Lançado recentemente pelo Fórum Económico Mundial, um novo relatório vem relembrar os motivos – para quem ainda não os interiorizou – que devem levar as empresas a implementar estratégias de inovação social, não só para fazerem o bem alheio, mas para contribuírem para o seu próprio bem. Ou, na palavra que mais importa para os negócios, a aposta na inovação social significa, também, “lucro”
POR
HELENA OLIVEIRA

“Um líder de negócios tem de pensar em como resolver desafios sociais, porque se não os resolver, corre o risco de não vir a ter negócio nenhum”
Peter Brabeck-Letmathe, presidente do conselho de administração da Nestlé

Há 15 anos que a Schwab Foundation for Social Entrepreneurship tem vindo a “apurar”, através de inúmeros estudos e acções concretas, o conceito e a prática da inovação social. Ambos os termos – empreendedorismo e inovação social – têm vindo a ser usados e abusados, mas a verdade é que o movimento que lhes está subjacente não pára de crescer, seja em iniciativas, seja em impacto criado. E se existe um sem número de organizações com e sem fins lucrativos que são criadas com uma missão social explícita – demonstrando de que forma estas abordagens e metodologias podem criar impacto que realmente transforma as vidas de vários segmentos populacionais vulneráveis, o papel das multinacionais contribui, também e cada vez mais, para transformar a prática da inovação social em soluções que podem ser escaláveis e servir, melhor, um maior número de beneficiários.

Em Fevereiro último e em parceria com o Fórum Económico Mundial (FEM), lançou um documento, intitulado Social Innovation: A Guide to Achieving Corporate and Societal Value que, e como o nome indica, serve não só como um “guia orientador” que ajuda as multinacionais a investirem ainda mais em inovação social, como também de “lembrete” de que, para além de fazerem o bem, estes actos contribuem igualmente para melhorar a imagem das empresas – numa tentativa ainda não conseguida de restaurar os níveis de confiança que continuam baixos relativamente ao ambiente empresarial – atrair e reter novos talentos, alterar a sua avaliação de performance, aumentar o crescimento e penetrar em mercados “futuros”. Ou, na palavra que mais importa para os negócios, a aposta na inovação social significa, também, “lucro”.

O guia em causa está dividido em três partes por excelência: o “porquê” da importância da inserção da inovação social na estratégia empresarial; através de estudos de casos, avaliar “o quê” – ou quais as estratégias e modelos de negócios mais relevantes, que oportunidades podem deles derivar e que tipo de negócios sociais mais beneficiam as empresas que os adoptam e o “como” – demonstrando de que forma as grandes multinacionais conseguem transformar as boas intenções em proveitosas acções, como identificam oportunidades que estejam alinhadas com a sua estratégia de negócios de longo prazo e ainda qual a melhor forma de identificar parceiros, desenhar métricas e divisar estruturas internas que lidem, de forma eficaz, com este “business as unusual”.

O VER sumariza os pontos mais relevantes do “porquê” e do “como”, mas sugere vivamente, para as empresas que estão realmente interessadas em fazer desta oportunidade um “must have” da sua estratégia, a leitura integral do relatório, com particular enfoque nos estudos de casos apresentados e que comprovam o feliz casamento entre ajudar os outros e ajudar o negócio.

Nunca é demais reforçar a relevância da inovação social para os negócios

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A informação não é nova, e muito menos o sentimento. Mas a verdade é que, de acordo com o Edelman Trust Barometer de 2015, os níveis públicos de confiança nos líderes empresariais estão – e continuam – nos mínimos desde 2008. E mais de metade dos CEOs que participaram no PWC Annual CEO Survey do mesmo ano (o VER já escreveu sobre estes resultados) afirma-se preocupada no que respeita a este declínio – persistente – dos níveis de confiança. A boa notícia é que as empresas que são capazes de melhorar os seus contributos líquidos para a sociedade têm maiores probabilidades de reganhar a confiança dos seus stakeholders e assegurar a sua licença para operar na sociedade.

