os outros para fazer um trabalho de qualidade dentro do prazo estabelecido?
Estrutura e clareza: estão os objectivos, os papéis de cada um e os planos de execução absolutamente clarificados para todos os elementos da equipa?
Significado do trabalho: estamos, todos, a trabalhar em algo que é pessoalmente importante para cada um de nós?
Impacto do trabalho: acreditamos todos, genuinamente, que o trabalho que estamos a fazer é realmente importante?
Para terminar e como explica Rozowski, e na medida em que os Googlers são apaixonados por dados, mas também gostam de acção, a equipa criou uma ferramenta apelidada de “gTeams exercise” que funciona como uma “avaliação em 10 minutos” das cinco dinâmicas identificadas, e que integra uma espécie de relatório que sumariza como a equipa está a trabalhar, uma conversa na primeira pessoa para discutir os resultados até então atingidos e ainda recursos de desenvolvimento “à medida” que ajudam as equipas a melhorar. Ao longo do último ano, mais de 3 mil Googlers pertencentes a 300 equipas já utilizaram esta ferramenta. E, destas, as que adoptaram uma nova norma – iniciar cada reunião de equipa com a partilha de um erro cometido na semana anterior – aumentaram os seus índices de segurança psicológica em 6% e os de estrutura e clareza em 10%.
Sim, a Google mima muito os seus colaboradores, oferecendo-lhes regalias únicas, o que a mantém no pódio das melhores empresas para trabalhar. Mas, em contrapartida, os seus empregados também a vão mimando, com claros ganhos em produtividade e, consequentemente, em boas receitas. Uma relação de saudável igualdade, portanto. Pelo menos, é o que parece.
Como os Googlers avaliam a sua empresa:
Recompensas excelentes – 97%
Ambiente de trabalho excelente – 97%
Orgulho fora de série – 98%
Comunicação de excelência – 97%
Excelência das chefias – 95%
Nota: A Alphabet Google está igualmente no top 10 do ranking elaborado pela revista Fast Company das 50 empresas mais inovadoras do mundo, em destaque também nesta edição no artigo “Negócios ágeis e com impacto de inovação”
Editora Executiva