Uma outra pressão, crescente, que está a ser exercida sobre as empresas diz respeito ao investimento na resiliência das suas cadeias de fornecimento e também à avaliação da sua pegada social e ambiental, sendo estas cada vez mais exortadas a assegurar práticas de negócio responsáveis e a “internalizar” impactos negativos externos. E, como assegura o relatório do FEM, as empresas que perseguirem modelos e estratégias de negócio que invistam na prosperidade económica de stakeholders chave pertencentes à sua cadeia de fornecimento, incluindo pequenos produtores e comunidades locais, estão também melhor posicionadas para a competitividade a longo prazo.

Uma outra questão que, apesar de não ser unânime entre os especialistas que a estudam, mas que tem vindo a ser extremamente mediatizada, é a de que a mais recente geração a entrar na força de trabalho perspectiva o sucesso empresarial de uma forma completamente diferente face à geração dos seus pais, conferindo uma importância substancial à sustentabilidade de longo prazo em detrimento da maximização de lucro de curto prazo. No Global Shapers Annual Survey 2015, seis em cada dez millennials entrevistados afirmaram que uma oportunidade para “fazer a diferença na sociedade, na minha cidade ou no meu país” consiste na característica que mais prezam quando estão à procura de emprego (apesar de existirem outros estudos que negam esta atitude demasiado “altruísta”). Adicionalmente e como também refere o FEM, considerando a “ausência de lealdade face a um empregador”, que marca também esta geração – dois em cada três respondentes a um inquérito realizado pela Deloitte a estes millennials já em 2016 consideram mudar de empresa até 2020 –, serão as empresas que terão de se destacar nos seus esforços de retenção dos trabalhadores, assegurando que estes sintam orgulho no trabalho por elas desenvolvido, em conjunto com a consequente lealdade que dele advém, para evitarem os elevados custos do turnover.

No seguimento de uma outra tendência que também já não é nova, mas que vai somando cada vez mais adeptos, é cada vez maior o número de investidores que estão a incluir considerações sociais e ambientais nas suas métricas de performance e decisões de investimento. Um dos exemplos referidos pelo relatório do Fórum Económico Mundial, citando a Global Sustainable Investment Review, sublinha que a quota de activos sustentáveis no interior de todos os activos profissionalmente geridos a nível global aumentou de 21,5% em 2012 para 30,2% em 2014. E, pela primeira vez, o ranking dos 100 CEOs com melhor performance publicado pela Harvard Business Review incluiu, na sua edição de 2015 (sobre a qual o VER escreveu) uma nova medida com o objectivo de avaliar a performance de longo prazo, a nível social e ambiental, dos líderes em causa, a qual valia 20% da pontuação total. Lars Sørenson, CEO da Novo Nordisk e número 1 no ranking em causa, sublinhou que “no longo prazo, as questões sociais e ambientais tornar-se-ão, também, questões financeiras”.

O “último” motivo devido ao qual as empresas se devem congratular com uma aposta na inovação social está relacionado com o crescimento e a inclusão “à escala”. Mesmo com os progressos não despiciendos reportados pelo Banco Mundial no que respeita à pobreza extrema (com menos de 10% da população global a (sobre)viver abaixo da linha da pobreza ou seja, com menos de dois dólares por dia), a crescente desigualdade não dá qualquer margem para que se abrandem as iniciativas que visam lutar por um mundo mais justo e equitativo para todos. E se só com soluções à escala global será possível abordar estes enormes desafios, os governos e as organizações da sociedade civil estão, de forma cada vez mais premente também, a “virar-se” para as empresas e para os contributos significativos que estas podem oferecer para minimizar vários destes problemas sociais e globais.

Os recém-lançados Objectivos para o Desenvolvimento Sustentável (que podem ser consultados também no VER) oferecem também um enquadramento oportuno para estes contributos. As empresas que transformam desafios sociais, como o desemprego ou a inexistência de cuidados de saúde, em oportunidades, os quais, por sua vez, contribuem para o crescimento da empresa e para a sua competitividade de longo prazo, serão as que mais bem posicionadas estarão para o sucesso sustentável.

Negócios, inovação social e benefícios

A segunda secção do relatório em causa está dividida em quatro grandes clusters de oportunidades, das quais as empresas podem realmente beneficiar se implementarem, eficazmente, estratégias de inovação social: a construção de mercados futuros, o reforço das cadeias de fornecimento, o investimento em talento e a aposta em financiamento, seja através de fundos de investimento com impacto ou na criação de startups. Para os líderes que pretendam aprofundar as suas ideias no que a estas questões específicas diz respeito, o relatório explica de que forma é que cada um destes clusters oferece um ponto de partida para se identificarem as oportunidades de inovação social que mais relevantes para o seu negócio possam ser, sendo que estas são também influenciadas por um conjunto de múltiplos factores como o ambiente operacional, a pegada geográfica, o portefólio de produtos, a base de fornecedores ou as dependências no que respeita às matérias-primas. O VER resume também alguns dos potenciais benefícios da sua implementação, recordando, contudo, que no relatório constam também exemplos de grandes empresas que têm já cartas dadas – e retorno recebido – na implementação de algumas destas estratégias.

  • Mercados futuros: os “próximos” quatro mil milhões
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À medida que o crescimento sofre um abrandamento nos mercados desenvolvidos, os “próximos” quatro mil milhões de consumidores das economias emergentes representam uma oportunidade a não perder por parte das empresas locais e multinacionais. A curto prazo, o relativamente baixo poder de compra destes consumidores torna difícil a obtenção de margens de lucro apetecíveis, mas as empresas “voltadas para o futuro” olham para a construção de potenciais novos mercados e para os seus esforços de desenvolvimento de negócios neste segmento como um investimento de longo prazo. E, ao fazerem-no, começam por ganhar, antecipadamente, conhecimentos extremamente úteis sobre as necessidades e preferências únicas deste tipo de clientes e inovando através da aposta em linhas de produtos que possam ser mais acessíveis e relevantes para o segmento em causa.

De acordo com o relatório, na maioria dos casos, as empresas com estratégias bem-sucedidas no que respeita à inovação social enquanto oportunidade para desenvolverem novos mercados inovam, tradicionalmente, através de três maneiras específicas. Em primeiro lugar, desenvolvem produtos e serviços que respondam às necessidades singulares e aos comportamentos “padrão”dos clientes com baixos rendimentos: o que pode significar o desenvolvimento de novos produtos ou serviços ou adaptar linhas já existentes dos mesmos – como por exemplo, marcas alimentares que optam por “fortalecer” produtos que já existam no seu portefólio com micro nutrientes que minimizem a desnutrição [a Danone foi pioneira nesta estratégia no Bangladeche]. Em segundo lugar, os produtos e serviços têm de levar em linha de conta uma produção que seja eficiente em termos de custo e, por último, os produtos devem também “tornar-se” acessíveis ao longo de enormes geografias, com infra-estruturas pobres, o que exige um pensamento verdadeiramente criativo no que respeita aos canais de distribuição.

Resta acrescentar que para além da melhoria da qualidade de vida destes consumidores de baixo rendimento, este tipo de inovação pode ainda dar origem a oportunidades de se promover o micro-empreendedorismo (a nível local) e melhorar os rendimentos das comunidades em causa.

  • Cadeias de fornecimento: estabilizar, diversificar e responder proactivamente
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O relatório identifica três grandes benefícios por excelência para a inovação social na cadeia de fornecimento das empresas.

A primeira motivação é a de assegurar a estabilidade no acesso às matérias-primas. Na medida em que muitas destas cadeias, em particular as utilizadas pela indústria alimentar, dos bens de consumo e agrícolas, estão ligadas por intermediários, sendo que todos eles ganham a sua quota-parte do preço pago pelo consumidor final. A não ser que os pequenos fornecedores possam aumentar a sua produtividade, os agregados podem ser forçados a abandonar colheitas que se tenham tornado inviáveis, ameaçando o fornecimento de matérias-primas. Um dos exemplos que consta no relatório é o de uma escassez global de cacau, a qual deu origem a que muitos produtores globais de chocolate estabelecessem parcerias com empreendimentos sociais, como o Kennemer Foods, nas Filipinas, para ajudar os produtores de cacau a aumentarem a produtividade das suas colheitas.

Por sua vez, os eventos climáticos extremos ajudam igualmente à volatilidade da cadeia de fornecimento. A diversificação da base de fornecedores, em conjunto com o investimento no seu interior, ajudam a criar relacionamentos directos e de confiança com os agricultores, os quais ajudam, por sua vez, à estabilidade nos fornecimentos e nos preços face a este tipo de “alterações climáticas súbitas”.

O segundo benefício estratégico elencado pelo relatório está relacionado com a melhoria da qualidade das matérias-primas, o que ajuda a capacidade de uma empresa para conseguir um preço “especial” enquanto reforça, em simultâneo, a lealdade dos consumidores.

Uma outra motivação está relacionada com a reputação e com a resposta pró-activa às preferências, em constante mutação, dos consumidores. E é necessário não esquecer que é cada vez maior o número de pessoas que estão dispostas a pagar um “extra” por produtos originários de cadeias de fornecimento socialmente responsáveis.

  • Talento: força de trabalho diversificada, competências e perspectivas inovadoras
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Os níveis crescentes de diversidade na força laboral apresentam uma oportunidade significativa de inovação social para as empresas. Optar por uma força de trabalho mais diversificada não só aumenta a dimensão da pool de recrutamento, como introduz novas competências nas organizações. Muitas empresas já perceberam e interiorizaram esta oportunidade: de acordo com um relatório sobre o tema publicado pela revista Forbes, 85% das empresas inquiridas concordam que a diversificação do talento resulta em ideias e geração de produtos muito mais inovadores.

Dando como exemplo a SAP, que apostou no recrutamento de pessoas tradicionalmente consideradas fora do “terreno da empregabilidade” (neste caso com autismo), aumentando a diversidade do seu talento interno, o relatório afirma também que as empresas estão, finalmente, a reconhecer que estas “novas” pools de talentos (outros exemplos podem incluir os imigrantes, os desempregados de longa duração e as pessoas com deficiência) podem trazer novas e inesperadas forças e perspectivas às equipas “comuns”. Contudo, e como não há bela sem senão, para explorar de forma bem-sucedida estes segmentos “não habituais”, as empresas precisam de avaliar de que forma as abordagens à contratação, em conjunto com os procedimentos de trabalho podem – e devem – ser adaptados.

Várias empresas têm vindo a abordar esta questão procurando “aliados” que partilham uma missão comum e que estão dispostos a entrar como parceiros, de que são exemplo os governos ou as instituições educativas – ou até mesmo os concorrentes – que podem co-investir, contribuir com a sua área de especialização ou com infra-estruturas. Ao mesmo tempo, as empresas podem ter um papel ainda mais activo ao (co)redesenharem conteúdos curriculares, oferecendo a(s) sua(s) experiência(s) e assegurando um desenvolvimento de competências especificas que vá ao encontro das exigências corporativas.

  • Alavancagem financeira: investimento com impacto, incubadoras e negócios sociais
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O financiamento pode também ser uma ferramenta crucial para uma empresa se envolver com a inovação social. Empresas como a Telefónica, por exemplo, ajudaram ao desenvolvimento de muitos negócios sociais através da gestão de fundos de investimento com impacto ou de incubadoras. Para além da geração de retorno financeiro, este tipo de investimentos pode oferecer um conjunto imenso de ideias que promova a agenda de inovação da empresa, as quais podem ainda vir a constituir-se como parceiros, ou até consumidores, no futuro.

Para beneficiar o mais possível dos investimentos com impacto, uma empresa deverá investir em startups que estejam fortemente alinhadas com a sua estratégia de negócio ou operar em mercados adjacentes.

Fonte: Social Innovation: A Guide to Achieving Corporate and Societal Value

Editora Executiva